quinta-feira, 29 de outubro de 2009

" O Desejo De Permanência "

Entre as circunstancias mutantes da vida existe algo permanente ?
Existe alguma relação entre nós próprios e a constante mutação ao nosso redor ? Se admitíssemos que tudo é mutável , inclusive nós próprios , então jamais existiria a idéia de permanência . Se nos imaginássemos num estado de continuo movimento , então não haveria conflito entre as circunstancias mutantes da vida e aquilo que agora supomos ser permanente .
Existe em nós uma profunda e radicada esperança ou certeza de que existe algo permanente no meio da contínua mutação e isto cria o conflito . Vemos que a mutação existe ao redor de nós .
Vemos tudo decaindo , fenecendo . Vemos cataclismos , guerras , fome , morte , insegurança , desilusão . Tudo que nos cerca está em constante mutação vindo-a-ser e decaindo . Todas as coisas se gastam pelo uso . Nada há e permanente ao redor de nós . Em nossas instituições , em nossas morais , nossas teorias de governo , de economia , de relações sociais - em todas as coisas existe fluxo , existe mudança .
E entretanto , no meio dessa impermanência , sentimos que existe permanência ; estando insatisfeitos com essa impermanência , criamos um estado de permanência , gerando , por esse modo , conflito entre o que se supõe ser permanente e o que é mutante , o transitório . Mas se percebêssemos que tudo , inclusive nós mesmos , o " eu " é transitório , e também o são as coisas ambientes da vida , certamente não haveria então esse irônico conflito .
O que é que exige permanência , segurança , que anseia pela continuidade ? É nessa exigência que se baseiam todas as nossas relações sociais e morais .
Se vocês realmente acreditassem ou sentissem profundamente , por vocês mesmos , a incessante mutação da vida , então jamais existiria ansiedade pela segurança , pela permanência . Mas porque existe uma profunda ansiedade pela permanência , nós criamos uma parede estanque contra o movimento da vida .
Portanto , o conflito existe entre os valores mutantes da vida e o desejo que está procurando permanência . Se sentíssemos e compreendêssemos profunadamente a impermanência de nós próprios e das coisas deste mundo , então haveria o cessar do amargo conflito , das dores e temores . Então não haveria apego , de onde surge a luta social e individual .
O que é pois essa coisa que se atribui permanência e está sempre procurando uma continuidade ulterior ? Não podemos investigar isto inteligentemente se não analisarmos e compreendermos a capacidade critica em si mesma .
A nossa capacidade critica brota dos preconceitos , das crenças , das teorias , das esperanças , etc., ou do que denominamos experiência .
A experiência baseia-se na tradição , nas memórias acumuladas . A nossa experiência está sempre matizada pelo passado . Se vocês acreditam em Deus , talvez possam ter o que chamam de uma experiência divina . Certamente esta não é uma experiência verdadeira . Tem sido gravado em nossas mentes , através dos séculos , que existe Deus , e de acordo com esse condicionamento nós temos uma experiência . Esta não é uma experiência de primeira mão , verdadeira .
A mente condicionada atuando de um modo condicionado não pode experimentar completamente . Tal mente é incapaz de plenamente experimentar a realidade ou a não-realidade e Deus . Do mesmo modo , a mente que já está preconcebida pelo desejo consciente ou inconsciente do permanente não pode compreender a realidade como plenitude . Toda pesquisa de tal mente preconcebida é apenas um novo fortalecimento desse preconceito .
A busca e a ânsia pela imortalidade são o incitamento das memórias acumuladas da consciência individual , o " eu " , com seus temores e esperanças , amores e ódios . Esse " eu " fraciona-se em várias partes em conflito : osuperior e o inferior , o permanente e o transitório , e assim por diante . Esse " eu " em seu desejo de perpetuar-se , procura e utiliza outros modos e meios de se entrincheirar .
Talvez alguns de vocês possam dizer a si mesmos : " Certamente , como desaparecimento dessas ansiedades , deve haver realidade " .
O próprio desejo de saber se existe algo além da consciência em conflito da existência é uma indicação de que a mente está procurando uma segurança , uma certeza , uma recompensa para seus esforços .
Vemos como é criada uma resistência contra outra , e essa resistência , através das memórias acumulativas , através da experiência , é cada vez mais fortalecida , tornando-se cada vez mais consciente de si mesma .
Assim , existe a vossa resistência e a do vosso próximo , da sociedade . O ajustamento entre duas ou mais resistências é chamado relações mutuas , sobre que é construída a moralidade .
Onde há amor , não há a consciência das relações mutuas . É só num estado de resistência que pode haver esta consciência , que é apenas um ajustamento entre conflitos em oposição .
O conflito não existe somente entre várias resistências , mas também dentro de si mesmo , dentro da qualidade permanente e impermanente da própria resistência .
Existe algo permanente nessa resistência ? Vemos que a resistência pode perpetuar-se por meio da aquisição , da ignorância , por meio da consciente ou inconsciente ansiedade da experiência . Mas certamente essa continuação não é eterna ; ela é apenas a perpetuação do conflito .
O que chamamos permanente na resistência é apenas parte da própria resistência , e , portanto , parte do conflito . Assim , em si mesma , não é o eterno , o permanente .
Onde existe falta de plenitude , não-preenchimento , existe a ansiedade de continuação que cria a resistência , e esta resistência dá a si mesma a qualidade de permanência .
Aquilo a que a mente se agarra como sendo permanente é em sua própria essência o transitório . É o produto da ignorância , do medo e da ansiedade .
Se entedemos isto , então vemos que o problema não é de uma resistência em conflito com outra , mas como esta resistência vem a ser e como pode ser dissolvida . Quando defrontamos este problema profundamente , existe um novo despertar , um estado que pode ser chamado amor .
Texto : Krishnamurti
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