terça-feira, 29 de outubro de 2013

" A BUSCA POEMA "

Longamente peregrinei , por este mundo de coisas efêmeras .
Dele conheci os passageiros deleites , como o belo arco-íris , que muito cedo em nada se desfaz , assim , desde as origens do mundo .
Vi todas as coisas passarem - belas , festivas , deleitáveis .
Na busca do Eterno perdi-me entre as coisas finitas ; de todas provei , em busca da Verdade .

No perpassar das idades , conheci as delícias do mundo efêmero - 
A terna mãe com seus filhos , o arrogante e o livre , o mendigo que erra pela face da terra ,
O conforto dos ricos , a mulher tentadora , o belo e o feio , o autoritário , o poderoso ,
O homem importante , o benfeitor , o protetor , o oprimido e o opressor , o libertador e o tirano O homem de muitas posses , o renunciante - o sannyasi , o homem prático e o sonhador ,
O arrogante sacerdote de suntuosas vestes e o humilde devoto , 
O poeta , o artista , o criador .

Prostrei-me diante de todos os altares do mundo ,
Todas as religiões me conheceram , cerimônias inúmeras pratiquei ,
Regalei-me das pompas do mundo , combatente fui , de batalhas ganhas e perdidas ,
Desprezei e fui desprezado , conheci as tristezas e agonias de inúmeras desdidas , 
Nadei em prazeres e na opulência .

Nos secretos recantos de meu coração exultei , conheci nascimentos e mortes sem conta ,
Todas essas efêmeras esferas percorri , entre êxtases passageiros , crendo-as eternas ,
No entanto , jamais encontrei o eterno Reino da Felicidade .

Outrora 
Eu Te buscava , ó Verdade imperecível , ó felicidade eterna , culminância de toda Sabedoria !
No topo da montanha , no céu constelado , nas sombras do terno luar , nos templos do homem , Nos livros dos doutos , na tenra folha primaveril , nas águas irrequietas , no rosto do homem ,
No regato cantarolante , na tristeza , na dor , na alegria e no êxtase - mas não Te encontrei .

Assim como o montanhista ascende aos altos picos , largando a cada passo seus múltiplos fardos , assim também me alcei às alturas , abandonando as coisas transitórias .

Como o sannyasi de áureas vestes , a buscar felicidade , com sua taça de mendicante ,
assim também renunciei .

Como o jardineiro que mata as ervas daninhas de seu jardim , assim também aniquilei o ego .
Como os ventos , sou livre e sem entraves .

Forte e diligente como o vento que penetra os ocultos recantos do vale .
Rebusquei os recessos de minha alma , purificando-me de todas as coisas , passadas e presentes .

Qual o silêncio que , de súbito , se estende sobre o mundo rumoroso , assim também , subitamente , Te encontrei no fundo do coração de todas as coisas e do meu próprio .

Sobre a trilha da montanha , sentado numa pedra , a meu lado e dentro de mim Te encontrei 
E , em Ti e em mim contidas , todas as coisas .
Feliz o homem que encontra a Ti e a mim em todas as coisas .
Na luz do sol poente , a filtrar-se entre as delicadas rendas de uma árvore primaveril , eu Te contemplei .
Na ave que passa rápida e desaparece no negror da montanha , Te contemplei .

Tua glória despertou a glória que em mim dormia .
Tendo encontrado , ó mundo , a Verdade , a Felicidade eterna , dela desejo dar .
Vem meditemos juntos , juntos poderemos e sejamos felizes , raciocinemos juntos e façamos surgir a Felicidade .

Tendo provado e conhecido a pleno as tristezas e dores , os êxtases e alegrias deste mundo efêmero , compreendo tua aflição .
A glória de uma borboleta só dura um dia , assim também , ó mundo , são teus deleites e prazeres .

Como as tristezas da criança , assim , ó mundo , são tuas tristezas e dores ,
Teus prazeres , que levam a muitas tristezas , tuas desditas , que levam a maiores desditas ,
Incessante luta e fúteis vitórias .

Como o delicado botão , após padecer longo inverno , desabrocha e de fragrância o ar embalsama , para murchar antes de cair o sol , assim são tuas lutas , teus grandes feitos , e tua morte - 
- Uma roda de dor e de prazer , de nascimento e morte .

Assim como andei perdido entre as coisas transitórias , em busca daquela eterna Felicidade ,
Assim também tu , ó mundo , estás perdido na esfera do efêmero .
Desperta e reúne tuas forças , olha em torno e medita .

Aquela Felicidade imarcescível , felicidade que é a única Verdade , que é o fim de toda busca , de toda indagação e dúvida , que liberta do nascimento e da morte , felicidade que é a única lei , o único refúgio , a fonte de todas as coisas , que dá perene conforto , essa real Felicidade , que é Iluminação , em ti habita .

Tendo-me fortalecido , desejo dar desta felicidade .
Tendo alcançado o desapego afetuoso , desejo dar desta felicidade .
Tendo alcançado a tranquilidade apaixonada , desejo dar desta felicidade .
Tendo vencido a vida e a morte , desejo dar desta felicidade .

Larga , ó mundo , tuas vaidades e segue-me , pois sei o caminho que leva ao alto da montanha , sei o caminho que leva ao fim desta agitação e tormento .

Só existe uma Verdade , 
Uma Lei ,
Um Refúgio ,
Um Guia 
Para aquela eterna Felicidade .

Desperta , ergue-te ,
Medita e reúne tuas forças .
Texto : Krishnamurti 
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sexta-feira, 18 de outubro de 2013

" BUDISMO MAHAYANA "

LANKAVATARA SUTRA 


Naquela época , Mahamati , o Bodhisattva-Mahasattva pediu ao abençoado por mais explicação : Fale-me Abençoado , Tathagata , Iluminado , sobre o mérito e vício relativo à questão de comer carne ; para que deste modo eu e outros bodhisattvas do presente e do futuro possamos ensinar o Dharma a fim de fazer com que os seres abandonem seu ávido apego por carne , seres que sob a influência da energia do hábito relativo às existências carnívoras anseiam intensamente por comidas de carne . Esses comedores de carne , ao abandonarem esse desejo , irão buscar o Dharma e considerar todos os seres com amor , como se fossem seus filhos , e terão grande júbilo e compaixão pelos seres .
Desenvolvendo compaixão eles irão colocar a si mesmos , com disciplina , nos estágios para a senda dos bodhisattvas e se tornarão despertos em grande iluminação .
Abençoado , mesmo aqueles filósofos que mantém ideias errôneas e estão apegados às visões do Lokayata tais como o dualismo da existência e não-existência , o niilismo e o idealismo , mesmo eles irão proibir o consumo de carne e irão eles mesmos pararem de consumir . Ó Grande Instrutor , aquele que promove a misericórdia é um ser iluminado ; não há nada de ruim em impedir o consumo de carne , não só para si mesmo , mas para os outros também . Sim , deixe que O Abençoado , cujo coração está preenchido com amor pelo mundo todo , que considera todos os seres como seus filhos e que possui grande compaixão em conformidade com seus sentimentos bondosos , ensine-nos sobre o mérito e vício relativo ao consumo de carne , de modo que eu e os outros bodhisttvas possamos ensinar o Dharma O Iluminado respondeu : Escute então , Mahamati , e reflita bem ; Eu lhe direi . Certamente , ó iluminado . Respondeu Mahamati , o Bodhisattva-Mahasattva . E pôs-se a ouvir .
O Iluminado disse então a ele : Por inúmeras razões , Mahamati , o Bodhisattva , cuja natureza é compaixão , não deve comer nenhuma carne ; Explicarei : Mahamati , nessa longa jornada de renascimento , não há um ser que , tendo assumido a forma de um ser vivo , não tenha sido sua mãe , pai , irmão , irmã , filho ou filha , ou outro dos laços que unem ; ao renascer poderão adquirir a forma de animais , selvagens ou domésticos ; assim sendo , como pode um Bodhisattva-Mahasattva , que tenciona aproximar-se de todos os seres como se fossem ele mesmo e praticar as verdades ensinadas pelo Buda , comer a carne de seres vivos que possuem a mesma natureza que ele mesmo ? Mahamati , mesmo o Rakshasa que ouve os discursos do Tathagata sobre a elevada essência do Dharma alcança a percepção da necessidade de proteger o Dharma e ter compaixão ; até mesmo ele evita o consumo de carne . Então Mahamati , onde quer que haja evolução de seres vivos , que as pessoas divulguem com alegria o sentimento de equanimidade , e pensem que todos os seres vivos devem ser amados como filhos únicos , que todos deixem de comer carne ! A carne de um cachorro , jumento , búfalo , cavalo , homem ou qualquer outro ser , não é para ser comida . O Bodhisattva , portanto , não deve comer carne .
Pelo amor à pureza , Mahamati , o Bodhisattva deve evitar a carne , que nasce através de sêmen e sangue , etc . Por receio de causar sofrimento a outros seres , Mahamati , o Bodhisattva , que se dedica a atingir elevada compaixão , não deve comer carne . Para ilustrar : quando um cão vê à distância um caçador , cujo desejo é comer carne , ele se apavora e pensa ; eles são assassinos , irão me matar . Da mesma maneira , Mahamati , até mesmo os animais que vivem nos céus , na terra e na água , ao verem comedores de carne à distância , perceberão nos caçadores , por seu aguçado olfato , o desejo por carne , e fugirão de tais pessoas o mais rápido que puderem ; pois tais pessoas são para os animais a ameaça de morte . Por esta razão , Mahamati , que o Bodhisattva que se dedica ao caminho da iluminação , que busca ater-se à grande compaixão , deixa de comer carne , para não aterrorizar os seres vivos . Mahamati , a carne , morta por pessoas sem sabedoria , está cheia de um odor fétido e consumi-la traz má reputação , o que faz com que pessoas sábias se afastem ; o Bodhisattva não come carne . A comida dos sábios , Mahamati , é a mesma dos Rishis . Não consiste de carne e sangue . Portanto , Mahamati , o Bodhisattva não come carne .
A fim de proteger a mente de todas as pessoas , o Bodhisattva , cuja natureza é pura e santa e que não deseja que o ensinamento do Buda seja distorcido , abstém-se de carne . Pois , Mahamati , há pessoas que falam mal do ensinamento do Buda , elas dizem : Porque aqueles que dizem estar vivendo a vida de um Sramana ou um Brâmane rejeitam a comida consumida pelos Rishis e , como animais carnívoros vagam pelo mundo aterrorizando as criaturas , ignorando a vida que deve ser levada pelo Sramana e destruindo os votos do Brâmane ? Não há nenhum Dharma em suas mentes , nenhuma disciplina . Há muitas pessoas que por essa causa tornam-se mentalmente desfavoráveis aos ensinamentos do Buda . Por esta razão , Mahamati , a fim de proteger a mente das pessoas , o Bodhisattva , cuja natureza é cheia de misericórdia e que deseja evitar que o ensinamento do Buda seja distorcido , abstém-se de carne .
Mahamati , o odor fétido emitido por um cadáver é ofensivo . Que o Bodhisattva abstenha-se de carne . Quando carne é queimada , seja de um homem morto ou de outra criatura , não há distinção entre o odor . Qualquer tipo de carne , quando queimada , emite um odor igualmente nocivo . Portanto , Mahamati , que o Bodhisattva , que deseja a pureza em sua prática , abstenha-se totalmente do consumo de carne .
Mahamati , quando filhas da boa linhagem , desejando , exercitarem-se em várias disciplinas , tais como o desenvolvimento de um coração compassivo , o domínio de fórmulas mágicas , ou o conhecimento mágico perfeito , ou , ao engajarem-se em uma peregrinação pela senda Mahayana , retiram-se para lugares isolados , demônios se aproximarão delas se ainda comerem carne . Se , sentadas em poltronas ou assentos dedicados à prática , serão impedidas de desenvolver siddhis ou alcançar a libertação por causa do consumo de carne .
Até mesmo a visão de formas objetivas faz com que surja o desejo de provar seu sabor , que o Bodhisattava , cheio de piedade e considerando todos os seres como seus filhos , abstenha-se de carne completamente . Reconhecendo que sua boca tem cheiro extremamente fétido , mesmo estando vivo , o Bodhisattva , cuja natureza é piedade , abstém-se totalmente de comer carne .
O comedor de carne dorme mal e acorda perturbado . Ele sonha com acontecimentos terríveis . Ele vive sozinho em uma cabana vazia ; seu espírito é perseguido por demônios . Frequentemente ele é abatido pelo medo , ele treme , sem saber o porquê . Não há regularidade em sua dieta e ele nunca está satisfeito . Em seu comer , ele nunca sabe o que é o gosto próprio dos alimentos , a digestão e a nutrição . Suas vísceras estão entupidas com vermes e outras criaturas impuras por causa da carne . Ele já não se sente tão avesso a doenças . Se eu ensino que consideremos a comida como se estivéssemos comendo nossos próprios filhos ou tomando drogas , como poderia eu permitir que meus discípulos , Mahamati , alimentassem-se de carne e sangue , que são gratificantes aos tolos mas abomináveis aos sábios , que trazem muito mal e afastam muitos méritos ; que não são oferecidos aos Rishis e são inadequadas ?
Agora , Mahamati , a comida que eu permito que meus discípulos consumam agrada aos sábios e é evitada pelos ignorantes ; mantém a maldade afastada e é prescrita pelos antigos Rishis . Consiste de arroz , cevada , trigo , feijões , lentilha , óleos , mel , melado , frutas , etc ; comida preparada com estes ingredientes é a boa comida . Mahamati , pode haver pessoas irracionais no futuro que irão discriminar e estabelecer novas regras de disciplinas ética e que , sob a influência da energia de hábito pertencente às raças carnívoras , irão avidamente desejar o gosto da carne : não é para tais pessoas que a alimentação acima foi sugerida . Mahamati , esta é a comida que eu indico para os Bodhisattvas-Mahasattvas , que se dedicaram aos Budas , que germinaram sementes de bondade e têm confiança . Aqueles que são todos da família do Sakyamuni , filhos e filhas de boas famílias , que não têm apego ao corpo , à vida , às propriedades , que não cobiçam prazeres , não são gananciosos , que , sendo compassivos , desejam abarcar a todos os seres vivos e consideram a todos como eles mesmos , que têm afeto pelos seres como se fossem seus filhos [ . . . ] . . . [ . . . ]
Há muitos males em comer carne Mahamati , numerosos vícios são gerados nas mentes pervertidas daqueles que estão engajados no consumo de carne . Os ignorantes e de mente fraca não estão cientes de tudo isso , e dos deméritos ligados ao consumo de carne . Saiba , Mahamati , que conhecendo isto , o Bodhisattva , cuja natureza é piedade , abstém-se de carne .
Mahamati , se a carne não é consumida por ninguém por razão alguma , então não haverá mais destruição da vida . Na maioria dos casos o extermínio de seres inocentes é feito por motivos de orgulho e raramente por outras causas . Nada de bom pode ser dito sobre comer a carne de seres sencientes , e alguém contaminado pelo ávido desejo de carne pode chegar ao ponto de comer humana ! Mahamati , na maioria dos casos , armadilhas e outros dispositivos são colocadas em vários locais por pessoas que perderam a noção de seu apego pelo gosto da carne , e , assim , muitas vítimas inocentes são destruídas por causa do valor atribuído a elas . Há até mesmo aqueles , Mahamati , que são como Rakshasas de coração duro , e que costumam praticar crueldades . Aqueles que , sendo completamente sem compaixão , pensarão nos seres vivos como sendo destinados ao consumo e destruição ; nenhuma compaixão surgirá nesses .
Não é verdade que a carne é comida aceitável e permissível para o Sravaka quando a vítima não foi morta por este , quando este não pediu a outros que a matassem e quando não era especialmente destinada a ele . Novamente , Mahamati , haverá pessoas inconsequentes no futuro que se engajando no caminho ensinadas por mim e conhecidas como filhos de Sakya , pessoas que vestirão o manto Kashaya como um emblema , mas que serão em pensamento terrivelmente afetadas pelo Klesha das nações errôneas . Eles falarão sobre suas várias práticas de disciplina , apegados à visão de uma alma pessoal . Sob a influência do desejo pelo sabor da carne criarão argumentos sofistas para defender o consumo de carne . Pensarão que estarão permitindo que eu seja caluniado quando falam de fatos possíveis de interpretar de várias formas . Imaginando que este fato em particular seja possível interpretar , eles concluirão que o iluminado permite o consumo de carne , e que esta é mencionada entre os alimentos permitidos e que provavelmente o próprio Tathagata o consumiu . Mas , Mahamati , em lugar algum nos sutras o consumo de carne é permitido , nem referido como sendo próprio entre os alimentos sugeridos aos seguidores do Buda .
Se eu tivesse , Mahamati , uma mente que permitisse o consumo de carne , se eu dissesse que ela é própria para os Sravakas , eu não teria proibido o consumo de carne para estes iogues , filhos e filhas da boa linhagem . Desejando compartilhar a ideia de que todos os seres vivos são para eles como um filho único , esses iogues são compassivos , praticam a contemplação e uma vida ascética , eles seguem o caminho do Mahayana . Mahamati , este ensinamento de que não se deve comer carne é aqui dado a todos os filhos e filhas da boa linhagem , sejam eles ascetas das florestas ou iogues que praticam os exercícios , se eles desejam o Dharma e estão trilhando o caminho . Possuindo compaixão , consideram todos os seres como filhos , assim atingem a meta de sua disciplina .
Nos textos canônicos o processo de disciplina é desenvolvido em sequência ordenada , como uma escada em que se sobe passo a passo , degrau por degrau , cada um unido ao outro de maneira regular e metódica . Há uma proibição quanto à carne encontrada em animais já mortos . No presente sutra qualquer forma de consumo de carne , de qualquer maneira e em qualquer lugar , é incondicionalmente e uma vez por todas proibida a todos . Assim , Mahamati , eu não permito que ninguém coma carne , nem permitirei . Alimentar-se de carne , Mahamati , é impróprio para monges . Poderá haver alguns , Mahamati , que dirão que o Tathagata consumiu carne , eles o farão achando que isso irá caluniá-lo . Pessoas ignorantes como essas serão amaldiçoadas por seu próprio carma impeditivo , e cairão nas regiões onde longas noites se passam sem ganho nem alegria . Mahamati , os nobres Sravakas não consomem a comida das pessoas comuns , muito menos a comida que vem da carne e do sangue , que é de todo imprópria . Mahamati , o alimento próprio para meus Sravakas , Pratyekabuddhas e Bodhisattvas é o Dharma , e não a carne . O Tathagata é o Dharmakaya , Mahamati ; ele se atém ao Dharma como alimento ; seu corpo não é um corpo que se alimentou de carne ; ele não suporta nenhum alimento cárneo . Ele já se expurgou da energia-hábito de sede e desejo que mantém preso à existência ; ele mantém a má energia-hábito das paixões afastada ; ele é totalmente emancipado em mente e sabedoria ; ele é aquele que tudo sabe , que tudo vê ; ele considera a todos os seres com imparcialidade e como seus filhos ; ele é um grande coração compassivo . Mahamati , considerando que todos os seres são como um filho único , como posso eu permitir que os Sravakas comam a carne de seus próprios filhos ? Muito menos eu o faria ! Afirmar que eu permiti que os Sravakas , assim como eu mesmo , tomassem parte no hábito de comer carne , Mahamati , é algo totalmente sem fundamento . É dito : 

1. Licor , carne e cebola devem ser evitados pelos Bodhisattvas-Mahasattvas e por aqueles que são heróis da vitória .
2. A carne não agrada aos sábios : possui um odor fétido e nauseante , causa má reputação , é comida para os carnívoros ; Digo-lhe Mahamati , não deve ser consumida .
3. Àqueles que consomem carne há efeitos ruins , àqueles que não a consomem , méritos ; Mahamati , você deve saber que os comedores de carne trazem para si mau carma .
4. Que o iogue deixe de comer carne , já que a carne também cresce nele e o ato de comê-la é uma transgressão , já que a carne é produzida por sêmen e sangue e o ato de matar os animais aterroriza os seres .
5. Que o iogue sempre deixe de comer carne , cebola e os vários tipos de licor e alho .
6. Não unte seu corpo com olho de gergelim ; não durma em uma cama cheia de espinhos ; os seres que vivem em cavidades e fora delas ficarão terrivelmente assustados .
7. Do comer carne surge arrogância , da arrogância surge uma noção errônea , e dela a ganância ; por esta razão deixe de comer carne .
8. Da imaginação surge a ganância , e com a ganância a mente fica estupefata ; surge apego à estupefação e assim não há libertação do nascimento e morte .
9. Por causa de lucro seres sencientes são destruídos , pela carne é dado dinheiro , isto é uma ação errônea e a ação irá maturar nos infernos .
10. Aquele que come carne , ignorando as palavras do Muni , tem uma mente maldosa ; ele é apontado nos ensinamentos do Sakya como o destruidor do bem-estar dos dois mundos .
11. Esses causadores de mal irão para os mais terríveis infernos ; comedores de carne serão jogados em horríveis infernos , tais como o Raurava , etc . . . 
12. Não há carne que possa ser considerada pura , seja ela não permitida , não pedida e não impedida . Portanto , deixe de comer carne .
13. Que o iogue não coma carne , é proibido por mim assim como pelos Budas ; Seres que se alimentam uns dos outros renascerão entre os animais carnívoros .
14. Aquele que come carne cheira mal , é desdenhoso e privado de inteligência ; ele nascerá novamente nas famílias de Candala , Pukkasa e Domba .
15. O consumo de carne é rejeitado por mim em sutras como o Hastikakshya , o Mahamegha , o Nirvana , o Anglimalika e este , o Lankavatara .
16. O consumo de carne é condenado pelos Budas , Bodhisattvas e Sravakas ; se alguém devora a carne sem sentir-se envergonhado , para sempre esta pessoa será insensata .
17. Aquele que evita a carne , etc , nascerá , por causa disso , na família dos Brâmanes , dos Iogues , dotados com conhecimento e bem-estar .
18. Que a pessoa evite todo tipo de consumo de carne , ignorando o que outros possam dizer ; esses teóricos que nasceram em famílias carnívoras não entendem nada .
19. Assim como a ganância é um impedimento para a libertação ; da mesma forma , consumir carne , licor , etc , também são impedimentos .
20. Poderá haver uma época em que as pessoas passem a fazer tolas afirmações sobre o consumo de carne , dizendo : A carne é própria para se comer e permitida pelo Buda .
21. Comer carne é uma medicina ; novamente , lembre que é a carne de uma criança ; siga as medidas corretas e seja avesso à carne .
22. O consumo de carne é proibido por mim em todo lugar e em todos os tempos para aqueles que estão procurando desenvolver a compaixão ; aquele que come carne renascerá como um leão , tigre , lobo , etc .
23. Portanto , não coma carne , tal ato causara terror entre as pessoas , pois impede que surja a verdade da libertação ; deixar de comer carne este é o ensinamento dos Sábios . Aqui termina o oitavo capítulo , sobre o consumo de carne do Sutra Lankavatara , a essência do ensinamento de todos os Budas .

The Lankavatara Sutra - A Mahayana Text 
Tradução Aláya Dullius de Souza 
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sábado, 5 de outubro de 2013

SOBRE A MENTE E O PENSAMENTO

Diálogo com o prof. David Bohm em Brockwood Park , em 14 de Setembro de 1980 .


Krishnamurti : Bem , a pergunta então é : Existirá algo situado além deste caos , algo que não tenha sido jamais tocado pelo pensamento humano , pela mente ?
David Bhm : Sim , é um ponto difícil ; não tocado pela mente humana , mas a mente poderia ir além do pensamento .
K : Isso é o que eu quero descobrir .
DB : Então o que o senhor quer dizer - por mente o senhor entende apenas o pensamento , o sentimento , o desejo , a vontade , ou muito mais ?
K : Não , para nós , até agora , a mente humana , é isto .
DB : A mente agora é considerada como algo limitado .
K : Enquanto a mente humana permanecer presa a isso , continuará limitada .
DB : Sim , mas a mente humana tem potencial .
K : Um grande potencial .
DB : O que no momento ela não percebe , mantendo-se presa ao pensamento , ao sentimento , ao desejo , à vontade , etc .
K : Concordo .
DB : Podemos então afirmar que tudo o que se encontra além disso não é tocado por essa espécie limitada de mente . Agora , o que queremos dizer quando falamos na mente que está além desse limite ?
K : Antes de mais nada , senhor , existe essa mente ?
DB : Sim , esta é a primeira questão .
K : Existirá uma mente que , de uma forma real , não de uma forma teórica ou romântica , e todas as tolices semelhantes , tenha mesmo dito : " Eu passei por tudo isto ? " 
DB : O senhor quer dizer , por todo este material limitado .
K : Sim . E ter passado por isso quer dizer ter posto um fim a isso . Existe uma mente assim ? Ou será que , por que ela pensa que acabou com isso , ela cria a ilusão de que há algo mais ? Não vou aceitar isso . Como um ser humano , uma pessoa , ou " X " , afirma : " Compreendi isso , enxerguei a limitação que há nisso , vivi isso , e cheguei ao fim de tudo isso . " E essa mente , tendo chegado ao fim disso , não é mais a mente limitada . E haverá uma mente que seja totalmente ilimitada ?
DB : Sim , e isso levanta outra questão : como pode o cérebro ser capaz de entrar em contato com uma mente assim ? Qual a relação entre essa mente ilimitada e o cérebro ? 
K : Vou chegar lá . Em primeiro lugar , quero deixar claro este ponto - será bastante interessante , se o examinarmos . Essa mente , o seu todo , toda a natureza e estrutura da mente , inclusive as emoções , o cérebro , as reações , as resposta físicas , têm vivido em um turbilhão , no caos , na solidão , e compreendeu , fez uma grande descoberta acerca de tudo isso . E o fato de ter feito essa grande descoberta iluminou o campo . Essa mente não é mais aquela mente .
DB : Sim : não é mais a mente original e limitada com que começou .
K : Sim , não é mais a mente limitada , a mente danificada . Vamos usar a palavra danificada DB : Mente danificada , e também cérebro danificado - o trabalho da mente danificou o cérebro .
K : Sim , perfeito . Mente danificada significa emoções danificadas , cérebro danificado .
DB : As próprias células não estão em perfeita ordem .
K : Correto . Mas quando ocorre a descoberta e , portanto , a ordem , esse dano se desfaz . Não sei se concorda .
DB : Sim , pode-se ver , pelo raciocínio , que isto é bastante possível , porque se pode afirmar que o dano é causado por pensamentos e sentimentos desordenados que sobreexcitam as células e as desintegram . E agora , com a descoberta , isso cessa e tem início um novo processo .
K : Sim , é como uma pessoa que caminha durante cinquenta anos numa direção e que , de repente , descobre que aquela não é a direção certa , e todo o cérebro muda .
DB : Ele muda na essência e , então , a estrutura errada é desmanchada e curada . Como o senhor disse , isso pode levar tempo .
K : É verdade .
DB : Mas a descoberta . . .
K : . . . é o fator que irá mudá-lo .
DB : Sim , e a descoberta não leva tempo , mas indica que houve uma mudança na origem de todo o processo .
K : É verdade . Aquela mente , a mente limitada , com toda a sua consciência e conteúdo , afirma que esse papel terminou . Mas , se tiver mesmo ocorrido que aquela mente limitada , pelo fato de ter feito uma descoberta acerca da limitação , ultrapassou esses limites , não será , na verdade , este acontecimento algo de incrível poder revolucionário ? Concorda ? Logo , não é mais a mente humana . Desculpe-me por essa palavra .
DB : Bem , acho que temos de esclarecer isso : o que entendemos por mente humana .
K : A mente humana com a sua consciência limitada .
DB : Sim , consciência limitada que é condicionada , e não livre .
K : Isso terminou .
DB : Sim , de modo que tudo isso se passou com a consciência geral , isto é , não se restringe a indivíduos , mas ocorreu por toda parte .
K : Sim , é claro , não falo de um indivíduo ; isso seria uma grande tolice .
DB : Sim , mas acredito que discutimos isso , que o indivíduo é o resultado da consciência geral , é mais um resultado em particular do que algo independente . O senhor sabe , essa é uma das dificuldades .
K : Sim , é uma das confusões .
DB : A confusão é que tomamos a mente individual como sendo a realidade concreta . Já discutimos antes a necessidade de considerar a mente geral como sendo a realidade da qual se forma a mente individual .
K : Sim , isso é muito claro .
DB : Mas agora o senhor declara que ultrapassamos até mesmo a mente geral ; e o que significa isso ?
K : Sim , ultrapassamos a mente geral e a particular .
DB : E a mente particular .
K : Bem , mas se alguém na verdade a tiver ultrapassado então , o que é a mente ?
DB : Sim , e o que é a pessoa , o que é o ser humano ? Certo ?
K : O que é um ser humano ? E qual é a relação entre essa mente , que não é feita pelo homem , e a mente feita pelo homem ? Não sei se fui claro .
DB : Bem , já concordamos em chamar isso de mente universal , ou o senhor prefere não fazê-lo ?
K : Não gosto da expressão mente universal ; inúmeras pessoas já a utilizaram . Vamos usar palavras mais simples .
DB : Bem , é a mente que não foi feita pelo homem .
K : Acho que isso é mais simples ; vamos manter assim , uma mente que não foi feita pelo homem .
DB : Nem individualmente nem em geral .
K : Geral ou individualmente , ela não é feita pelo homem . Mas , senhor , eu lhe pergunto , pode alguém na verdade observar , em profundidade , sem nenhum tipo de preconceito , ou algo parecido ? Será que existe uma mente assim ? Compreende o que estou tentando dizer?
DB : Sim , vejamos o que significa observar . Acho que temos aqui alguns problemas de linguagem , porque , veja , dizemos que é preciso observar , e coisas desse tipo , ao passo que . . .
K : Eu observo isto , eu observo .
DB : Quem observa ? O senhor vê , este é um dos problemas que surgem .
K : Já abordamos isso . Não existe divisão na observação . Não existe o eu que observa ; existe apenas a observação .
DB : A observação acontece .
K : Sim .
DB : O senhor diria que ela ocorre num cérebro particular , por exemplo , ou que um cérebro particular toma parte na observação ?
K : Percebo a armadilha que há nisso . Não , senhor , ela não ocorre em um cérebro particular 
DB : Sim , mas parece que um cérebro particular pode responder .
K : É claro , mas não é o cérebro de Krishnamurti .
DB : Não , não quero dizer isso . O que quero dizer com as palavras cérebro particular é que , devido às particularidades da localização de determinado ser humano no espaço e no tempo , ou qualquer que seja a sua forma , mesmo sem lhe dar um nome , podemos afirmar que ele se distingue de qualquer outro que pudesse estar ali .
K : Veja , senhor , vamos deixar bem claro este ponto . Vivemos em um mundo feito pelo homem ; a mente foi feita pelo homem ; nós somos o resultado de mentes feitas pelo homem , bem como nossos cérebros , com todas as suas respostas e tudo o mais .
DB : Bem , o cérebro , propriamente dito , não é feito pelo homem , mas foi condicionado , pelo condicionamento feito pelo homem .
K : Condicionado pelo homem ; certo , é isto que quero dizer . Agora , pode esta mente descondicionar-se de forma tão completa que chega ao ponto de não ser mais feita pelo homem ? Eis a questão - vamos mantê-la neste nível simples . Pode esta mente , mente feita pelo homem - tal como é agora - pode ela ir até este ponto , libertar-se por si mesma de si mesma , e de forma tão completa ?
DB : Sim , é claro , trata-se de uma afirmação um tanto paradoxal .
K : Exato . Paradoxal , mas é real , é assim . Vamos começar de novo . É possível observar que a consciência da humanidade é o seu conteúdo . E seu conteúdo é todo ele de coisas feitas pelo homem - ansiedade , medo , e tudo o mais . E isto não é apenas particular ; isso ocorre em geral . E , tendo feito uma descoberta acerca disso , ela se livrou desse conteúdo .
DB : Isso significa que , potencialmente , a consciência da humanidade sempre foi maior do que isso e que a descoberta permitiu que ela se liberasse disso . Foi esta a sua afirmação ? 
K : Esta descoberta - eu não diria que é potencial .
DB : Bem , há uma certa dificuldade de linguagem . Se o senhor diz que o cérebro , ou a mente , fez uma descoberta acerca do seu próprio condicionamento , então o senhor praticamente afirma que ela se transformou , que não é mais a mesma .
K : Sim , eu afirmo isso ; afirmo . A descoberta transforma a mente feita pelo homem .
DB : Certo . E então ela deixa de ser a mente feita pelo homem .
K : Não é mais a mente feita pelo homem . Fazer essa descoberta significa varrer todo o conteúdo da consciência . Correto ? Não um pedaço de cada vez , mas a totalidade dele . E a descoberta não é resultado do esforço do homem .
DB : Sim ; mas então surge outra questão : de onde vem essa descoberta ?
K : Perfeito . De onde ela vem ? Sim , do próprio cérebro , da própria mente .
DB : De qual : do cérebro ou da mente ?
K : Da mente ; refiro-me à totalidade dela . Espere um minuto , senhor . Vamos devagar - isto é muito interessante , mas vamos devagar . A consciência , geral e particular , é feita pelo homem . E , através da lógica e da razão , podemos ver as limitações . A mente , então , terá avançado muito . E , então , ela chega a um ponto em que diz " Tudo isto pode ser varrido de uma só vez , de um só golpe , com um movimento ? " E esse movimento é a descoberta , o movimento da descoberta . Está ainda na mente . Mas não é mais fruto daquela consciência . Não sei se me faço entender .
DB : Sim . Então o senhor afirma que a mente tem a possibilidade , o potencial de ir além da consciência .
K : Sim .
DB : Mas nós , na verdade , não achamos isso importante .
K : É claro . Este tem de ser um papel do cérebro , um papel da mente .
DB : O cérebro , a mente pode fazer isso , mas em geral não o tem feito .
K : Sim . Mas agora , tendo feito isso , existirá uma mente que não seja feita pelo homem , que o homem não pode conceber , não pode criar , e que não é uma ilusão ? Existe uma mente assim ? Não sei se fui claro .
DB : Bem , acho que o que o senhor está dizendo é que , tendo-se libertado , a mente . . .
K : Do geral e do particular . . .
DB : . . . se libertou da estrutura geral e particular da consciência da humanidade , de seus limites , e a mente agora está muito maior . Agora o senhor diz que a mente levanta uma questão .
K : Sim , a mente levanta uma questão .
DB : Qual é ?
K : Em primeiro lugar , estará essa mente livre da mente feita pelo homem ? 
Eis a primeira questão .
DB : Isso pode ser uma ilusão .
K : Ilusão - é a isso que quero chegar ; precisamos ser muito claros . Não , não se trata de uma ilusão , porque ela enxerga a mensuração como ilusão ; ela conhece a natureza das ilusões e sabe que onde há desejo deve haver ilusões . E que as ilusões devem criar limitação , e assim por diante . Ela não só compreendeu ; ela já ultrapassou isso .
DB : Ela se libertou do desejo .
K : Está livre do desejo . Essa é a natureza . Eu não quero afirmar isso de forma tão brutal . Livre do desejo .
DB : Mas está repleta de energia .
K : Sim , e então essa mente , que não é mais geral ou particular e , portanto , não é mais limitada - a limitação foi quebrada com a descoberta - não é mais a mente condicionada . Então , o que é esta mente ? Estando consciente de que ela não continua mais presa a uma ilusão .
DB : Sim , mas , segundo o senhor , ela perguntava se existe ou não algo muito maior .
K : Sim , e é por isso que eu faço essa pergunta .
DB : O que quer que aquilo possa ser .
K : Sim . Existirá uma mente que não seja feita pelo homem ? E , se existir , qual a sua relação com a mente feita pelo homem ? Isso é muito difícil .
O senhor vê , todo tipo de afirmação , todo tipo de declaração verbal não pode ser a mente não feita pelo homem certo ? Daí perguntamos se existe uma mente que não seja feita pelo homem . E acredito que só há sentido em se fazer esta pergunta quando a outra mente , quando as limitações estiverem varridas ; caso contrário , seria apenas uma pergunta tola .
DB : Dá no mesmo . . .
K : Seria uma perda de tempo . Quero dizer : isso se tornaria teórico , sem sentido .
DB : Seria parte da estrutura feita pelo homem .
K : Claro , claro . Então precisamos estar absolutamente , a pessoa deve estar . . . 
DB : Eu acho que a palavra absoluto só pode ser usada nesse contexto se tivermos bastante cuidado .
K : Muito cuidado , sim . Absolutamente livre de tudo isso . Só então o senhor pode fazer essa pergunta : existirá uma mente não feita pelo homem e , se existir , qual a sua relação com a mente feita pelo homem ?
Bem , mas , em primeiro lugar , existe uma mente assim ? É claro que existe . É claro , senhor . Sem ser dogmático ou pessoal , afirmo que existe .
Mas não é Deus .
DB : Certo , bom .
K : Porque Deus - já falamos a respeito .
DB : É parte da estrutura feita pelo homem .
K : Que produziu o caos no mundo . Então , ela existe . A próxima pergunta , portanto , é : se existe essa mente , e alguém afirma que existe , qual a relação dela com a mente feita pelo homem ?
DB : Sim , a geral .
K : A particular e a geral . Haverá alguma conexão aí ?
DB : Bem , trata-se de uma questão difícil ; poderíamos dizer que a mente feita pelo homem vive permeada de ilusão ; a maior parte do seu conteúdo não é real .
K : Não , e isso é real .
DB : Verdadeira , ou o que quer que seja .
K : Usaremos a palavra real no sentido de verdadeira , isto é , mensurável , confusa - terá esta alguma relação com aquela ? É evidente que não .
DB : Bem , eu diria que tem uma relação superficial , no sentido de que a mente feita pelo homem tem algum conteúdo verdadeiro num certo nível , num nível técnico , digamos , o sistema da televisão , e assim por diante .
K : Bem . . . 
DB : Nesse sentido poderia haver uma relação nesta área ; mas , como o senhor dizia , esta é uma área bastante pequena . Porém , fundamentalmente . . . 
K : A mente feita pelo homem não tem relação com a mente não feita pelo homem ; mas aquela [ a mente não feita pelo homem ] tem uma relação com esta [ a mente feita pelo homem ] .
DB : Sim , mas não com as ilusões da mente feita pelo homem .
K : Espere um pouco , vamos ser claros : minha mente é a mente feita pelo homem . Ela tem ilusões , desejos e tudo o mais . E existe aquela outra mente que não tem , que está além de todas as limitações . Essa mente ilusória , a mente feita pelo homem , está sempre buscando a mente não feita pelo homem .
DB : Sim , este é o seu principal problema .
K : Este é o seu principal problema . É medir , é avançar , chegar mais perto , mais , e todo o resto . E essa mente , a mente feita pelo homem , está sempre em busca da mente não feita pelo homem , e , portanto , cria mais e mais logros , confusão . Esta mente feita pelo homem não tem relação com a mente não feita pelo homem .
DB : Sim , porque qualquer tentativa de alcançar a mente não feita pelo homem é uma fonte de ilusão .
K : Claro , claro , evidente . Bem , mas terá a mente não feita pelo homem alguma relação com a mente feita pelo homem ?
DB : Bem , o que eu estava sugerindo é que deve haver uma relação pois , se tomarmos todas as ilusões que se encontram na mente feita pelo homem , tais como os desejos , o medo , e assim por diante , a mente feita pelo homem não tem nenhuma relação com a mente não feita pelo homem porque , de qualquer forma , essas ilusões são invenções .
K : Sim , está entendido .
DB : Mas a mente não foi feita pelo pode ter uma relação com a mente feita pelo homem na compreensão de sua verdadeira estrutura .
K : Está dizendo , senhor , que a mente não foi feita pelo homem tem uma relação com a mente humana no momento em que supera suas limitações ?
DB : Sim , ao compreender essas limitações , ela as supera .
K : Sim , ela as supera . Então , existe uma relação .
DB : Então ela tem uma relação genuína com aquilo que a mente limitada é de fato , não com as ilusões do que ela pensa que é .
K : Vamos ser mais claros .
DB : Bem , precisamos usar as palavras com exatidão - a mente que não é limitada , certo , a mente que não é feita pelo homem , não pode ter relação com as ilusões que se encontram na mente feita pelo homem .
K : Perfeito . Concordo .
DB : Mas ela tem que ter uma relação com a fonte , por assim dizer , com a verdadeira natureza da mente feita pelo homem , que está por trás da ilusão .
K : Ou seja , em que se baseia a mente feita pelo homem ?
DB : Bem , em tudo isso sobre o que falamos .
K : Sim , que é a sua natureza . Portanto , como pode a mente não feita pelo homem ter um relacionamento com a mente feita pelo homem , mesmo em termos básicos ?
DB : A única relação consiste em compreendê-la , de maneira que alguma comunicação se torne possível , o que poderia terminar em . . . poderia comunicar-se para a outra pessoa . . .
K : Não , eu estou questionando isso .
DB : Mas o senhor disse que a mente que não é feita pelo homem pode se relacionar com a mente limitada , e não o inverso .
K : Eu questiono até mesmo isso .
DB : Isso pode ou não ser assim , isso é o que o senhor está dizendo ao questioná-lo .
K : Sim , eu questiono isso .
DB : Muito bem .
K : Qual é então a relação entre o amor e o ciúme ? Existe alguma ?
DB : Não com o ciúme , propriamente , que é uma ilusão , mas pode haver com o ser humano ciumento .
K : Não , estou considerando o amor e o ódio - duas palavras ; amor e ódio ; ódio e amor não têm relação alguma um com o outro .
DB : Não , na verdade não .
K : Nenhuma , nenhuma mesmo .
DB : Eu acho que o amor é capaz de compreender a origem do ódio .
K : Ah , poderia - sem dúvida , poderia .
DB : Nesse sentido , eu acho que pode haver alguma relação .
K : Percebo , compreendo . O senhor afirma que o amor pode compreender a origem do ódio , como surge o ódio , e tudo o mais . Será que o amor compreende isso ?
DB : Bem , eu acho que , num certo sentido , ele compreende a sua origem na mente feita pelo homem , que tendo enxergado a mente feita pelo homem e toda a sua estrutura , e tendo se afastado dela . . . 
K : Estamos dizendo , senhor , que o amor - usaremos esta palavra por enquanto - que o amor tem uma relação com o não-amor ?
DB : Apenas no sentido de dissolvê-lo .
K : Não tenho certeza , não tenho certeza ; precisamos ter muito cuidado aqui . Ou será ele o fim do próprio ódio . . . ?
DB : Não entendi .
K : O fim do ódio ; o outro existe ; o outro não tem relação com a compreensão do ódio .
DB : Sim , bem , precisamos então perguntar como ele começa .
K : Isso é muito simples .
DB : Não , mas eu quero dizer : suponhamos que tenhamos ódio .
K : Eu tenho ódio . Suponha que eu tenho ódio . Posso ver a sua origem .
Porque você me ofendeu .
DB : Bem , esta é uma noção superficial da origem ; refiro-me à origem mais profunda , ou seja , o que leva alguém a se comportar de modo tão irracional .
Veja , não há nada real - se você apenas diz " você me ofendeu " , pergunto : por que o senhor responderia ao insulto ?
K : Porque todo o meu condicionamento é nesse sentido .
DB : Sim , é isso o que entendo por compreensão da origem . . . 
K : Compreendo isso , mas será que o amor me ajuda a compreender a origem do ódio ?
DB : Não , mas eu acho que alguém tomado de ódio , ao compreender sua origem e ultrapassá-la . . .
K : . . . aí , então , o outro existe . O outro não pode ajudar este movimento de afastamento .
DB : Não , mas a pergunta é : suponha que uma pessoa , se o senhor prefere assim , tem esse amor e o outro não o tem , pode o primeiro comunicar algo que irá dar início ao movimento do segundo ?
K : Isso significa : A pode influenciar B ?
DB : Influenciar não , mas talvez pudesse provocar uma pergunta do tipo , por exemplo : por que falar disso ?
K : Isso é outra coisa - o problema é outro . Não , senhor ; a questão é : poderá o ódio ser dispersado pelo amor ?
DB : Não , não é isso , não .
K : Ou será que , havendo a compreensão do ódio e o fim dele , o outro existe ?
DB : Certo , mas , se dissermos que em A o amor agora está presente - certo ? A alcançou aquela mente .
K : Sim .
DB : A ama , e ele vê B . . .
K : B atingiu o outro .
DB : Bem , mas dizíamos , o que ele irá fazer , percebe ? Essa é a questão .
K : Qual a relação entre os dois ?
DB : É a mesma pergunta .
K : Sim , a mesma pergunta .
DB : O que ele irá fazer é uma outra forma de fazer a pergunta .
K : Eu acho que - espere um momento , senhor . Eu tenho ódio , o outro tem amor . Minha mulher ama e eu odeio . Ela pode falar comigo , pode me mostrar isso , a irracionalidade disso , e assim por diante , mas o amor dela não irá modificar a fonte do meu ódio .
DB : Está muito claro , sim , mas o amor dela é a energia que está por trás do diálogo .
K : Por trás do diálogo , sim .
DB : Não é como se o próprio amor aparecesse por ali e dissolvesse o ódio .
K : É claro que não - esta é uma afirmação romântica . Então o homem que odeia e tem uma idéia clara acerca da origem desse ódio , acerca da causa disso , do seu movimento , e acaba com ele , tem o outro .
DB : Sim , eu acho que podemos dizer que A é o homem que enxergou tudo isso e que agora tem energia para passar isso para B - mas depende só de B o que venha a acontecer .
K : É claro . Eu acho que deveríamos explorar mais este assunto .
Texto : ( do livro SOBRE A MENTE E O PENSAMENTO pags. 83 a 98 ) KRISHNAMURT
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