domingo, 2 de novembro de 2014

" A DOMA DO TOURO "

Os Dez Quadros de Iluminação Através do Zen

1 - Introdução 

Uma das mais significativas e pictóricas interpretações da Mente Búdica e das diferentes etapas que precedem seu brusco despertar , é encontrada numa série de gravuras executadas por um pintor - calígrafo chinês , há vários séculos .
É verdade que a ideia original não lhe pertence . Parece haver existido precursores , que aplicaram o mesmo tema com finalidade idêntica . Porém , nesse caso , aliás como sempre , a retomada de um ponto focal de ensinamento , de uma concepção artística genial , de um " achado " valioso não significa necessariamente plágio ou cópia servil . Trata-se de um enfoque diferente de algo tão importante e tão representativo do sentir e do pensar humano , que são inesgotáveis e diversificadíssimas suas formas de expressão .
As variáveis de autor para autor ainda mais lhe realçam o valor , ajuntando mais vida ao tema retomado .
Já Racine , referindo-se ao aproveitamento temático das tragédias sofoclianas feito pelos clássicos renascentistas , dizia que os gregos já haviam teatralizado toda a imensa gama de paixões humanas . A seus pósteros , Racine inclusive , só resta revestir o mesmo assunto de uma nova roupagem mais de acordo com a atualidade do momento histórico em que o novo autor vive e age .
Da criatividade do reformulador depende ; é claro , fazer de um assunto antigo , talvez desgastado por usos menos brilhantes , uma obra-prima que , sem de leve empanar o brilho das originais , torna ainda mais viva e eloquente a ideia-fonte .
As tragédias de Racine nada ficam a dever às escritas pelos gregos , cujos personagens e enredos ainda inspiram autores modernos mais ou menos hábeis na difícil arte de transpor , para o teatro do final do segundo milênio , os temas tão bem urdidos pelos clássicos .
Assim também tem acontecido com os famosos quadros do Touro Selvagem . A eterna atualidade do tema , sua profunda significação humana , somente captável através de estímulos intelectivos , capazes de revolucionar conceitos e conhecimentos arraigados há milênios , fascinam o homem tecnológico e prosseguirão atraindo a imaginação criativa de autores excelsos ou medíocres .
Sentimos o mesmo impulso , experimentado por tantos contemporâneos , de também apresentar uma versão do universal texto . O fundo permanecerá inalterado , a forma modernar-se-á , ocidentalizando-se nos pobres versos de sabor tupiniquim , ilustrados por imagens diferentes das primitivas , pois as desconhecemos ou delas não nos recordamos suficientemente , para reproduzi-las com fidelidade .
Há em nós uma vaga reminiscência perdida num passado longínquo . Vimos , não sabemos onde , nem como , nem por que , uma série de antigas gravuras japonesas com textos aparentemente curtíssimos , pintados sobre cetim amarelecido pelo tempo .
Vimo-las mesmo , ou trata-se apenas de uma armadilha da memória ? Talvez seja assim ; uma falsa recordação de algo que objetiva , intuitiva ou mediunicamente tenhamos contemplado um curto instante , mas que se gravou indelevelmente em nossa memória física ou não .
Dissemos de forma indelével porque , no primeiro momento em que nos deparamos com alusões , fragmentos poéticos ou reproduções modernas dos Quadros , instantaneamente os identificamos como um " haver " nosso , reencontrado , ressurgido , não o objeto de um primeiro contato .
O fascínio , experimentado nos momentos da redescoberta , ainda perdura . Quanto mais nos é dado estabelecer interligações novas e mais esclarecedoras , maior é nossa afinidade com este símbolo tangível do transcendente eclodir da iluminação humana .
Estabelecida a comunicação dos motivos determinantes da confecção do presente estudo , só nos cabe iniciar os comentários didáticos sobre o que nos dado entender por " Doma do Touro Selvagem " .


2 - Histórico e Significado 


Há entre os autores que nos servem de fonte de consulta , uma enorme discrepância sobre a origem e a data do nascimento do mais significativo intérprete do Dez Quadros ; o pintor-calígrafo que acrescentou as duas pinturas finais à anterior série de oito habitualmente apresentada por seus inúmeros antecessores .
A série provém da China e já visava ao mesmo propósito retomado por todas as interpretações posteriores , inclusive as mais recentes que nada mais acrescentaram aos Dez Quadros .
O que se observa apenas é um toque mais ou menos pessoal em relação ao desenho , ou uma adaptação também mais ou menos livre dos poemetos originais no sentido de traduzi-los para idiomas diferentes , mantendo o quanto possível o conteúdo semântico oriental . Assim o exige evidentemente o contexto , pois ele apresenta um cunho filosófico-religioso , apesar de tal adjetivação ser repelida pela fonte zen-budista donde os versos provêm .
Mas , em termos ocidentais , parece-nos ser o modo mais apropriado para dar uma ideia geral do sentido profundo implícito no conjunto texto-gravuras .
A série decimal é atribuída ao monge Kakuan Shien , que viveu na China no século XII , fazendo parte , portanto , da plêiade de pintores zen da dinastia Sung ( 959-1279 ) . Pertencendo ou sendo descendente espiritual dos paisagistas Sung , o certo é que os quadros obedecem ao mesmo despojamento característico das pinturas Zen .
O equilíbrio da forma com o preconcebido espaço vazio , que parece fazer parte integrante da pintura e jamais um fundo deixado ainda para ser pintado , leva o artista a preencher somente uma pequena porção da tela , transmitindo , não obstante , intensa vida a toda a área pintada ou não .
É o " pintar através do não pintar " , o " tanger do alaúde sem cordas " tão comunicativa , que prescinde de quaisquer comentários intelectuais , ou excesso de detalhes perturbadores do impacto estético e da mensagem Zen implícita na obra de arte .
A figura é intimamente ligada com seu espaço em branco , provocando a sensação do " Maravilhoso Vazio " , donde todo e qualquer acontecimento vital jorra espontaneamente .
trata-se de um domínio integral do pincel , a técnica do denominado estilo " zenga " . As pinceladas potentes , espontâneas , rápidas sugerem , em seus traços , uma vitalidade expressiva , isenta de tateios , hesitações ou inibições . Tais contornos exuberantes provocam , no espectador , a sensação estranha de que o desenho mantém seu movimento mesmo após o término do ato de pintar .
É uma espécie de " obra aberta " , não no sentido usual de provocar e estimular uma interpretação individualista , subjetiva mas sim um choque suficientemente forte para abalar as concepções estético-filosóficas do contemplador interessado ou inadvertido .
O oitavo quadro é nitidamente característico do estilo zanga de caracteres chineses , vigente ainda entre os adeptos do Zen .
A presença do círculo isolado é a prova cabal . A ausência de simetria , a evidente despreocupação em traçar formas geométricas e regulares produzem um círculo solitário , levemente excêntrico , numa fuga propositada à rigidez formal . Tal figura é , porém tão cheia de vida e energia , que se mostra aos olhares do espectador como é um si mesma e como deve expressar a " verdadeira talidade " , espontânea e natural , jamais ordenada , regular mensurável , geométrica .
Pintura e poema , compostos simultaneamente em estilo caligráfico de pintura , são realizados com a tradicional tinta negra da China sobre papel ou seda com o auxílio de um pincel de ponta fina montado num cabo de bambu .
O toque do pincel , leve e fluído , permite à tinta que apresenta um número imenso de qualidades e " cores " de preto , escorrer com tal regularidade sobre o material , que o movimento de mão e do braço sugere evoluções de uma dança descontraída , não um mero ato de escrita ou desenho . Jamais uma interpretação posterior poderia exprimir a totalidade do estado interior de Hakuan em seu crucial momento criativo . Tudo o que se pode fazer é tentar projetar um vislumbre do momento vivo de participação em que mundo novo surgiu da contemplação da série por ele idealizada , momento em que se tornou possível captar , no conjunto pintura-poema , o conteúdo espiritual nele habilmente subentendido .
As referências à iluminação Zen , a seus princípios brotam não do dito verbal ou da ilustração pictórica , mas do " espaço vazio " destinado a provocar um silêncio da mente , no qual não há possibilidade de " pensar sobre " algo estranho e misterioso , mas de senti-lo no mais recôndito do ser .
É experimentada a visão interior evocadora do que é sugerido , não dito em palavras , acontecido por " si próprio " . É a espontaneidade do desabrochar natural dos estados de consciência propícios ao autoconhecimento e sua posterior autoconfirmação .
É , em outras palavras , a visão do mundo em sua totalidade ( tal como é ) , sem comentários , sem verbalizações , sem filosofar ; o " sono-mana " dos japoneses .
" Assim mesmo " deve ser o resultado da silenciosa e atenta contemplação dos Dez Quadros . O apascentar do Touro deve emergir tão natural como a semente do solo fecundo , um trabalho da Natureza , uma maturação despojada de artifícios , de propósitos , sem vitória a ser arquitetada , alvo a ser atingido , mente a ser domada .
Consciência superficial e " Mente Original " são uma e inseparável coisa , pois a primeira nada mais é que " uma atividade especializada da outra " , um instrumento a ser manejado , uma alavanca para levantar o Cosmos .
A consciência superficial pode acordar para o eterno agora da iluminação tão espontaneamente como olhos abertos absorvem , por si próprios , sem necessidade de " tentar ver " , todos os detalhes que podem ser vistos num objeto qualquer , quando a luz é favorável ao ato normal para quem tem o sentido da visão em boas condições .
Cônscio de ser o próprio processo de sua auto-realização , o aspirante-aprendiz , jardineiro de seu jardim , domador de seu Touro , fator de sua iluminação não pára de podar , aparar , arrancar ervas , encaminhar suas plantas , mas o faz dentro do espírito de " ser o próprio jardim " , não um agente externo a interferir com a Natureza , a dominá-la , a torturá-la .
O Touro ( Mente Iluminada ) e o pastor ( consciência superficial ) são Um , sempre o foram e o serão . Saber isso é libertar-se da ignorância cósmica , é conhecer quem se é , é voltar à fonte original , à Morada donde nunca se saiu , é perceber a interdifusão do mundo do Vazio com o mundo da forma , é agarrar o Touro , a aquisição da Sabedoria fundamental , a verdadeira e única realização do Caminho .
A um golpe de vista superficial , podemos estabelecer uma inversão de valores ao tentar interpretar o significado real do " apascentar do " Touro selvagem " .
Pode parecer-nos mais provável que o animal bravio represente o ser humano revestido de seus corpos materiais ; ao domador , cabe , então , o papel da Mente Búdica . Assim seria , se a pintura em questão se reportasse ao estabelecimento de uma autodisciplina Yogue em que o praticante busca , por todos os meios a seu dispor , dominar sua mente para alcançar os mais excelsos graus de espiritualização . O Touro seria o Ego inferior e seu amo , a Mente Original , pura e eterna .
O enfoque dos quadros é , porém , diferente . O que o autor da série pretende ilustrar , em versos e desenhos , é o ser humano aparentemente divorciado de sua Verdade essencial , onipresente e oniatuante , mas oculta e difícil de ser percebida pelo seu estado de profunda ignorância .
O Touro simboliza tal Verdade , isto é , a Mente Original . Embora potencialmente em estado de latência em todas as criaturas humano-terrestre , a Mente Búdica não é um estado de consciência ordinário e de fácil constatação . Ao contrário , a maioria da raça vive e renasce no plano físico sem jamais ter a ocasião e o desejo de contactar essa transcendência . A minoria que atinge o estado probatório e almeja inserir-se entre os iluminados , deve enfrentar um esforço estrênuo , continuado e , às vezes , de resultados insignificantes .
Foi esse o motivo que levou os Mestres antigos a conceber o domínio do Touro como uma série de investidas gradualmente mais gratificantes , até que surja , repentino e abrupto , o estado de consciência iluminada e tudo siga seu curso , fluindo de forma tão natural como o rio que busca o Oceano , sem indagar de onde veio e para onde irá , nem qual o fim de seu peregrinar .


3 - Captação Intuitiva 

Os Dez Quadros oferecem a um observador desavisado uma aparente dicotomia de enfoques , sendo ambos , porém , essencialmente Um . A contraparte exotérica não implica um velar do significado único ; é apenas uma decorrência obrigatória da própria forma de comunicação alegórica . Ao contrário , o símbolo possibilita a captação de algo , cuja visão ainda somente é perceptível a uma pequena parcela de seres humanos .
Este novo " ver " é mais do que transcendência estética , embora com ela se interligue intimamente , conseguindo mesmo extrapolá-la , gerando assim um maior grau de intuição metafísica , finalidade subjacente em toda pintura Zen .
A série de gravuras pode ser considerada como :
1) Obra de arte portadora de um valor intrínseco envolvendo uma captação direta ( domínio da axiologia ) . Nesse caso , ela se inclui no estilo zenga da pintura Zen , na qual o interesse artístico decorre não da pintura em si , mas de seu vínculo com a poesia , a cujo valor literário se acrescenta a beleza da caligrafia ideográfica , obra-prima de um genuíno manejador de pinceis ;
2) Conteúdo universalizador , que ultrapassa a época da sua criação , projetando-se num futuro longínquo como expediente de iluminação e exploração das mais recônditas regiões da alma humana .
A poesia , veículo dos ideais e da correspondência da sensibilidade entre artista e obra , revela qualidades formais imprescindíveis à transposição pictórica , expressando assim os sentimentos mais íntimos do autor e servindo de fonte de comunicação com os interessados na contemplação dos quadros e leitura dos versos .
Tal comunicação não pode ser objeto de ensino ; seu significado deve ser sentido , vivido , experienciado pelo receptor , nele despertado uma emoção suficientemente forte para pôr em jogo , aspirações latentes , anseios que sempre jazem como arquétipos no imo do ser e se manifestam como intuição especial . Essa é evidentemente uma capacidade particular de penetração integral no sentido emprestado pelo artista a seu trabalho . É intransferível , embora haja , em todo ser humano , a potencialidade da compreensão intuitiva .
Trata-se de símbolos característicos destinados a atuar como complexo de estímulos visual-auditivos ( os versos escritos conservam a ressonância da palavra -voz ) , com vistas a uma possível captação intuitiva . O que importa não é o jogo de palavras , mas a probabilidade de suscitar um estado no qual se processe a dissolução da personalidade superficial , que oculta o fundo do Eu , oportunizando-se a experiência transcendental da Iluminação .
Tal estado de plenitude consciente , criador e organizador de uma visão cósmico-individual inteiramente inédita , deriva do papel construtivo assumido pelo silêncio provocado pelo impacto inicial , anunciador da penetração profunda no âmago da mensagem implícita no contexto poema-caligrafia-pintura . Mensagem pressentida , intangível , pois não foi expressamente concebida pelo emissor que apenas usou de sua criatividade e de sua arte como um expediente para exprimir sua própria maneira de auto confirmação em um estado de consciência inequivocadamente iluminado .
É relevante a correção estabelecida entre o espaço vazio do quadro , a aparente ausência de significado simbólico-místico dos versos que se referem apenas a uma situação existencial corriqueira ( perda , reconquista , doma de um fugidio animal selvagem ) e o silêncio . O silêncio não é a ausência de pensamento , assim como o espaço vazio não é fundo inacabado de pintura , nem os versos aí estão para expressar um fato banal , duvidosa fonte de inspiração criadora . O silêncio constitui mesmo o marco inicial do Pensamento-chave , que dele brota e a ele retorna . É a pausa que delimita , separa , mas serve também para unir , conectar , promover a captação intuitiva exatamente como alguns musicólogos registram ao tratar de pausa em termos musicais . Sem ela , a expressividade não alcançaria o ponto máximo , onde alma humana , beleza , harmonia se fundem , se equilibram num frêmito sublime , cuja marca intemporal assusta e fascina quem sabe ouvir o silêncio e dele extrair a essência da Verdade . 


4- Tipologia dos Espectadores    

Baseada na tipologia idealizada por Hyers ao procurar classificar ouvintes musicais , tentamos obter alguns dados interessantes sobre respostas comportamentais não desejáveis , mas presentes na maioria dos admiradores dos Dez Quadros .
A originalidade única dessa expressão artístico-religiosa ( religião-união com a Mente Búdica ) evita , como também o faz o Zen budismo , as seguintes manifestações :
a) a intra-subjetivação que desperta experiências sensoriais emotivas ou de ordem afetiva , provocadoras de uma possível identificação pessoal com o símbolo não com o substrato espiritual contido no mito . Essa experiência frustrada pode induzir o espectador a visões nas quais ele se torna o personagem central das cenas , caso aliás bastante comum entre aspirantes ávidos de ativa participação nos " meios " usados para atingir o objetivo principal e exclusivo ;
b) a associação - que busca ligar a experiência atual com o acervo anterior de imagens ou ideias , ensejando o desvio da identidade característica da nova impressão minimizando-se , por conseguinte , o impacto previsto para uma súbita tomada de consciência de uma inesperada e nove dimensão do ser . Fatalmente as antigas crenças , superstições , filosofias impulsarão o contemplador e leitor a encontrar pontos de intersecção , analogias , ideias e valores interativos , o que constituirá um empecilho para o fim almejado .
c) a objetividade - que leva às críticas , às análises extremadas do conteúdo superficial simbólico sem nada assimilar do significado profundo , sempre oculto e impermeável ao cartesianismo analítico exclusivo do intelecto . Tal significado transcende ao racionalismo por ser uma faculdade da alma humana , puramente intuitiva ;
d) a animização - que conduz o espectador a personificar a obra artística , atribuindo-lhe qualidades caracteristicamente humanas ; santidade , misticismo , religiosidade , sacralidade . Aí ocorre o risco de envolvimento em aspectos irrelevantes , inadequados , incompatíveis com os objetivos do artista , retirando-se mesmo a possibilidade de captação do verdadeiro sentido , que o mito encobre e apenas deixa entrever aos mais atentos . Os Quadros são um " meio " não um fim especifico em si mesmos . Sua contemplação pode complementar um processo já em vias de amadurecimento , induzindo a " este passo mais além " que faz o " insight " transmutar-se na legitima experiência da iluminação sempre auto-confirmatória . Nada há na série de triste , alegre , sagrado , solitário , benéfico , angustiante , positivo , tranquilizador ou qualquer outra qualidade das inúmeras com que é dotado o ser humano . Tal como se apresentam , a olhos capazes de perceber o lado não transparente da alegoria , os Dez Quadros são a simples expressão poético-pictórica de um estado de alma de alguém que , tendo penetrado no silêncio eloquente da verdadeira transfiguração humano-divina , desejo ver outros seres também realizar o autoconhecimento , perscrutando sua própria e única natureza íntima .
Isso é agarrar o Touro e viver a Vida sem medo , deixando-a fluir livre e tranquilamente , nela própria encontrando o princípio e o fim do ato existencial sem preocupar-se em defini-la , rotulá-la , atribuir-lhe um sentido misterioso ou decifrável .
Empregamos termos de significação graduada " perceber , ver , perscrutar " para expressar o momento de visão na natureza intima de cada um . E daí provém a grande dificuldade sentida por todos os comentaristas Zen , sábios ou de poucas luzes ; a natureza consciente dessas atividades está sempre subentendida quando a mencionamos a alguém . Faltam-lhes sempre palavras para referir-se a processos inconscientes , isto é , aos que se posicionam " à margem da consciência ou , ainda melhor , essa deles não tem a menor ideia " . O paradoxo é o seguinte : tal tipo de percepção não é , de fato , inconsciente , apesar de revelar características fora do comum , inusitadas , pois dispensa o onipresente confronto entre o sujeito ( eu ) e o objeto ( o tal-qual-ismo ) de todas as coisas . Inexistência do eu-agente psicologicamente considerado acarretará o desaparecimento do objeto confrontante . O aparente absurdo dessa afirmativa só é superado pela experiência .
E é aí que as palavras falham , pois não existe , nem em nosso nem em qualquer idioma falado , um termo justo capaz de tornar viável a explicação de como pode ocorrer um ato perceptual sem eu dualístico , já que eu - não eu e sujeito-objeto " são tão inseparáveis como os dois pólos de um imã " . Nos estudos referentes à Cosmogonia , a noção do Eu ( Ahamkara ) marca o ponto crucial onde a experiência individual as bifurca em dois setores intimamente entre si : o universo subjetivo ( eu-agente ) e o universo objetivo ( isso ) . Libertar-se da ignorância advinda dessa separatividade individualizadora é o objeto de todos os ensinamentos , práticas , interiorizações Yogues .
Entretanto , os inúmeros testemunhos dos seres que atingiram instantaneamente semelhante experiência - surgida por si mesma , sem nenhum esforço específico , sem escopo direto - provam a possibilidade da " percepção " , quando o eu pessoal discriminativo é por fim minimizado , quiça anulado . Para tanto , mister se faz que a pessoa toda , seu intelecto incluído , esteja tão impregnada da natureza íntima ( Mente Búdica ) , que se torne possível à natureza búdica ser consciente de si mesma , sem interferência cognitiva através da sabedoria emanada da intuição ( prajna ) .
" Quando o homem é instantaneamente despertado , ele retorna à sua mente original " . ( Vimalakirti )
Instantaneamente e retorno são as palavras-chave dessa afirmação . Tais termos implicam a recusa de explicações intelectuais e uma experiência intransferível , o que confirma a originalidade da experiência e obstaculiza sua realização universal . Todos os homens são aptos potencialmente para tal cometimento , raros , raríssimos em nossos dias , conseguem revelar sua verdadeira natureza , desligando-se dos liames da ignorância fundamental e continuando a viver a experiência terrena como um simples estágio precursor da libertação .
Sete são os tipos humanos apontados pelos esoteristas como candidatos prontos ou não para atingir a iluminação . Há a considerar que a classificação revela , de maneira insofismável , uma evolução progressiva , o que pressupõe a possibilidade da mudança de tipo e alcance próximo ou remoto do estado ideal característico do perscrutador de sua própria natureza íntima . Em todos os casos , o interessado deve abrir mão de seu pequeno eu como sujeito de busca de um centro .
Se assim não o fizer , será incapaz de sair do estado de rigidez vital a que o impele o próprio ego . Só aprendendo a meditar conscientemente , pode vencer tal rigidez e experimentar um novo centro do ser , sempre muito maior do que o próprio ego , maior que " ele mesmo " .
1) O Instinto - aquele em que predominam , de forma acentuada e continua , os instintos como condutores de atos , palavras e pensamentos . Os tipos pertencentes a esta categoria , em relação à harmonia de seu modo de vida com seu ser essencial , são considerados " excêntricos " , pois carecem das condições minimas para encontrar o centro dentro de si próprios , o que pressupõe o término da habitual vivência em que o ego está sempre a afirmar-se como sujeito .
Impetuosos , sensuais , violentos , egoístas , egocêntricos , possessivos , os instintos , mesmo em culturas civilizadas , estão sempre prontos a adotar comportamentos regressivos , possessivos , os quais se coadunam com suas tendências materialistas .
É óbvio que a parte instintiva continua presente em todas as pessoas iluminadas ou não . É o tributo natural à vida terrena .
Só pode ser minimizada na etapa suprema , onde o predomínio da própria razão cede lugar à sabedoria intuitiva .
2) O Emocional - apesar da sensibilidade um pouco mais desenvolvida , os emotivos ainda estão longe de superar a afirmação do ego como agente , isto é , a divisão em sujeito e objeto só passível de desaparecimento quando o homem escuta seu mundo interior e considera corretamente o mundo externo . Guiado pelas emoções - sua capacidade de reflexão é limitada - os tipos humanos aqui catalogados se enternecem com a perspectiva de autoconfirmação , mas lhes falta a estabilidade imprescindível para transmutar suas emoções primárias na quietude e serenidade propicias ao despertar búdico . O ser emocionalmente maduro autocontrola sua sensibilidade , indo buscar suas motivações na vida interior , alcançando então o domínio do corpo e do ego , a tranquilidade da mente , que promove sua verdadeira identificação com a natureza universal de todas as coisas .
3) O Intelectual - o egocentrismo aumenta-lhe a tendência a tudo intelectualizar , tornando-o inapto para a transcendência .
Se tentar ousar ultrapassar seu intelecto para atingir uma experiência além do âmbito reflexivo , sua capacidade intelectual o impedirá de fazê-lo . Prevalecerá sempre a necessidade de analisar esmiuçadamente todos os pensamentos , fatos e emoções . A auto-análise , como elemento isolado e dominante , é um empecilho , não a fonte que poderia tornar-se a aliada da intuição . A parte intelectiva dá ênfase à perfeita manifestação individualista , não ao retorno à Unidade original . Somente escapando às faculdades racionais , poderá ser despertada a consciência de uma vida mais profunda , a abertura para a percepção do Um Supremo , única fórmula capaz de unir o homem à sua origem .
4) O Intermédio - alguém que se posiciona num certo grau de harmonia , buscando o equilíbrio entre os extremos . Apesar de ainda usar excessiva lógica formal , já observa suas emoções e consegue dominá-las , não se deixando levar pelo primitivismo instintivo . Porém , sendo sua harmonia por conflito , o equilíbrio é relativo : o ego continua a imperar , defendendo com vigor suas derradeiras cidadelas , sempre considerando-se como separado do resto das coisas , apesar de já vislumbrarem-se os indícios prenunciadores de uma possível abertura para estados mais aprimorados de subjetivismo .
5) O Esclarecido - já em vias de tornar-se autoconsciente e realizar a equação primordial ; ser-conhecer . Manifesta pendores para a prática do Ynana-yoga , procurando a sabedoria pelo uso adequado de seu intelecto . É um estudioso aplicado , cônscio do objetivo a alcançar , esforçando-se para tanto . Busca estabilizar-se , avançar além da reflexão intelectiva , mas malgrado seu poder de discriminação , ainda lhe resta transmutar conhecimento em Sabedoria . É lhe difícil o mergulho total na Luz Imanente , pois não conseguiu superar o conceito de que a Iluminação é algo a ser atingido , e não inerente e inseparável de si mesmo . É o praticante que sabe : o Reino está em seu interior ; e suplica que " venha " a ele .
6) O Lúcido - a clarividência intuitiva , ainda incipiente e esporádica , lhe permite atingir a compreensão nirvânica . Sente a atração abissal da vidência da natureza íntima , mas hesita em dar o grande salto no momento em que está prestes a fazê-lo .
É ainda o discípulo avançado a quem o Mestre guia , estimula , incita a voar por seus próprios meios , a fazer , da fugaz intuição , a alavanca que o levantará à experiência definitiva . É o praticante assíduo e promissor do zazan , do sesshin , do Koan , mas que ainda não recebeu a autoconfirmação nem a troca de olhares com o Mestre , sinal de que ambos partilham de identidade da Luz Inata .
7) O Iluminado - a meditação e a auto-análise tornaram-no plenamente cônscio de sua realidade . Sabe e vive de acordo com a plenitude de seu desabrochar . Nada o identifica como cósmico nem o distingue de seus companheiros de jornada , a não ser a tranquilidade e a serena visão do mundo e de si próprio .
" Aprendeu a viver um dia de cada vez e a estar sempre consciente " . As tensões , os desgostos , os prazeres mundanos , as recaídas nos antigos deslises , a ilusão de não ter ilusões , nada mais o perturba ou distrai .
É pensamento puro a fluir no Universo , flutuando como a Nuvem Branca ao sabor do vento , sem inquietações , cuidados , temores ou mesmo desejos de saber para onde vai , qual é seu destino . A despaixão e o desapego são seus pontos fortes , mas , se o sente , não se deixa impressionar . Vive no eterno Aqui e Agora , desapegado de toda temporalidade .
É o próprio momento eterno no qual todos os tipos se integram , se conjugam , se identificam para o existir no Universo , permanecendo ainda na vivência terrena até o esgotar supremo do Karma ainda em seu derradeiro movimento vibratório .
É Luz , sabe-o e deixa-A vibrar para iluminar o mundo - assim é a experiência do iluminado Os sete tipos relacionam-se evidentemente com as ilustrações e os poemas da série dos Quadros da Conquista do Touro .
É a marcha evolutiva dentro do processo centrípeto , no qual as vibrações periféricas sentem a atração do centro e a ele tentam retornar . O que poderia ser conhecimento , é experiência : a proposição , o testemunho e a busca mostraram ser apenas a obra criativa de um artista , cujo instrumento de expressão é o próprio corpo , a própria mente , a própria alma . Sua obra-prima é a construção de sua própria realidade existencial .
Esculpiu em si mesmo o Homem : esse já pode testemunhar-se perfeito e divino .

Texto : do livro A Doma do Touro ( RAMANADI ) Continua 
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" A DOMA DO TOURO "

Os Dez Quadros de Iluminação Através do Zen

5- O Emprego de " Meios "   

São inúmeros e variadíssimos os " meios " empregados com a finalidade de propiciar a interessados possuidores de capacidades já evidenciadas uma série de situações que lhes permitam abandonar a lógica aristotélica e integrar-se na " lógica paradoxal " , predominante no pensamento chinês e hindu . Aos que vivem em culturas em que a correção da lógica aristotélica jamais é posta em dúvida , é difícil , se não impossível , ter experiências conflitantes com o raciocínio habitual , pois as mesmas são julgadas absurdas , incompatíveis com a ciência cultural do Ocidente . A dificuldade torna-se então ainda maior , o que enfatiza a necessidade de emprego de expedientes diversificado para atingir o alvo proposto .
Irracionalidades , paradoxos , imagens , gestos , metáforas até atos de violência fazem parte dos meios utilizados para provocar a implosão revolucionária sem a qual não seria provável a reorganização do centro existencial , a mudança completa entre a anteriozação do centro existencial , a mudança completa entre a anterioridade e o momento a ser vivenciado . Nele tudo deve ser reestruturado : o postulante assume sua tarefa de construtor de sua realidade , exercitando-se em sua capacidade de modificar-se , de experimentar a própria existência , de apreender sua natureza profunda , única , intransferível , impartilhável .
O enfoque da realidade nada tem a ver com o mundo científico de pesquisa , mesmo quando admite um certo tipo de análise introspectiva . Não se trata de " falar a respeito " , " discorrer sobre " , " dissecar objetivamente " , ou fazer experiências científicas com o Eu . A pessoa humana vive a própria Vida , não conceitos por mais científicos , exatos , avaliados sejam eles .
Esse é o motivo pelo qual se buscam , se inventam , se ensejam expedientes para conhecer o Eu de dentro , não de fora , para levar o aspirante a ultrapassar o reino da intelecção e da abstração a fim de sentir , experienciar sua pessoal originalidade ou criatividade . Sem essa marca distintiva do Eu , o homem jamais poderá ver-se em sua autêntica face de " homem-verdadeiro sem posição " , " a origem de todos os Budas " , conforme ensina Rinzai Gigen ( século IX ) .
Alguns meios , apesar de sua proclamada eficacidade , ainda não são aplicáveis entre nós que mal começamos a saber que o intelecto não é a suprema realidade , mas sim um instrumento necessário para determinar , embora vagamente , onde ela está .
Entre eles o famoso " koan " que , malgrado seu enunciado intelectivo , só é compreendido quando , tirado do inconsciente , aflora na consciência .
O mestre é elemento imprescindível : ele apenas aponta para o que está dentro de cada um de nós , o resultado independe de sua habilidade magistral . Somente o inquiridor , com seu sentimento de autonomia , liberdade e autodeterminação , pode desenvolver , em si mesmo , o inconsciente treinado do homem maduro a fazê-lo operar no campo da consciência .
A vontade , no sentido essencial da palavra , somente a vontade pode encontrar a resposta que " jaz profundamente sepultada sob os alicerces de nosso ser " . É a única chave para abrir as portas da percepção , para aprender a " pensar com o ventre " , agarrar e segurar o Koan com as mãos nuas até que completa e integral identificação permita que o Koan se resolva por si mesmo , sem a interferência intelectiva . Fácil ; pois não ! Talvez um dia , quem sabe ? , tal expediente nos seja acessível . Até lá contente-mo-nos com outros meios menos implosivos , mas de mais fácil alcance em nosso caso .
Há um extenso anedotário , repetido à saciedade em todos os autores que se propõem a transmitir o significado espiritual presente em qualquer dos atos comuns da vida . Referem-se às perguntas e respostas ( mondo ) verdadeiros desafios lançados pelos mestres com o intuito de auxiliar o perguntador e encontrar a resposta espontânea ao disparate proposto a não tentar encontrá-la no plano da intelecção . O " disparato " o é aparentemente , pois é a mola mestra que anula o hábito da conceituação e rompe o véu que impede a mente finita de compreender que tem raízes no infinito .
A explosão temperamental de um mestre pode nos parecer incoerente , desconcertante , brutal mesmo . Mas funciona , se aplicada no momento exato com a pessoa certa por um genuíno guia , que conhece verdadeiramente seu ofício e pode apontar o centro em que sabe existir " a verdade que liberta " .
Aquilo que o mestre propõe e aquilo que o discípulo esforça-se para assimilar , num determinado e inesperado momento , convergem para o centro comum , e o coração de ambos é um só coração .
A sintonia e a sincronia testemunham eloquentemente , silenciosamente , perenemente que ambos estão banhados da mesma Luz embora ela continue a irradiar-se de focos individualizados . O clássico e insuperável momento em que o intercâmbio silente do sorriso e do olhar de Buda e de Mahakasyapa provou ao Cosmos a genuína percepção do Sermão da Rosa - início da mais significativa experiência entre dois seres iluminados - repetiu-se mais uma vez . Milênios passaram desde então , mas é sempre de " coração para coração " que o sublime autoconhecimento se produz . Anulado o eu objetivo de cada um , só permanece o Eu Supremo , que abarca todas as formas individuais e é fundamentalmente a Verdade Absoluta .
O " caminho de coração para coração " é revelado quando o que já se reconhecera como a modalidade da " perfeita consciência " e o que buscava tal estágio , repentinamente sabem , sentem , confirmam que , na pureza , se libertaram do dualismo do ser e do não-ser e assim realizaram a Verdade . 
Como o caminho da maturidade existencial é tornar-se tranquilo , o sentar-se em quietude perfeita ( imobilidade corporal - respiração ritmada , consciente centralização harmônica com a sístole e a diástole do Universo - Zazen ) é o método mais indicado para atingir a experiência da auto-iluminação .
Parece-nos que há uma tendência geral em inter-relacionar pequenos poemas com a prática do treinamento ao se querer passar do caminho particular ao Caminho . Assim sendo , versejemos o conhecido haiku explicativo da importância fundamental do Zazen .
Nada fazendo .
Calmamente sentado .
Vida vivendo .
O " nada fazer " não significa abstrair-se de tudo e devanear pelo mundo da fantasia , ou sonhar acordado , esquecido dos compromissos e dos misteres inerentes à própria pessoa Nada disso. 
É , ao contrário , a forma correta de interiorizar-se a fim de proporcionar a si mesmo a verdadeira percepção do mundo fenomenal .
A tensão entre sujeito e objeto deve cessar pela escuta de nosso mundo interior e correta apreciação do mundo externo , o que é obtido pela prática pacifica da meditação ( Dhyana )
associada a exercícios baseados nas tarefas da vida cotidiana . O paradoxo se resolve por si mesmo , se atentamos que " somente olhos vigilantes percebem as coisas duradouras " O exercício deve superar a antítese ego-mundo , experimentando essa oposição em grau elevado para ser eficaz no sentido de conduzir à unissonância , na qual se processa a rendição à Grande Respiração do " UM " . A Unidade básica se manifesta ( rompe através ) , o " ego " cessa de afirmar-se como entidade separada em constante conflito com o objeto - seu reflexo e oposto - para vibrar uma polaridade viva , em que transparece a origem comum do sujeito e seu adversário .
Entre os " atos " específicos aconselhados à obtenção desse especial estado de consciência - fazer parte necessária e indivisível da Vida que pulsa em todas as coisas - podemos citar : o arranjo de flores , a cerimônia do chá , o banho ( nele dissolver-se , identificando-se com o elemento água ) , a escrita , o contar histórias , a dança , a pintura , a esgrima , a luta , a arte do arco e uma infinidade de técnicas a ser adquiridas com um único e derradeiro propósito : sobrepujar a tensão entre sujeito e objeto e obter o ato perfeito .
Ato perfeito - o grau de maestria , fruto da maturidade interior - significa a união absoluta da tarefa e da técnica , não para formar especialistas bem renumerados , mas para que o homem se torne " o meio ideal para o modo específico pelo qual apraz à Grande Unidade revelar-se " . O intelecto cumpriu bem sua parte , o coração acalma-se , a vontade desativa-se , o ego não mais se encarrega do desempenho da tarefa prescrita : o Um a realiza .
Se a perfeição técnica em qualquer exercício resultar em uma atitude adequada , a " visão interior " aparece como prenúncio da possibilidade de " libertar-se da vida e da morte , elevar-se acima de ambas , para descobrir o verdadeiro ser e , afinal , ser absorvido na Vida , que está além da vida e da morte " .
Para os principiantes como nós ainda inaptos para a consecução do ato perfeito , o mais apropriado é ir assimilando , pouco a pouco , o que os verdadeiros artistas nos legaram e tentando paulatinamente ir penetrando na técnica que permita tornarmo-nos parte consciente da própria verdade , inata em todos nós e sempre prestes a revelar-se no caso de assim permitirmos .



6- O Haiku  

Penetrar no espírito de um haiku , poema de 17 sílabas com a contagem 5 sílabas , sete e novamente 5 no terceiro verso , é compreender , em parte ou integralmente , o pensamento oriental .
A economia de palavras , o ritmo cadenciado sem intenção de tornar o poema musical , um fato singelo , descrito no poema sem o acréscimo dos sentimentos experimentados pelo poeta , caracterizam o haiku ( haikai ) . É claro que tais sentimentos estão implícitos no pequeno poema , pois esse é uma demonstração simples e singela do amor votado pelos orientais à Natureza , que os leva a descobrir grandeza e graça nas coisas consideradas insignificantes e indignas de apreciação pela maioria dos ocidentais .
A maior parte dos grandes poetas japoneses , principalmente os adeptos do Zen , utilizaram o haiku para provar sua identificação com o meio natural , despertado ou avivado pela contemplação momentânea e atenta de algo que se expressa a si mesmo , no silencioso e eloquente esplendor da Vida a manifestar-se em coisas e fatos corriqueiros , mas prenhes de significação para quem saiba interpretá-los à luz de uma inter-relação profunda com a Unidade Cósmica .
Bashol ( 1644-1694 ) , o inigualável " hokku " , exemplifica de forma admirável o poema clássico , provocando , no leitor interessado , a sensação de totalidade por ele vivenciada no contacto direto com uma ocorrência banal para olhos não adextrados em ver o âmago da Vida .
Mestre Suzuki , ao reproduzir-lhe o haiku ( como aliás o fazem todos os autores Zen a nosso alcance ) tece comentários tão sábios e justos , que não nos resta senão endossar sua lúcida interpretação .
Esse corresponde à por nós emitida , quando sofremos um impacto semelhante ao do poema ; também deparamos com florinha modesta vicejando em lugar inesperado e pouco promissor . Nossa experiência , anterior a nossos estudos orientais , teve lugar num cemitério , onde , na parede , numa fresta entre duas pedras tumulares , brotara , verde e vivaz , uma alegre samambaia ( escadinha do céu ) . A visão da vida conjugada com morte revelou-nos a força total e una da Vida . O episódio reapareceu na plenitude de seu significado , quando tomamos conhecimento da reação poética de Basho e esposamos os comentários de seu continuador na transmissão dos postulados Zen .
Eis o famoso haiku e sua tradução aproximada , na qual a expressão admirativa Kana é substituída pela exclamação " Oba " .
Ambas , parece-nos , servem para expressar os mais variados sentimentos , sem nada dizer de preciso ou concreto . É pura surpresa e admiração . Nada mais .
Yoku mireba                                                                 Olhei atento ,
Nazuna hana saku                                                        vi a nazuna florir 
Kakine kana                                                                   junto à sebe , Oba !
Na Lua Cheia de agosto - os japoneses do século XX continuam a reunir-se nos terraços para admirar o plenilúnio de verão e compor haiku . Não há nenhum objetivo de produzir obras-primas de poesia estética , sentimental ou mística . É deixar jorrar a inspiração com a natural espontaneidade com que a fonte deixa fluir sua água , a rosa exala seu perfume , o sabiá canta .
Os temas são de uma variedade infinita : alguns renomados poetas usam seus haiku para ridicularizar , reduzir às devidas proporções todas as veleidades de sacralização , mesmo as relacionadas com Buddha , cuja Iluminação é modelo e exemplo das potencialidades de todos os seres humanos , não ponto focal de adoração .
Também nós tentamos compor alguns haiku . Os medíocres resultados e a dificuldade em metrificá-los nos devidos 5-7-5 sílabas não constituíram impedimentos para a tarefa que nos é gratificante e agradável . Se apresentamos aqui alguns exemplos , não há nisso outro intento senão o de poder explicar , com plena certeza , o que pretendemos comunicar . Seria demasiada presunção nossa pretender interpretar corretamente os poemas alheios , oriundos de Mestres cuja sabedoria é incontestável . Esses devem ser " sentidos " . Se não houver " impacto " na leitura , não houve intercomunicação efetiva .
Nº 1 - Ser Nuvem Branca Nº 2 - A corujinha ouve 
           espelhada na onda          pios agourentos 
           O mar cospe sal              em-be-ve-ci-da .
Quanto aos de nossa pobre inspiração , vivenciada em momentos de comunhão perceptiva com um fato natural , esses , nós os podemos analisar para tentar transmitir alguma coisa de nosso próprio sentir no momento em que os haiku ( assim chamados por obedecerem à métrica 5-7-5 ) surgiram , e os escrevemos .
Nº 1 - Aí há uma tentativa de utilizar o silêncio envolvente exigido por um poema de 17 sílabas , para mostrar que o " pouco dito " deve evocar a sensação real por ele provocada no instante da composição , É o correspondente do " espaço vazio " da pintura .
Aí a poesia " sem palavras " contém uma dose forte de sarcasmo em face do vôo místico logo cortado por um fato real , prosaico , natural em seu " tal-qual ( ismo ) " .
a) " Ser Nuvem Branca " é expressar um desejo de identificação suprema com os ensinamentos atribuídos à própria boca de Buddha . É conquistar a paz sublime pela entrega total do ser à Vida , pois a Nuvem Branca flutua ao sabor do vento , imperturbável e serena , sem jamais cogitar de seu provável próximo- remoto destino . Vê-la espalhada na onda é a complementação da ideia fundamentalmente mística , pois o " espelho " tem conotação simbólicas com as religiões orientais .
Se o espelho é a onda , a cúspide de sal sobre a imagem da Nuvem Branca nela refletida é uma decorrência lógica , inevitável .
O ter abandonado o tema quase no exato momento em que toma forma , dando-lhe um final inesperado e satírico , parece-nos não ser um despropósito chamar o poemeto de haiku .
2º) O segundo haiku já estabelece uma espécie de paralelo entre as reações opostas provocadas por uma mesma situação .
Tenta exemplificar a " relatividade " dos pontos-de-vista . Lacônica mas diretamente , os termos " agourentos e embevecida " revelam esse julgamento individual do mesmo fato : para um ocidental , condicionado por sua cultura , o pio da coruja contém maus presságios , ao passo que para o filhote é o doce chamado da mãe .
Antes de citar exemplos clássicos , estudemos mais alguns nossos que expressam nosso estado interior ao apreender estas imagens vivas do mundo quando não predomina a urgência de " ir a um lugar com hora marcada " . Momento em que podemos saborear " a vida sem um fim em vista " fluindo em sua espontânea criatividade .
3º) A rosa murcha                                  4º) O pintinho fez
      não esquece o ardor                              a minhoca bailar
      do beijo do sol .                                      a dança sem fim .
3º) Flores murchas nada apresentam de atraente ou inusitado . Mas aqui , a rosa suscita a percepção de algo além da coisa vulgar e despretensiosa em seu " tal como é " . Há um laivo de saudade , de recordação do passado capaz de fazer a flor olvidar que seu estado atual ( murcha ) é devido precisamente aos raios de sol incidindo fortemente sobre ela . É a possibilidade de ser grata à Vida , aos momentos que , sendo tempo , ocasionaram a velhice - um eco do que passou e foi amado .
4º) O fato banal , isento de comentário " sobre a vida " , que não objetiva " dizer algo " , ainda assim contém uma alusão direta : vida e morte intercaladas formando a " dança sem fim " , pois a Bailarina Cósmica vai nutrir , permitir a existência de seu aparente exterminador .
5º) Já é outono                                             6º) Apito final ;
      no meu leque fechado                                  o navio fantasma 
      a folha caí . Pioc !                                         ancorou no céu .
5º) Aqui é evidente a associação entre o efeito do som e uma cena puramente imaginada , surgida talvez da atmosfera de melancólica transformação despertada pela chegada do outono e queda das folhas . Até a folha , pintada no leque , sente a influência da estação ; essa não só tornou o leque inútil ( fechado ) como também fez a folha cair ao chão .
O ruído onomatopéico é comum nos haiku , servindo de fecho como o faz também uma exclamação admirativa . Aumenta a impressão de tristeza associada ao outono e à impermanência das coisas vivas .
6º) A disposição de espírito é ainda de tristeza desolada , de percepção de alguma coisa misteriosa e estranha , desconhecida , só possível de ser intuída pela imaginação , que pode transpor a realidade e penetrar em planos de ficção silenciosa e dramática .
O destino dos navios desaparecidos em alto mar sempre empolga os que amam e temem a força oceânica . O barco tradicionalmente apita , quando chega ao porto de destino . " Final " denota o que se vai seguir : o local de ancouradouro e a qualidade do navio .
7º) O luar pinga                                         8º) Porta aberta ,
      gotas de ouro puro                                   gente que entra , que sai :
      sobre o lodo .                                            os gonzos firmes .
7º) O tema é trivial , concreto , claro . O que estava à vista , foi olhado e visto pela emoção . A presença da Lua Cheia sempre foi fonte de comparação com chuvas de ouro caindo sobre a Terra . O diferente é a impropriedade do local escolhido se não for notada a alusão ao termo " lodo " tão presente nos ensinamentos budistas . Neles representa a vida material sempre com possibilidade de receber a luz da Lua , isto é , a iluminação espiritual .
Os símbolos estão ocultos , mas há uma implicação velada aos princípios relacionados ou consubstanciados na tradição espiritual do Oriente .
8º) Novamente , o tema exemplifica , sem ter aparentemente tal intenção , ensinamentos assimilados através de leituras de grandes pensadores . Cremos ter sido Suzuki quem citou um escritor ocidental , enfatizando que a permanência de imobilidade dos gozos , em contraste com o movimento de abrir e fechar a porta , era um exemplo típico dos ensinos budistas . Os gozos representam o Eu verdadeiro , imutável e permanente , enquanto a porta lembra a mente superficial em constante e contínuo movimento de transmutação .
É difícil não aproveitar o momento de inspiração sem daí extrair referências mais ou menos veladas das nossas próprias crenças , de tudo aquilo que é a razão de ser de nossa existência .
Mesmo buscando a viva e inevitável realidade deste mundo , o único onde nos é dado viver , o condicionamento cultural nos impede de somente experienciar a maravilhosa ausência de significado da própria Natureza . Mas que fazer então ? Rejeitar o que nos é possível sentir e expressar , aguardando sempre nos ser possível " nada dizer " através dos poemas?
9º) O papagaio                                                        10º) Na tarde cinza
      repete bem o refrão                                                  uma gaivota sonda 
      do monge : Zazen                                                     o mar sem peixe . . .
9º) Aí então a ironia se faz presente , sem mordacidade , mas objetiva e bem de acordo com os ensinamentos quando afirmam que as palavras nada significam , impossibilitando mesmo o vivenciar pleno da Verdade nua do Zen . Não basta ser monge , intelectualizar os preceitos , pregá-los sem que neles transpareçam as atitudes mais normais da vida diária , isso , no entanto , nada tem a ver com " perfeição e santidade " totais , mas concordância entre a Verdade e o viver no mundo , aspirações e atos em sintonia . O resto é papagaiar .
10º) A extrema sensação de solitária e pungente tristeza pode ser detectada em inúmeros haiku . Talvez seja o reduzido número de palavras bem escolhidas que provoque tal impressão , a mesma experimentada diante de uma pintura zenga . As pinceladas negras jogadas ao " acaso " sobre a tela onde predomina o " espaço vazio " dizem muito mais do que a riqueza minuciosa de detalhes . A solidão aí se manifesta , tal como neste célebre haiku de autor japonês .
O corvo vela
no galho de Outono ,
o entardecer . . .
Apesar da impossibilidade da tradução adaptativa manter toda a potente expressão contida nas dezessete sílabas do original japonês , ainda assim a essência - o fundo - da forma poética ainda permite sentir a desolação , na paisagem outonal , de um ramo despido de suas folhas , abrigando um corvo solitário na tradicional hora da melancolia . O verbo " vela " não é tradução literal do termo , mas nos pareceu o mais adequado para dar o toque dramático à ação exercida pelo corvo em momento tão triste " Velar " é estar presente , co-participar de um final de existir , seja de um fim de vida humana , ou do fim de um dia , do término do Outono a prenunciar a próxima chegada do frio tão inóspito e nefasto para as aves .
Um tom de tristeza também se desprende de nosso 10º haiku , que retrata a poluição de nossos mares e a aflitiva situação das derradeiras e escassas gaivotas de nosso litoral . . .


7- Haiku Famosos  

Deixemos aos Mestres o que de direito lhes pertence : seus haiku expressando a vida sem objetivo programado , seus estados de alma " vagamundos " , seus momentos de apreensão das vivas imagens terrestres , a ausência total do hábito de filosofar sobre a vida .
Apreciemos , pois , seus curtos poemas com os mesmos olhos atônitos com que as crianças olham o mundo e exprimem livremente seu espanto . Seja o leitor convidado a participar , " evocando associações que ele encontra na riqueza da própria memória " .
As traduções não literais sofreram a necessidade da permanência da métrica prescrita . O sentido é o mais aproximado possível carecendo da fidelidade inerente ao original ou a um tradutor que domine o japonês como segunda opção linguística . Tal não é nosso caso .
O ladrão se foi ,
deixando na janela ,
o ouro lunar .
Ryokan não usaria " lunar " pois evitaria a sofisticação implícita no termo " Da lua " quebraria a métrica do haiku , aumentando , porém , ainda mais o sentimento de riqueza que no poema permanece , mesmo depois de o autor ter sido roubado de todos os seus pertences .
O vento me traz 
bastantes folhas secas 
para meu fogo .
Não temos a nítida sensação de falta de dinheiro , o que aliás parece ter sido o estado normal do Ryokan , o poeta dos piolhos , das pulgas , do desconforto das chuvas geladas ? ( 1758-1831 ) .
Basho a quem se deve a evolução do haiku no sentido do " nada especial " característico do Zen , é considerado o maior poeta no gênero .
Eis alguns de seus preciosos haiku :
" kimi hi take                                                                     Sopra o fogo ,
  yoki mono miseru                                                           vem ver que coisa linda :
  Yuki moroge "                                                                 bolões de neve !

" Furu-ike ya                                                                     O velho charco :
  Kawazu tobi-komu                                                          a rã está saltando 
  Mizu no oto "                                                                   dentro dele . Plop !

O pirilampo ,                                                                     O portão de pau 
ao cair desta folha ,                                                           tem por fechadura 
já voou longe                                                                     este caracol .
Sem simbolismo , alegorias ou analogias , achando o corte de palavras ainda supérfluo mesmo nas 17 sílabas , o haiku evita os pormenores , desdenha a beleza , aponta para algo sem tentar descrevê-lo , alude ao indizível , a fim de oportunizar a captação direta das sensações sutis e chegar à " visão dentro do coração do homem " . O imediatismo , o senso do momento absoluto é que provocarão tal experiência , que , no entanto , deve ir além da experiência em seu sentido lato .
Em maus poemas ,
já não vês poesia .
Assim eles são .
Terminando com esta afirmação de Ryokan de que só capta a poesia de seus haiku quem compreende que não houve de sua parte a intencionalidade para tanto , cremos ter preparado o leitor para um enfoque adequado à redescoberta da antiga Sabedoria do Oriente de onde , hoje como sempre , procede a Luz .
A cada um seja dado o que melhor lhe convier como acendedor da própria Luz , mas é preciso que se " tente " , com constância , colhendo o fruto semeado pela Sabedoria milenar , e posto à disposição de todos os seres . A busca e o encontro da Verdade , que é Luz , em si mesmos não conflitam com nenhuma crença religiosa digna desse título .
Por mais arraigado o hábito da transferência de Luz para além do próprio coração , é possível conciliar os ensinamentos , na certeza de que o indivíduo terá uma compreensão de seu processo interior de Vida não pela análise intelectual , mas pela intuição ; que é a " pobreza de espírito " , julgada pelos ocidentais como propiciadora da correta chegada a Deus .
Texto : do livro A Doma do Touro ( Ramanadi ) Continua 
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" A DOMA DO TOURO "

Os Dez Quadros de Iluminação Através do Zen

8- Diversos Expedientes 

Outros meios propostos são os seguintes :
a) Cânticos dos dharani , de Kirtan ou entoação de mantras ( uma série de palavras ou nomes mais ou menos sem significado preciso , aos quais se atribuem poderes mágicos capazes de ajudar quem os repete em momentos de angústia ) .
Se bem que as inevitáveis alterações dos sons originais retirem um pouco de tal efeito , as transliterações fonéticas de palavras sânscritas ainda são consideradas eficazes quando a recitação é feita com sinceridade e convicção .   Há mesmo uma espécie de transferência das virtudes que sendo apanágio dos seres excelsos ( Boddhisatva ) são invocadas durante a entoação .
Constituem um excelente exercício para treinar a mente e superar as formas dualísticas do pensamento ordinário , pois os dharani simbolicamente expressam , em som e ritmo peculiares , a verdade essencial do Universo , verdade essa que transcende o intelecto discriminador .
A recitação repetida dos sutras ( palavras , aforismas , sermões provindos do próprio Buddha ) destina-se a reforçar a crença nos ensinamentos neles contidos . Decresce a necessidade de cantá-los à medida que a fé se torna profunda e atuante .
Além dos sutras há o vazio por eles apontado , o senso de realidade que pode ser captado , quando a mente penetra no silêncio , no momento previsto sempre como o final adequado para a tripla entoação . Aí vigora novamente o mesmo fenômeno registrado no espaço vazio dos Quadros , se é o desenho despojado que permite à mente conscientizar-se plenamente do significado do espaço em branco e com ele identificar-se , é o silêncio que aponta para o sentido real dos sutras , sempre velado pelas palavras simbólicas .
O objetivo não se altera seja qual for o expediente empregado para provocar tal estado de consciência e suscitar um conjunto de circunstâncias para torná-lo permanente e atuante em quase todos os momentos da vida diária e rotineira . Ele é definido e simplíssimo em aparência e em realidade ; todo o esforço a ser dispendido , toda a constância e persistência exigidas não são mais que um retorno , uma desvelação , um redescobrir do que sempre foi , é e será eternamente a essência , a Verdade do ser humano .
Tratando-se especificamente do Touro , ele jamais fora perdido , jamais se afastara um só instante de seu pastor , jamais se ausentara de seu lar natural . A condição humana , presa ao mundo fenomênico , onde impera a ilusão cósmica da separatividade ( Maya ) , inerente e inseparável da Manifestação Universal , é que impede a integração da pessoa humana naquele derradeiro-inicial e único estado de consciência .


9- A Iluminação  

No momento em que cessa a heresia ilusória da separatividade , da individualização , Touro e pastor , Mente Búdica e personalidade existencial identificam-se , sobrevindo a " Iluminação " e consequente paz , equilíbrio , harmonia e reconstrução kármica .
É o renascimento na carne atual , o fazer-se criança receptiva ao movimento cósmico , enfrentando sem medo transmutação incessante , necessária ao processo de evolução da Vida em todas as suas formas e manifestações .
Terremoto , revolução , implosão , salto abissal , cataclisma , introjecção constituem algumas das designações empregadas na vã tentativa de expressar o inexprimível . Todo o longo e fastidioso preparo anterior , a perseguição e o negacear fugitivo e escorregadio do Touro , o duelo existencial em que a personalidade individualista tende a desistir do embate , deixando assim a Mente Búdica permanecer oculta , em estado latente , pouco manifesta , findam de forma brusca , instantânea , inesperada a irreversível .
Tal surgimento explosivo obscurece de tal modo a fase preparatória , que muitos renegam suas próprias experiências básicas , afirmando não existir graus de realização , enfatizando apenas o eclodir da Luz . Isso contradiz fundamentalmente o processo do desabrochar de toda e qualquer plenitude : a semente resulta do fruto provindo da flor , cujo desabrochar pressupõe o botão originário de uma semente igual à que atualmente contém em si todo o processo da Vida .
Houve , é certo , um longo período de amadurecimento , uma gestação fecundada natural e espontaneamente , uma passagem gradativa para estados cada vez mais refinados de consciência 
Realizada através de árduos exercícios , de direcionamento magistral , de quedas e levantadas ( cai sete , levanta oito ) de desistências e retomadas , de esperanças e frustrações sem conta , tal experiência ( se assim pode ser chamada ) se apresenta no climax tão normalmente natural , tão simplesmente comum , tão explosivamente calma e tranquila , que nada há a registrar , nada a transmitir , nada a vivenciar , nada a prolongar .
É -se assim se pode tentar comparar o incomparável - uma espécie de " retorno à Morada com as mãos vazias " , nas sábias e milenares palavras de Mestre Dogen ( 1.200 a 1.253 ) Nada se traz que antes já não se possuía , nada se acrescenta , nada se perde , nada se ganha , nada se tem . Mas a alegria , a felicidade , a serena autoconfirmação , essas são perenes e irrebatáveis .
" Tudo é irradiação , pura irradiação . Posso agora progredir para sempre , rumo à perfeição em harmonia natural com minha vida cotidiana " .
Assim pôde afirmar , no século XX , Yaeko , a jovem japonesa discípula do sábio Harada-roshi ( Os Três Pilares do Zen - Philip Kapleau ) .
O exemplo de Yaeko Iwasaki é de uma eloquência tão singela , que nos comove intensamente e nos induz a buscar , em seu exemplo , o fundamento de nossa própria realização espiritual .
É importante , porém , salientar que esse estado natural , somente se manifesta depois de um mergulhar nas fontes da Sabedoria Eterna até a identidade completa .
Para os ocidentais é bastante difícil reconhecer que a Sabedoria Oriental oferece maiores possibilidades de compreensão , em profundidade do que seja o homem , a vida e sentir Deus ou Absoluto em si e em todo o Universo .
Os ensinamentos que nos foram legados , apresentam um maior grau de distorção em relação a suas origens do que os provindos das correntes e doutrinas do Oriente , entre as quais a beleza , a harmonia e a coerência predominam . Tal diferença talvez possa ser atribuída aos " intermediários " que não se vexaram de retocar as mensagens evangélicas primitivas , levados pelo radicalismo , obediência aos dogmas posteriores , ou pelo afã fanático de ressaltar a primazia de seus ideais místicos .
Tal fato , se ocorreu no Oriente , não provocou as contradições aparentes encontradas nos textos cristãos . Nos livros básicos da mística oriental não há desajustes doutrinários nem desejo de supremacia ou exclusivismo . O que nos chegou do trabalho milenar dos diferentes compiladores são obras clássicas , coincidentes e coerentes entre si , ainda que crenças , doutrinas , conceitos e valores denotem diferenças superficiais . Não há jamais conflito entre elas , somente diversidade na forma de apresentar as ideias dentro da unidade fundamental do pensamento místico-religioso .
Em todos os sistemas religioso do Oriente , observa-se uma constante : o realce supremo da procura da Luz Interior , cujo encontro é sempre obra única do próprio aspirante . Mestres , guias , literatura religiosa constituem apenas " o dedo a apontar para a Lua " , não o satélite , símbolo usual da Iluminação , a brilhar na escuridão noturna da ignorância .
A imanência divina é o ponto crucial , o fundamento imprescindível , sendo o Transcendente tão indiscutivelmente óbvio , que preocupa-se em defini-lo ou compreendê-lo é malbaratar tempo , esforço e elocubrações em algo que ultrapassa todos os campos do intelecto , da ciência , da vã filosofia humana .
Como as religiões cristãs colocam toda a ênfase na salvação vicarial , o adepto de tais doutrinas não é induzido a levar em consideração a Imanência do Cristo , mas a fazer do " só chegar ao Pai por mim " o fundamento de sua fé . Apesar de intitular-se sempre " irmão em Cristo " , delega sempre unicamente a Jesus todo o sentido universal da divindade humana .
O senso agudo da auto-responsabilidade de fazer resplandecer , em si mesmo e em todos os atos , palavras e pensamentos cotidianos , a Luz existente no próprio interior humano , é a tônica dos ensinos orientais sem nenhuma ressonância entre nós .
A harmonia , a perfeição , a coerência percebidas no taoismo , budismo ,tantrismo , zenbudismo , provém da ênfase colocada nesse aspecto original e inusitado : considerar o homem como um ser responsável por sua auto-evolução espiritual a ser conquistada pelo próprio e estrênuo esforço , devotamento , perseverança , constância e fé em sua destinação cósmica .
A proteção e guia dos Mestres é apenas um acessório utilíssimo , um dos " meios " de conexão com o Infinito . Todos os inumeráveis meios tendem a reduzir-se ou extinguir-se quando o discípulo atinge o ponto de maturação em que se transforma no autor de sua própria iniciação .
Os Dez Quadros fazem parte desses expedientes preliminares , pois contemplá-los , estudá-los com atenção , integrar-se no seu conteúdo é propiciar o fluir do processo natural , que só vai acontecer na maioria dos casos individualizados de Iluminação .
Conhecendo a dificuldade encontrada , em nosso meio sócio-cultural , para obter material didático adequado aos enfoques orientais sobre o dilema do homem , propusemo-nos a tecer comentários sobre esse tema , cuja ideia original remonta a milênios , animando-nos a fazer uma transposição do mesmo para uso local .
" As ideias são de quem as possui em profundidade " . Se não conseguem ser originais é porque " Nihil novi sub sole " . Julgamos preferível bordar sobre assunto de domínio universal a tentar criar banalidades , cujo único mérito seria a discutível e inédita criatividade . Se também as ideias não tiverem sido assimiladas por nós na profundidade necessária a uma transmissão proveitosa , muito o lastimaríamos , pois isso significaria o fracasso de nosso objetivo .
Se pudermos levar algum aluno-leitor a interessar-se pelo real significado transcendente ds Dez Quadros a ponto de desejar conhecê-los melhor , vivenciar intelectualmente seu conteúdo e , talvez experienciar Aqui e Agora o fulgor da própria Iluminação , alcançaríamos o máximo a que podemos esperar em tal caso .


10- Sentido da Iluminação   

Desde a mais remota Antiguidade , a palavra Luz parece ser o vocábulo mais expressivo para definir o supremo estado de consciência humana .
A antinomia Luz-Treva , Dia-Noite , Sabedoria-Ignorância está presente em todos os ensinamentos que tendem a religar o ser humano ao Transcendente , quer os mesmos pertençam ao final do século XX , quer façam parte dos mistérios esotéricos oriundos dos mais recuados tempos da História da Civilização .
Tudo o que sobrevive às mudanças , pertence ao acervo cultural de toda a raça , não sofre solução de continuidade , obviamente é algo inerente à espécie humana , uma herança arquétipa da qual o homem jamais poderá prescindir ou desfazer-se .
Mesmo no campo fisiológico , a plenitude do uso da razão , do discernimento , de todas as funções atribuídas ao cérebro ou à mente é chamada de " lucidez " , termo cognato de luz , de iluminação .
Considerando-se que a palavra Deus deriva da raiz sânscrita " div " , cujo significado é Luz , compreende-se que tentar penetrar nos arcanos religiosos é lidar continua e ininterruptamente com o nome Iluminação .
Todos os conceitos a ela ligados , provindos de egípcios , hindus , assírios , babilônios , persas , judeus , tântricos , cristãos , sufis , islamitas , mantém sempre a oposição Luz e ignorância , essa simbolizada pela treva , o estado do homem alienado de sua predestinação cósmica . Falamos em " conceitos " , mas tal não é nosso verdadeiro objetivo . Ao que visamos , é ultrapassar todo e qualquer conceito , mesmo aquele portador de uma conotação sublime .
Iluminar-se é impregnar-se totalmente do significado intrínseco , imanente da Luz . É nela imergir da forma tão profunda e integral , que não reste mais nenhuma brecha , nenhum resquício de separatividade , nenhum movimento mental a proclamar a identificação , ela mesma .
A menos que a Luz se torne o leit motif , a base e a estrutura da própria Vida , o homem não será completo , não terá atingido sua perfeita e verdadeira condição divina .
O florescer consciente na Luz implica um enraizamento anterior na ignorância . Só está em condições de " conhecer-se a si mesmo " quem saiba o que é treva , essa ignorância sem começo porque é o próprio cerne da Existência Cósmica . Seu fim , entretanto , depende exclusivamente da " percepção da Verdade Inata " .
Por que vamos repetir que a ignorância não teve início ?
Ela é o " estado falsamente natural " do homem , que nela vive mergulhado desde seu primeiro surgimento em forma corporal e continua ainda apesar de já haver vivenciado inúmeras existências terrenas . Libertar-se da treva é sua tarefa primordial , sua participação no Plano Divino concernente à raça e ao Planeta .
Labor aparentemente fácil e possível de ser realizado por todos , porém tão ignorado , tão diminuído em face das contingências materiais , tão insignificativo para a imensa e esmagadora maioria , que parece sempre uma temeridade bater sobre essa tecla .
" Através da experiência , a criatura transcende " , ensina Bhagwan Shee Rajneesh , buscando mostrar que somente os seres capazes de aceitar a Vida total , com seus erros e maldades , seus desvios e recaídas , seus vícios e misérias para deles extrair a pureza e a inocência virginal como uma transcendência do ser, jamais como uma imposição sócio-religiosa , ou um bloqueio , uma supressão antinatural pronta a explodir tal uma caldeira inaptamente graduada , atingem a Luz .
Não há , diz o Mestre hindu , nenhuma beleza em ver a Luz quando é dia . " Há beleza também , se , na mais trevosa das noites , teus olhos , já treinados para a escuridão , conseguem ver o dia ali oculto " .
" Se tu mesmo , afirma o Tantra , aceitando teus desejos até que , com a aceitação , sobrevenha a ausência de desejos " .
Completando esse aforisma tântrico , o sábio acrescenta : " E quando se súbito , chega um momento em que , aceitos totalmente , os desejos naturalmente se vão , há uma inesperada e inevitável Iluminação . De súbito , sem que nada tenhas programado , acontece " a maior dádiva que esta existência pode oferecer " .
Não se trata de um ajustamento aos padrões sociais , mas de uma total transformação , um estar pronto e apto para a harmonia com o Cosmos .
Somente quando a Luz interna começa a arder , o Iluminado pode iniciar seu trabalho junto aos outros homens , pois seu auxílio flui espontânea e oportunamente . Torna-se então " como uma flor desabrochada , dela o vento colhe a delicada fragrância para espalhá-la suavemente sobre a Terra " . Verdade Inata , a Luz não necessita ser buscada , trabalhada , criada , acesa , revelada , desenvolvida . É algo que o homem já possui dentro de si mesmo em sua total plenitude de fulgor , beleza e perfeição .
Ninguém se transmuta em Luz ; ela estava continuamente a brilhar no âmago do ser , oculta pelos véus da ignorância , pela ânsia de vida material , de ação , de glória , de permanência no conhecido .
O fundamental é a afirmação de que " já sou perfeito " . A Iluminação está ao alcance de todos . Aqui e Agora , não demandando tempo de espera , nem exercícios , nem sacrifícios , nem oferendas ou pagamentos Kármicos de qualquer espécie , nem afã ou interesse demasiados ou ansiedade , produtores de perturbações emocionais e permanência nas trevas .
É uma receita tão simples e fácil , que sua prática , sua aceitação plena , sua experiência integral repugnam a maior parte dos viventes . Preferem os ensinamentos clássicos , tradicionais , herança de um passado eivado de temor , de dogma , de ritos complicados e absurdos , de ideia de pecado e reparação distanciada no tempo e no espaço , da salvação vicarial , o fluir de um processo lento de semeadura e colheita , de transformação progressiva , com todas as prováveis reincidências ao oferecimento de uma eclosão súbita , de um despertar repentino para uma situação pré-existente desde sempre .
" A Luz está em ti , deixa-A brilhar " murmuravam os hierofantes egípcios aos ouvidos dos preparados para a recepção do esotérico ; do defenso aos satisfeitos com sua própria escuridão .
Os quadros do Touro objetivam sobretudo tornar viável este momento de implosão luminosa . A afanosa busca , a luta , o apascentar são o prelúdio a anunciar o instante imprevisto e repentino em que a Luz dissipa a treva , a Verdade , face a face com a ignorância , fá-la findar sua aparentemente interminável identidade com o ser humano .
Apesar do característico e essencial aspecto súbito do ato iluminatório , a retirada do véu da ignorância só pode ser concebida como um processo a fluir através do tempo . Esse termo apresenta aqui uma conotação extensíssima , uma abrangência de todos os eons , que compõe uma respiração cósmica , um dia de Brahma , o período compreendido entre uma determinada exalação vital do Universo e sua posterior inalação na Fonte Primordial donde haviam sido emanados .  
Relatam as escrituras secretas que um ser humano realmente integrado na Plena Luz do Vazio , um genuíno e total liberado da dualidade existencial tem o poder de realizar sozinho tal cometimento sem esperar que toda a Vida Manifestada em um Manvantara seja reabsorvida em seu Princípio Cósmico . Parece , no entanto tratar-se de casos extremos . Quando tal possibilidade é aventada , segue-se sempre um aviso sobre a inter-relação inseparável de Prajna e Karuna ( Sabedoria e Compaixão ) .
A Compaixão pelo estado de ignorância dos demais seres viventes , obstáculo a ser superado para que haja a identidade com a plenitude da Luz Única e indiferenciada , impede que isso aconteça . Retido por Karuna , o liberado em vida permanece como orientador e guia dos caminhantes em atraso , apesar de ter consciência de que não há nem jamais houve caminho , nem caminhante , nem caminhada nem meta alguma a atingir.
A Mente Búdica , nele e em todos os seres universalmente viventes , sempre foi , é e será de luminosa pureza , perfeita , absoluta . O equilíbrio harmônico entre Compaixão e Sabedoria é tão intenso , que não empalidece Prajna , mais a impregna totalmente , tornando uma impossibilidade cósmica uma saída individual da Roda de transmutações e também do Nirvana , que lhe é inerente .
Assim se percebe que o processo de Iluminação é ilimitado e infinito não só em sentido temporal-espaço-causal , como também em graus de profundidade e extensão .
Sonhar com a Iluminação repentina sem o anterior e básico treinamento é uma utopia somente alimentada pelos ineptos e débeis candidatos a um sucesso sem esforço , tenacidade e concentração . Toda a atividade criadora do Cosmos é um desmentido formal a essa expectativa não prevista por nenhuma doutrina oriental entre as inúmeras , cujo postulado máximo é a experiência da autoconfirmação búdica . Não se deve confundir o clímax de um processo lento e gradual com a inexistência ou não necessidade de um aprendizado , que nele deve ter não um fim absoluto e impossível , mas um deslumbrante , inolvidável , marcante momento de expansão , extraordinariamente revelador de um estado até então desconhecido .
A enorme diferença existente entre a vivência experiencial direta e inconfundível da Iluminação e os anteriores e precursores estados de consciência até então , sentidos pelo agora possuidor da plenitude da Luz é que impele a caracterizar tal instante sublime e , raras vezes repetido , como um abalo sísmico não previsto não programado , não ensaiado Porém , os terremotos podem surpreender os desavisados seres humanos que afrouxaram cada vez mais seus laços com o meio circundante ; aves , peixes e outros animais , bem mais sensíveis que os próprios sismógrafos , sentem e manifestam que a gestação telúrica chegou a seu término , e o fenômeno vai ocorrer com toda a sua terrível e brusca subitaneidade .
" Não há graduações na Iluminação . Desde que chega , aí está . É como saltar para um Oceano de sensações . Tu saltas ; tu te tornas uno com ele , como uma gota que tomba no Oceano , com ele se torna una . Mas isso não quer dizer que conheces todo o Oceano " .
Assim fala Bragwan Shree Rajneesh o guru de Poona . Tal explicação , em sua clareza concisa , vale por um tratado acerca do processo de Iluminação após o ato confirmatório . Elucida sobre a totalidade experienciada no instante justo da extinção do ego , condição sem a qual não existe findar da ignorância .
Aliás , esse sábio Mestre contemporâneo salienta a diferença básica entre os dois pontos da dicotomia existencial : a ignorância não teve começo , mas é passível de término . Por ser a característica básica de separativa dualidade cósmica , a ignorância é decisiva para manter em movimento a própria Manifestação Vital , pois sem Maya , o véu ilusório básico da separatividade entre os diversos e o Uno , não haveria experiência existencial , inerente que ela é do mundo do nome e da forma .
" A Iluminação , ao contrário , tem um princípio , mas jamais finda " . O autor da tão importante afirmação enfatiza ainda ser o ponto perigoso do magno e misterioso evento o instante crucial em que as duas oponentes misturam-se , confundem-se , unificam-se , isto é , " ambas são uma " .
Esse ponto entrelaçado possui então duas faces em oposição simbiótica : uma voltada para a ignorância sem princípio , a outra encarando o começo da infindável Iluminação , ambas unidas num derradeiro e definitivo nô , pois a existência da Luz nascitura marca o extinguir irremediável e fatal da treva . Parece-nos muito importante conhecer a probabilidade desse momento , fugaz e único , em que o faiscar da Iluminação , até aí embrionária , se produz de forma súbita , explosiva , total .
Ser definitiva e interminável é o paradoxal absurdo e o insolúvel mistério da Iluminação , cuja natureza e presença consciente provocam compreensão , paz equilíbrio , harmonia , perfeita sanidade e sintonia com o ambiente , em lugar do desespero e desilusão que seriam de esperar em tal circunstância e em face da condição humana sempre ávida da conclusões , de recompensas eternas , de celestiais fins .
Iluminado em plenitude , o ente humano " sabe " e " Saber " é conscientizar-se do mistério insolúvel e infinito sem nenhuma esperança de decifrá-lo , é admiti-lo como definitivo , é chegar ao extremo limite do intelecto , é atingir a compreensão pela ausência natural de pensamentos , é a identificação da personalidade total com o mistério total pela aceitação plena do mistério da Vida , é mergulhar num abismo sem fundo não através da mente , mas sim da totalidade do ser .
É o início sem fim , é a abertura sem fechamento , é o contínuo AVANTE a apontar para uma participação cada vez mais intima , mais exclusiva , mais existencial , tanto mais atraente e misteriosa quanto mais o ser sabe que , alcançando a Iluminação , jamais a atingirá em plenitude e onipotência .
Atingir um estado luminoso de consciência é estar face a face com um novo estado até então insuspeitado , imprevisto , improvável e jamais conclusivo .



Texto : do livro A Doma do Touro ( RAMANADI )
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