domingo, 5 de maio de 2019

" Que vos parece do Cristo ? "

CRISTIANISMO - CRISTICIDADE 

Antes de tudo , prevenimos o leitor que este livro não pretende justificar alguns dos numerosos tipos de cristianismo que , há diversos séculos , existem nos países ocidentais daquém e dalém-mar .
Damos plena razão a Nietzsche que , no princípio deste século , escreveu : " Se o Cristo voltasse ao mundo em nossos dias , a primeira declaração que faria ao mundo cristão seria esta : Povos cristãos , sabei que eu não sou cristão . "
Mahatma Gandhi respondia a todos os missionários cristãos que o queriam converter . " Aceito o Cristo e seu Evangelho , não aceito o vosso cristianismo . "
Albert Schweitzer , teólogo cristão e filho de um ministro evangélico escreveu :
" Nós injetamos nos homens o soro da nossa teologia , e quem é vacinado com o nosso cristianismo está imunizado contra o espírito do Cristo ."
Abraham Lincoln , um dos maiores presidente dos Estados Unidos , nunca se filiou a nenhuma das muitas igrejas cristãs que há nesse país , porque estava à espera da igreja do Cristo .`
Por que esta discrepância entre Cristo e cristianismo , da parte de pessoas espirituais e sinceras ?
Porque é impossível identificar o Cristo com alguma organização religiosa ; qualquer tentativa destas é necessariamente uma deturpação e uma falência .
Toda a organização é produto do ego , e esse é , por sua natureza ,egocêntrico , e por isso anti-crístico .
A única coisa que pode haver é uma  experiência crística individual , mas nunca uma organização cristã social . Diversas pessoas têm tido e têm experiência crística ; e onde há muita plenitude há necessariamente um transbordamento . Se houvesse muitos homens individuais com genuína experiência crística , o mundo social seria grandemente beneficiado por essa plenitude individual .
A cristicidade de muitos produziria , por via indireta , uma espécie de cristianismo social por indução .
Mas o que é impossível e contraproducente é que o espírito do Cristo seja expresso por uma organização qualquer , como o ocidente tem tentado inutilmente .
Disto sabia o Cristo quando preveniu os seus conterrâneos , dizendo : " O reino dos céus não vem com observâncias , nem se pode dizer ei-lo aqui , ei-lo acolá ! 
O reino dos céus está dentro de vós . "
Existem no Brasil três tipos principais de cristianismo : católico , protestante e espírita . Será que alguma dessas organizações certamente sinceras , pode ser identificada com a genuína mensagem do Cristo ? Teria o Cristo feito consistir a grandiosa mensagem cósmica do seu Evangelho em confissão , comunhão e missa ? Ou em ler a Bíblia de capa a capa e crer no sangue redentor de Jesus ?
Ou ainda em caridade e crença em sucessivas reencarnações ? Se assim fosse , seria Jesus um hábil codificador de preceitos e proibições , mas nunca esse gênio cósmico que foi o Cristo Real da história .
Radha Krishnan , antigo presidente da Índia , escreveu : " A religião da humanidade do futuro será a mística . "
A mística é uma experiência estritamente individual , que , quando organizada socialmente , deixa de existir , assim como vida encaixotada não é vida , luz engarrafada não é luz . É da íntima essência da experiência mística ser individual , o que todavia não impede que essa verticalidade individual se desdobre em horizontalidade social ; mas esse desdobramento ou transbordamento só acontece quando a experiência vertical atinge o zênite da sua plenitude .
O nosso mundo conturbado não pode ser sanado por nenhuma nova organização , religiosa ou civil ; somente a experiência mística de muitos pode beneficiar realmente a humanidade .
Toda a mística verdadeira e plena é irresistívelmente  transbordante e difusora ; se não for isto , não passa de misticismo , mas não é uma mística dinâmica .
O Cristo nunca organizou nada , nem no âmbito religioso da Sinagoga de Israel , nem no setor civil da política do Império Romano . A sua atuação foi exclusivamente indireta , por espontâneo transbordamento da sua própria plenitude , porque , como diz Paulo de Tarso , nele habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade .
Durante quase três séculos , do ano 33 até 313 , a cristandade das catacumbas vivia dessa cristicidade mística , sem nenhuma organização social . E foi este o período mais glorioso do mundo cristão , o período da verticalidade mística das catacumbas , cuja única saída era para o martírio no Coliseu .
Sabemos que no ano 33 , foi Jesus entregue à morte pelo beijo de um de seus discípulos - mas muitos ignoram que o mesmo Cristo , no ano 313 , foi assassinado pelo beijo de outro discípulo dele , o primeiro imperador cristão Constantino Magno . O beijo de Judas matou o corpo de Jesus - o beijo de Constantino matou o espírito do Cristo .

Judas versus Jesus . 

Constantino versus Cristo .     

O beijo com que Constantino Magno traiu o Cristo foi o Edito de Milão , do ano 313 , que pôs termo a três séculos de perseguição - mas com este benefício de discípulo preludiou séculos de malefícios de traidor : convidou os discípulos do Cristo a se integrarem na organização do Império Romano ; fez do cristianismo a religião oficial do Estado , uma religião estatal , defendida mediante armas , política e dinheiro - armas para matar os inimigos , política para enganar os amigos , dinheiro para comprar e vender consciências .
O Edito de Milão foi o fim de três séculos de cristicidade - e o princípio de muitos séculos de cristianismo , social , político , militar .
O cristianismo de Constantino continua até hoje no mundo oficial , das igrejas e de alguns governos .
Paralelamente , à sombra das catacumbas do silêncio e da solidão , continua em algumas almas a cristicidade dos místicos , cujos nomes não constam e cujas estátuas não figuram em praças e salões .


As páginas deste livro são dedicadas à cristicidade individual de alguns , e não ao cristianismo social de muitos . Os muitos condenarão este livro como heresia , e têm razão ; mas é precisamente este caráter herético a maior prova da sua autenticidade crística .
É sabido que a Europa moderna , sobretudo França , Alemanha , Inglaterra , abandonou praticamente o cristianismo tradicional das igrejas . Por isto os teólogos e missionários se voltam para os povos subdesenvolvidos e semi-analfabetos da América Latina , onde ainda é possível a aceitação do cristianismo teológico , como no tempo do Império Romano , quando esse cristianismo surgiu . Os países do Oriente não aceitarão jamais o nosso cristianismo em sua forma eclesiástica , porque a cultura filosófica milenar do Oriente é incompatível com as nossas teologias ; até hoje , após séculos de esforços missionários , não há 1% ( um por cento ) de cristãos nos países asiáticos .
A verdadeira mensagem do Cristo é perfeitamente compatível com a mais alta evolução cultural da humanidade - mas não com as nossas teologias cristãs .

A única chance de cristificar a humanidade é voltarmos à cristicidade da mensagem real do Cristo , que não está condicionada a tempo e espaço , mas é uma mensagem tipicamente extra-temporal e extra-espacial , porque , como dizia Tertuliano , toda a alma humana é crítica por sua própria natureza .
É neste sentido crístico que lançamos as páginas deste livro .

Com isto não condenamos as organizações eclesiásticas ou religiosas que aparecem com o nome de cristianismo . Sabemos que um grupo numeroso de pessoas necessita de uma religião padronizada , que eles passam encampar como norma moral . Essa religião padronizada pode ser considerada como uma espécie de corpo , mas não como a alma do cristianismo , que é o próprio Evangelho do Cristo .
Sendo a maioria das organizações religiosas constituídas de massas de pouca evolução , devem os membros delas crer o que podem crer , sabendo , porém , que a verdadeira mensagem do Cristo é algo infinitamente mais sublime ,consistindo na realização do Reino de Deus na vida diária .

Enquanto as crenças e práticas externas não impedirem a realização do Reino de Deus , podem elas ser toleradas ; mas , se alguém identificar com elas a alma da mensagem do Cristo , constituem impedimento para a realização do Reino de Deus sobre a face da terra.

Texto : Huberto Rohden                 

quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Você é parte integrante do cosmo . Tudo o que vem para você é o retorno de cada coisa que saiu de você .

Isso foi toscamente prognosticado por Freud e Jung , especialmente Freud com suas ideias de autopunição , desejos de morte etc . Ele sustentava que quando mergulhamos numa catástrofe é porque inconscientemente desejamos nos punir . Mas basicamente não confiava no inconsciente . Por isso dizia que o princípio da realidade existia num conflito irreconciliável com o princípio do prazer e que este conflito destruiria a civilização humana . 

Na verdade , um homem chamado Georg Groddeck é muito melhor neste ponto do que Freud . Em The book of the it ( O livro do it ) ele explica a mais extraordinária teoria do inconsciente . Através de toda ela mostra uma fé inabalável no inconsciente e na sua sabedoria . O livro é escrito em forma de cartas de um gnomo para uma menina . Um amigo a quem o emprestei anos atrás disse após-tê-lo lido : " Nunca mais terei medo de ficar novamente doente . " Pois Groddeck mostra que a doença não é realmente uma enfermidade , mas um sintoma dela , o inconsciente , tentando curar você .
Portanto , assim como ninguém pode curar uma febre simplesmente tomando quinino porque isto impede a febre de continuar , talvez não consigamos curar todos os tipos de doenças até que compreendamos que o inconsciente as está usando de maneira construtiva .
Freud procurava por alguma coisa parecida : a noção de que existe em nós uma inteligência maior do que a inteligência do consciente que opera de maneira inconsciente .
Note a escolha das palavras . Por que Freud não disse " superconsciente " ? Porque o clima das opiniões na época em que ele viveu insistia que tudo " abaixo " da razão consciente humana era uma estupidez , que a simples matéria , a energia cega , tinha tirado Deus do trono dos céus . Mas Freud sabia que não podemos eliminar o inconsciente como uma parte da nossa vivência essencial , do nosso ser . 

do livro : OM MEDITAÇÕES CRIATIVAS pág - 57 e 58   

domingo, 28 de outubro de 2018

Breves Considerações Sobre o Tempo e o Espaço Sagrados  

Alcançar o " verdadeiro eu " é uma tarefa que pode não ser fácil por uma série de razões .
Por que é assim tão difícil ? Um dos motivos é que nós vivemos " dentro " do espaço e do tempo .
Não é difícil encontrar a resposta , o difícil é compreendê-la . O problema é que , apesar de o tempo e o espaço serem aparentemente algo " externo " , como fatos concretos , no final das contas eles também estão profundamente arraigados no mundo " interno " da mente . Podemos imaginar que o mundo " externo " é comum ou profano e o mundo " interno " , embora quase sempre ligado a acontecimentos concretos , é como um fluxo sagrado de tempo na sua essência . Algumas vezes , esse fluxo sagrado não corre na mesma " velocidade " que o ritmo do relógio .
O professor da Universidade do Texas , E. C. G. Sudarshan , conta o seguinte mito retirado do texto Vishnu Purana que ilustra essa conexão :

                No Vishnu Purana , há um mito sobre um sábio chamado Nárada , que pede a Vishnu para explicar por que as pessoas são iludidas a viver no tempo profano quando sempre puderam viver no tempo sagrado . Vishnu se dispõe a responder essa pergunta , mas pede a Nárada que antes vá pegar um copo d"água . Nárada vai à casa mais próxima e pede um copo d"água . Uma jovem muito bonita e atraente abre a porta .
Nárada é completamente cativado pelo seu charme e , esquecendo-se do copo d"água e de seu voto de castidade , ele corteja a moça e pede sua mão em casamento . Depois do casamento , passam a morar juntos , e , quando chega a hora certa , têm dois filhos com um ano de diferença .
                Sua vida é feliz , até que uma inesperada enchente destrói toda a vizinhança , inclusive seu lar . Eles tentam fugir , mas a enchente aumenta e a correnteza se torna cada vez mais forte , a ponto de carregar primeiro um filho , depois o outro , e , por fim , sua esposa . Nárada mal consegue se segurar na árvore e está em estado profundo de choque por causa da tragédia que se abateu sobre ele . Então , enquanto espera , ele ouve a voz de Vishnu perguntando " onde está meu copo d'água ? " , pois ainda está com sede . Nárada , então , percebe que durante todo esse tempo ele esteve parado no mesmo lugar e apenas alguns minutos haviam se passado !

Muitos já experimentaram , em algum momento da vida , a sensação inigualável de que o tempo passou rápido de mais ou , talvez , muito lentamente .
Eu sei que quando me sento para escrever um livro como este , por vários minutos eu me esforço para começar , mais assim que encontro o meu ritmo e as palavras começam a fluir , perco totalmente a noção do tempo . As horas passam , e eu simplesmente não sinto isso acontecer . Por outro lado , o tempo parece andar muito devagar quando me envolvo em alguma situação embaraçosa ou quando vou ao dentista e escuto o som da broca . Os cientistas , e em particular os psicólogos , chamam essa experiência relativa do tempo de " tempo subjetivo " .
O tempo objetivo , ao contrário , é " aquilo " que acreditamos ser medido pelos relógios e por ritmos ou frequências . Na realidade , todos os relógios funcionam por meio de ritmos comparados ; eles representam um tempo objetivo pelo simples fato de contarem repetições . Pode não parecer , mas sem dúvida o que ocorre é uma comparação de ritmos Por exemplo : se preferir contar o número de oscilações de um pêndulo , como vez Galileu certa manhã muito tempo atrás , durante a missa dominical , ao observar o balanço de um lustre , você estará , na verdade , comparando o número de oscilações que vê com seu próprio ritmo interno subjetivo , por exemplo , as batidas do seu coração ou o número de vezes que pisca os olhos ou até mesmo o número de vezes que uma palavra surge em sua mente . Pense sobre o assunto . Como saberemos que um pêndulo serve para ser um " bom " relógio - um que sustente o tempo " verdadeiro " - se não for por meio da comparação ? ( Note como os adjetivos " bom " e " verdadeiro " surgem com sutileza nesse contexto . ) Nós certamente comparamos um relógio de origem duvidosa com outro que confiamos marcar o tempo bom . Mesmo assim , embora ajustemos nosso relógio a partir de um contador de tempo confiável , em muitos casos acabamos percebendo que os relógios mecânicos estão incorretos ao compará-los com a nossa noção interna de tempo .
A mente humana é capaz de discernir diferenças dentro de uma ampla gama de ritmos , desde a incrivelmente rápida vibração de um cristal de quartzo em um relógio até a jornada anual da Terra em torno do Sol , e , baseada nessas diferenças , constrói uma " linha do tempo " objetiva , uma imagem ou extensão de tempo que todos nós vemos e com a qual concordamos . Para fazer essas comparações , é preciso uma noção de tempo subjetiva , interna .
Contudo , como vimos ao analisar as cinco flutuações da mente no capítulo um , essa noção de tempo talvez seja uma ilusão que nos faz acreditar que alguma coisa que aconteceu está acontecendo agora ou acontecerá novamente . No final das contas , essa conexão interna e talvez ilusória dada a nós pelo grande Deus do tempo é a primeira corrente que nos prende ao tempo e ao espaço e nos sujeita ao tempo . Sem essa conexão , as vibrações da música e do som não teriam o poder de nos cativar , nem o Sol poderia nascer .
Além disso , não haveria maré alta e baixa nem mudança entre as estações do ano . Mesmo assim , apesar do fato de esses ritmos naturais serem cíclicos , nós do Ocidente os interpretamos como algo bem diferente . Aprendemos a mapeá-los linearmente ,insinuando que , apesar de haver uma repetição , eles nunca ocorrem exatamente da mesma maneira . Mas que coisa é essa que está mudando ? Essa noção de que algo muda nos proporciona uma sensação que rotulamos de " passagem do tempo " e apreendemos a enxergar essa experiência em termos de linearidade .

Linha do Tempo             

A noção de tempo linear é uma construção objetiva da mente humana que está particularmente arraigada na forma como os ocidentais encaram a vida .
Nós do Ocidente damos mais valor ao tempo contado pelo relógio objetivo , ou mecânico , do que ao senso de tempo interior , subjetivo . No final , reduzimos todas as sensações subjetivas de tempo a uma mera linha objetiva que todos concordaram seguir . Mesmo assim , nosso senso de tempo interior , subjetivo , é tão real quanto qualquer outra sensação que possamos ter . Acreditamos que , por não ser possível medi-lo , então não pode ser real . Mas o que pode ser mais real para nós do que o senso de tempo interior sem o qual não seria possível sentir variações rítmicas como a música e até mesmo a frequência de nossos pensamentos e sentimentos ? É provável que não sejamos capazes de compará-lo com o senso temporal de outra pessoa , mas não é por isso que essa experiência seja menos real .
Abandonamos nosso senso de tempo interior não em razão dos ensinamentos do Gita , mas para substituí-lo por um senso externo e mais amplamente aceito que chamamos de tempo do relógio . Ainda assim , o tempo linear do relógio não é , de fato , mais " externo " que o tempo subjetivo . Ele também é abstrato e imaginário . Mas , a partir desse fio ou linha de tempo imaginária e objetiva , criamos uma enorme quantidade de inovações criativas e tecnológicas . Criamos , por exemplo , a semana de 40 horas de trabalho , as jornadas das 9 às 17 horas , a rotina , as férias de duas ou três semanas , as oportunidades iguais de emprego , a mesma carga horária para todos os empregados , a hora extra , o corpo mole e assim por diante . Já no campo das invenções tecnológicas , quase todas , no fundo , utilizam o tempo linear . Afinal , o que são essas invenções além de formas de economizar tempo para que , assim , possamos aumentar nossa produtividade semanal , mensal e anual , ou ainda , para nos ajudar a usufruir do tempo extra que ganhamos ?
Andamos em uma corda bamba que se estende desde o momento do nosso nascimento até o nosso último suspiro . Essa noção linear de tempo parece fazer sentido para nós e não há dúvida de que parece ser igualitária e " real " ; no entanto , ela existe , em última análise , graças a uma percepção subjetiva . No interior da mente , existe um senso de tempo que nos diz , mesmo sem ter um relógio no pulso , o que é muito demorado e o que não é . Nós aprimoramos essa capacidade para sermos aptos a realizar uma série de tarefas diárias , desde esperar na fila do caixa da mercearia até escovar os dentes antes de dormir .
Relógios e calendários certamente foram inventados para mostrar esse senso de tempo interior , tornando possível o ato de comparar . Se não comparássemos o tempo do relógio com o nosso senso de tempo interior e subjetivo , não teríamos como avaliar a diferença entre sonhos e fantasias da realidade , que neste momento acreditamos estar vivendo .
Sem esse senso de tempo interior , não seríamos capazes de avaliar o tamanho de um polegar ou o peso de uma árvore , para citar alguns exemplos mais sofisticados , a altura de um arranha-céu , a altitude de voo de um jato comercial moderno ou a distância até o Sol e até outras estrelas e galáxias . Nossa sensação temporal interna nos permite entender e mensurar o espaço simplesmente porque é preciso tempo e repetição para que isso aconteça . Pode até parecer que você não esteja repetindo nada ao usar seus olhos para medir o tamanho do seu polegar com uma fita métrica , mas a luz que chega aos seus olhos resume-se a uma série de frequências , e essas rápidas repetições , por sua vez , são as responsáveis pelo sentido da visão .
Muitas outras sociedades ocidentais também desenvolveram uma ideia linear de tempo . Na verdade , de uma forma ou de outra , em certo momento , com um pouco de dificuldade , todas as civilizações adotaram ou formaram um conceito linear de tempo , que desse forma às suas atitudes e que permitisse que eles tivessem uma perspectiva histórica e antecipassem o futuro . O professor Sudarshan lembra que as duas grandes civilizações da Ásia , a chinesa e a indiana , não encaravam o tempo da mesma forma que as civilizações ocidentais . Os chineses mantinham uma cronologia meticulosa , mas valorizavam o tempo ancestral mais que o tempo presente . Os ancestrais mais próximos eram considerados altamente honrados e a missão do indivíduo era trabalhar arduamente pelo bem da sociedade . Enquanto o povo trabalhasse duro e não se esquecesse de seus ancestrais , a sociedade progrediria e a vida seria boa para todos . A sociedade indiana , por outro lado , " parece entender que a forma como o tempo é sentido depende do estado de consciência do indivíduo e , portanto , o tempo funciona com uma variedade de maneiras subjetivas . Sendo assim , a cronologia na Índia é algo em que não se pode confiar , em termos de linearidade objetiva , e a maioria dos acontecimentos simplesmente ocorreu ' muito tempo atrás ' " . Isso quer dizer que a mente indiana não encara o tempo como uma simples armação imaginária , ou seja , algo projetado pela mente " exterior " como um esqueleto ou uma estrutura sobre a qual as situações verdadeiras do mundo são medidas e comparadas. Em vez disso , o tempo existe de forma integrada ao espaço e à matéria é inseparável deles , ou seja , ele pode ser mudado de maneira não-linear .


Ciclos e Sonhos          

Os chineses e indianos não são os únicos povos a encarar o tempo de forma diferente à dos ocidentais . Em um capítulo do meu livro The Dreaming Universe , escrevo sobre os povos aborígenes da Austrália . W . H . Stanner , em seu livro White Man Got No Dreaming , fala sobre o " Tempo do Sonho " , ou Alcheringa , da tribo Arunta ou Aranda , que foi revelado para o mundo pelas mãos de dois ingleses : o antropólogo Baldwin Spencer e o pesquisador Frank Gillen . Stanner prefere chamá-lo de " O Sonhar " ou simplesmente " Sonhar " . O " Tempo do Sonho " é um termo curioso , mas , por incrível que pareça , não é originário dos povos aborígenes australianos . Na verdade , a expressão foi cunhada por Gillen , em 1896 , depois de tentar entender o conceito aborígene de tempo , e foi usada por Gillen e Spencer em seu trabalho de 1899 , considerado clássico hoje em dia . Para os aborígenes , Alcheringa não significa exatamente tempo do sonho , e está mais para lei ou compreensão sagrada da vida . Mesmo assim , o tempo está inserido nessa concepção .
O " Tempo do Sonho " se refere , primeiramente , a uma época de heróis que viveram antes da existência da natureza e do homem na forma atual . Uma época distante , como nas histórias que começam com " Era uma vez . . . " . Ou seja , nem o tempo nem a história estão , na realidade , pressupostos no significado do sonhar . O tempo , como um conceito abstrato e objetivo , não existe nos idiomas aborígenes . O sonhar não pode ser compreendido em termos de história também . O sonhar se refere a um estado complexo que não tem relação nenhuma com a descrição ocidental linear do tempo e com as formas lógicas de pensar do Ocidente .
De acordo com o estudioso australiano W . Love , os primeiros povos aborígenes australianos , quando chegaram à Austrália entre 40 mil e 120 mil anos atrás , encontraram uma fauna e uma flora bem diferentes das que conheciam em seu próprio território . Essa macro fauna , como Love a chama , tornou-se , nos mitos e lendas , os animais do " Tempo do Sonho " , suas histórias tornaram-se modelos para o comportamento dos homens , e suas imagens foram sacralizadas em relíquias cerimoniais . Stanner explica que um aborígene costuma considerar que o seu totem ( ou o lugar de onde veio o seu espírito ) é o seu " sonhar " . Também é comum ele considerar como se a lei da tribo fosse o seu " sonhar " .
Segundo um outro especialista , Ebenezer A . Adejunto , o " Tempo do Sonhar " não era apenas uma fantasia do povo aborígene " . Ao contrário , os sonhos têm tanto significado para eles quanto têm hoje em dia para psicólogos e psiquiatras . 
Os mitos do " Tempo do Sonhar " contêm registros associados a certos lugares geográficos , interesses sociológicos e experiências pessoais . Já que os aborígenes reencenam as histórias do " Tempo do Sonho " por meio de rituais , podemos deduzir que o passado , presente e futuro coexistem no " Tempo do Sonho " como se fossem mundos paralelos de experiência . Juntos , esses domínios formam a realidade , na qual a nossa sensação de tempo presente é meramente uma pequena parte .
O " Tempo do Sonho " é eterno e atemporal , como também os espíritos do povo ligados a esse mundo : eles estão no passado , estarão no futuro , no coração e na mente das crianças que ainda não nasceram , e estão agora no coração e na mente do povo da nossa terra . Os aborígenes encaram seu povo e toda a humanidade dessa forma . Não há divisão entre tempo e eternidade ; todo o tempo é , na essência , tempo presente . Para manter essa consciência viva , é preciso cantar e dançar , e esses atos criativos passam a ser a reencarnação repetida do espírito , reencenada por meio de incontáveis repetições de formas humanas . Ao se manter a par das histórias e lendas , o espírito vivencia uma sensação verdadeira de que está registrando seu próprio percurso na vida , seu caminho e padrão ao longo do tempo histórico .
Essa reencarnação funciona como uma solução para a alienação dos homens sobre seu próprio planeta . Somos todos totalmente dependentes da Terra para sobreviver . A cultura aborígene não enxerga a natureza separadamente , como faz o mundo científico do Ocidente , que se ajusta à vida no planeta por meio da ciência aplicada . Em vez disso , ela se vê como parte da natureza .
Os aborígenes australianos da atualidade conhecem bem o tempo linear , e , mesmo assim , ainda se referem ao tempo de sua própria maneira original .
Portanto , suas construções gramaticais em inglês podem parecer esquisitas aos ouvidos ocidentais , mas eu garanto que a forma como usam o inglês está correta , de acordo com sua própria noção de tempo . É como se diz o poema que um " camarada " negro já de idade contou para Staller :

                White man got no dreaming .                     Homem branco não tem sonhar
                  Him go " nother way " .                              Ele vai por " outro caminho " .
                  White man , him go different .                    O homem branco , ele vai diferente .
                  Him got road belong himself .                     Ele acha que a estrada pertence a ele .


O tempo para os aborígenes é algo bastante concreto ; é baseado nas observações que fazem dos ritmos da natureza , como as estações do ano e os ciclos lunares e solares . Portanto , o tempo é marcado não por pontos em uma linha que se estende de menos infinito para mais infinito , como na concepção newtoniana do mundo , mas sim por ciclo : o tempo é contado por meio de recorrências de ciclos . O tempo de fatos rotineiros é marcado pela posição do Sol . Nativos do centro da Austrália marcam o tempo em " sonos " ; eles dizem que votarão para um lugar depois de muitos " sonos " ou noites . A duração do tempo é marcada por todos os processos do dia-a-dia . Por exemplo : uma hora pode ser marcada pelo tempo que leva para cozinhar um inhame . Um momento pode ser o piscar dos olhos de um caranguejo . Períodos mais longos podem ser contados pela duração de uma determinada viagem . Sendo assim , os calendários não são definitivos . O importante é o tempo concreto do " agora " .
Quando o tempo é entendido como algo circular e sagrado , ele parece ter uma qualidade imagética . Essa qualidade não é exclusiva dos povos aborígenes .
Acredito que toda a humanidade sente essa qualidade imagética do tempo .
Mas nós do Ocidente tendemos a desprezar essa percepção subjetiva ao escolher seguir uma concepção linear . Gosto de pensar sobre essa qualidade imagética como se fosse uma grande roda que gira ao longo da linha reta imaginária de nosso tempo linear . 
    
                                                  
                                                             
            
             
 texto : do livro Viagem no Tempo ( autor Fred Alan Wolf PH. D . )
Pág 35 a 41 .              

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Reconheça o Seu Eu Autêntico 

Osho ,
Você pode , por favor , dizer algo sobre a diferença entre a questão espiritual " Quem sou eu ? " e o trauma psicológico " Quem sou eu ? "

Trata-se da diferença entre o ego e o eu .
O ego é a sua falsa ideia de quem você é ; ele é simplesmente um produto da mente . Ele é o seu próprio conceito caseiro feito pela mente , mas não existe uma realidade que lhe corresponda . Ele é perfeitamente bom no que se refere ao mundo , porque neste você está tratando com outros egos . No momento em que você vai além da sua mente , você também vai além do seu ego , e de repente você percebe que não é o que sempre acreditou ser - que sua realidade é completamente diferente , que não consiste de seu corpo ou de sua mente , que na verdade você não tem palavra que possa expressar.
Mas esta ainda não é a realidade suprema ; ela encontra-se exatamente no meio , entre a realidade suprema e a falsidade suprema . Ela é melhor do que o falso , mas se encontra abaixo do que o realmente verdadeiro é . Você ainda carrega dentro de si uma certa ideia de estar separado da existência . Essa separação impede que você fique receptivo a todas as bençãos que são seu direito inato . Se puder abandonar essas paredes , abrindo-se para a imensidão da realidade , você desaparecerá como uma entidade separada .
Mas esse é apenas um lado ; do outro lado você surgirá como a eterna , a imensa , a vasta realidade - a experiência oceânica , que é a única experiência de iluminação ou libertação .
Primeiro você deve livrar-se do ego . Este é o seu trauma psicológico , ou melhor , seu drama psicológico . Existem religiões que aceitam o falso ego como o fim de tudo , nada mais existindo além dele . Essa é a religião de todos os ateístas das diferentes tendências - o comunista , ou o ateísta que não é comunista . . . qualquer tipo de ateísta não vai além do ego ; este é a sua realidade suprema .
Ele é o homem mais pobre do mundo . Todas as outras religiões , exceto o ateísmo - porque também considero o ateísmo como um tipo de religião , uma forma de religião inferior às outras - o cristianismo , o judaísmo , o islamismo vão um passo além . Todas insistem em abandonar o ego e em reconhecer a sua realidade autêntica , seu eu verdadeiro .
Mas existem religiões como o Zen que vão até o próprio fim da estrada .
Não se satisfazem apenas em abandonar o ego . Elas se dão por satisfeitas apenas quando não resta mais nada para ser abandonado - até mesmo o eu se foi - a casa está absolutamente vazia , você pode dizer : " Eu não sou . "
Esse nada está criando o espaço em que o supremo pode florescer . Ele não vem de algum outro lugar . Ele sempre esteve presente ; apenas atravancado com móveis imprestáveis , com coisas desnecessárias . Quando você remove todas essas coisas e a sua subjetividade fica vazia - da mesma forma que um quarto fica vazio quando você remove tudo para fora - nesse vazio da sua subjetividade , a flor da experiência suprema floresce .
Você já não é .
Naturalmente você não pode mais ter suas velhas misérias , seus velhos traumas e dramas . Você não pode ter qualquer conecção com o seu passado ; você abruptamente se separou de tudo o que costumava ser . De repente , uma abertura nova e totalmente diferente - de certa maneira , você desaparece . De certa maneira , sua essência autêntica tem a primeira oportunidade de desabrochar em sua máxima glória , em seu absoluto esplendor .
Isso é a iluminação . É um processo negativo : negue o ego , o psicológico ; negue o eu , o espiritual .Continue negando até que nada reste para ser negado , e a explosão . . . E de repente você chegou em casa - com a revelação de que você nunca esteve fora de casa ; você sempre esteve lá , mas os seus olhos estavam focados em objetos . Agora , todos esses objetos desapareceram . Restou apenas um testemunhar , pura consciência .
Esse testemunhar é o fim de todos os seus tormentos , de todo o seu inferno . É também o começo do portal dourado - as portas estão abertas pela primeira vez .
Dois ratos brancos estavam batendo um papo através das grades das gaiolas do laboratório . " Diga-me " , disse o primeiro rato branco , " como você está se dando com o Dr. Smith ? "
" Muito bem " , responde o segundo rato . " Demorou um pouco , mas eu finalmente o consegui treinar . Agora , sempre que toco o sino , ele traz o meu jantar . "
Este é um mundo tão estranho ! O psicólogo , Dr. Smith , deve estar pensando que ele está treinando os ratos , e os ratos estão pensando que eles estão treinando o Dr. Smith ! Os jogos do ego . . . A esposa pensa que está treinando o marido . Todas as esposas estão treinando os maridos , durante toda a vida ; os maridos estão treinando as esposas . Parece que a vida se resume em treinar e ser treinado - para quê ?
Uma mulher foi visitar Pablo Picasso . Ela queria um retrato ; o retrato foi feito . Ela estava absolutamente satisfeita . Ela disse : " Apenas uma coisa - você esqueceu-se de pôr grandes diamantes ao redor de meu pescoço , um grande anel de diamante , braceletes de diamantes . "
Picasso disse : " Mas você não os tem " . Ela disse : " Não importa . Eu estou com câncer e não vou viver mais do que seis meses . E sei que meu marido vai se casar imediatamente depois que eu estiver morta . Ele está apenas esperando pela minha morte , embora ele diga continuamente : " Minha querida , eu não serei capaz de viver um único momento sem você . " Eu sei que ele será incapaz de viver um único momento sem mim - ele imediatamente encontrará outra mulher !
Picasso disse : " Eu não compreendo a relação entre o que você está dizendo e os diamantes . "
Ela disse : " Você não entende a mente feminina . Eu quero que o meu retrato , depois de minha morte , seja visto pela mulher com quem meu marido vai se casar . Então ela o torturará , ' Onde estão esses diamantes ? ' Eu não o posso deixar , mesmo se eu estiver morta . Ele tem que ser treinado , ele tem que ser mantido sob controle . " Grande ideia !
As pessoas esqueceram completamente de viver . Quem tem tempo ? 
Todos estão treinando a todos como devem ser . E ninguém parece chegar a um nível satisfatório , nunca .
Se quisermos viver , devemos aprender uma coisa : a aceitar as coisas como elas são e a nós mesmos tal como somos . Comece a viver . Não comece a treinar para uma vida em algum futuro distante . Toda a infelicidade do mundo é criada porque você esqueceu completamente de viver ; você se envolveu em uma atividade que nada tem a ver com a vida .
No momento em que você se casa com um homem , você começa a treiná-lo a ser fiel . Viva enquanto ele for fiel - isso não durará mais do que duas semanas ; duas semanas é o limite humano ! Viva o mais profundamente possível - talvez o seu viver e amar profundamente possam ajudá-lo a permanecer fiel também na terceira semana . E nunca projete demais ; três semanas é o bastante .    
Minha própria experiência é que se você viveu três semanas amorosamente , a quarta semana será uma consequência . Mas você começa a perturbar as coisas desde o primeiro momento : antes de você começar a viver , o treinamento se faz necessário ; você destrói o tempo disponível através do treinamento , e um homem que poderia ter amado você no mínimo por duas semanas , fica entediado em menos de dois dias .
Uma mulher nunca havia se casado . E quando ela estava para morrer , um amigo perguntou : " Por que você nunca se casou ? Você é tão bonita . " 
Ela disse : " Qual é a necessidade ? Tratando-se de treinamento , eu treino meu cachorro , e ele nunca aprende ! Todos os dias eu treino , e ainda assim ele chega tarde à noite . Tenho um papagaio que me diz tudo aquilo que se espera que um marido diga . De manhã ele diz : " Alô querida ! " Tenho uma empregada que rouba , que mente continuamente . Que necessidade tenho de um marido ? Tudo está sendo satisfeito . " É necessário um marido para essas três coisas ? 

Uma esposa é necessária , não para ter uma experiência de intimidade e amor , mas para exibi-la ; apenas para mostrá-la pela vizinhança e deixar todos com ciúmes por você ter uma mulher tão bonita . Cubra-a com ornamentos e faça com que todos invejem sua riqueza ; do contrário , como você vai mostrar a sua riqueza ? Uma esposa é uma vitrina ; ela exibe as suas conquistas , o seu poder . Naturalmente , você tem que treiná-la como se tornar mais social , como o auxiliar em seus negócios .
O ditado , " por trás do sucesso de todo grande homem existe uma mulher " , parece ser perfeito , em muitos sentidos . Algumas vezes apenas para fugir da mulher o homem torna-se loucamente envolvido em ganhar dinheiro .
Quando perguntaram a Henry Ford : " Por que você continuou ganhando e ganhando dinheiro , quando você já tinha ganho tanto ? Era hora de desfrutar e relaxar . "
Ele disse : " Essa não era a razão de ganhar . Eu estava envolvido em ganhar primeiro para fugir de minha esposa , e em segundo lugar , quis ver se eu podia ganhar mais ou ela podia gastar mais . " Uma competição , uma competição por toda uma vida !
As pessoas se envolvem em dramas estranhos . Muito poucas vivem autenticamente - elas apenas representam .

Um homem está sentado no cinema , e a esposa está continuamente fazendo-o notar quão profundo é o amor que o herói demonstra pela esposa .
Finalmente o marido diz : " Pare com toda essa tolice ! Você não sabe o quanto ele é pago para isso ! E , além do mais , ele está somente representando ; isso não é real . Eu certamente diria que ele é um bom ator . "
A esposa disse : " Talvez você não saiba que na vida real , eles também são marido e mulher . "
Ele disse : " Meus Deus ! Se isso for verdade , ele é o ator mais notável que eu jamais vi ; porque , até mesmo no palco , mostrar tanto amor pela própria esposa está simplesmente além da capacidade humana . Em termos de representação , ele é um gênio . "

As pessoas pensam que o amor é apenas para os atores . Foi observado por psicanalistas que as pessoas ficam sentadas diante de suas televisões durante horas . Em média um americano assiste T.V. seis horas por dia - essa é a média . Deve haver alguns maníacos assistindo T.V. por nove horas , dez horas ,doze horas . Muito lentamente , assistindo filmes de cinema , assistindo televisão , assistindo jogos de futebol , assistindo torneios , as pessoas vão se tornando simplesmente observadoras ; elas não amam . Algum ator ama ; elas simplesmente assistem . Elas não jogam , algum jogador profissional joga ; apenas assistindo tudo .Mas assistir e fazer são totalmente diferentes . Elas sentem-se completamente satisfeitas por terem visto um lindo filme de amor .
Elas estão completamente satisfeitas por terem visto um grande torneio de box . E elas próprias são meras espectadoras .
É uma grande calamidade que milhões de pessoas tenham sido reduzidas à condição de espectadores . E aqueles que estão sendo observados são atores .
Eles não estão vivendo um amor autêntico , mas estão sendo pagas para isso .
Elas são especialistas em enganar as pessoas , em fingir que o que estão fazendo é verdadeiro . Mas suas lágrimas são falsas , seus sorrisos são falsos , seu amor é falso , sua raiva é falsa . Que tipo de mundo criamos ? Os que fazem , estão todos representando porque são pagos para isso , e o resto do mundo , os que não fazem , estão simplesmente assistindo .
Você está aqui para viver .
Você está aqui para dançar . Você está aqui para experienciar a vida .
Outros estão fazendo isso por você . Em seu lugar , pessoas estão amando , pessoas estão brincando , pessoas estão fazendo todo tipo de coisas . E o que sobra para você ? - apenas assistir . A morte não poderá tirar muito de você - apenas a sua televisão , porque você não tem nada mais .
É este ego falso que criou um padrão e um estilo de vida falsos .
Abandone tudo o que é falso .
Seja autêntico e verdadeiro , esse é o primeiro passo . E uma vez que você seja autêntico e verdadeiro , você verá o quanto é belo . E isso criará o anseio de ir além , em busca da verdade suprema , do estado último e da experiência última , além do que , nada mais existe .

Um cirurgião famoso fez um safári na África . Quando voltou , seus colegas perguntaram-lhe como tinha sido . " Ah , foi uma grande desilusão " , disse ele . " Eu não matei nada . Teria sido melhor se eu tivesse ficado aqui no hospital " .

Quinze minutos depois que o Titanic afundou , Maury e Louis encontram-se no mesmo barco salva-vidas virado . A água está geladíssima , tubarões estão circulando por perto e o barco está afundando lentamente . " Bem " , disse Louis , " poderia ter sido pior . "
" Pior ? Como poderia ter sido pior ? " , gritou Maury .
" Bem , nós poderíamos já ter comprado as passagens de volta ! "

As pessoas são praticamente loucas - uma tremenda limpeza é necessária - e a maioria de suas insanidade é causada por suas vidas falsas ; vidas que não o preenchem . Comida falsa não o pode alimentar , água falsa não pode saciar a sua sede . E um ego falso não pode lhe dar uma vida autêntica . Isso é uma simples aritmética .






do livro : Além das Fronteiras da Mente ( pag. 20 a 25 )             
            
   

  Autor : Osho 

sábado, 1 de setembro de 2018

Como Conhecer Deus !

Aforismos iogues de Patanjali 

1. A IOGA E SEUS OBJETIVOS

Ioga significa basicamente "união " . É o antecedente sânscrito da palavra inglesa yoke { jugo , par ,aquilo que une } . Daí , vem a significar método de união espiritual . A ioga é um método - um entre muitos - pelo qual a pessoa pode ligar-se à Divindade , à Realidade que subjaz ao universo aparente , efêmero . Atingir esta união é alcançar o estado da ioga perfeita . O cristianismo tem um termo equivalente , " a união mística " , que expressa idéia análoga .
Bhoja , um dos comentarista clássicos deste aforismo , define o uso da palavra ioga por Patanjali como " um esforço para separar o Atman ( a Realidade ) do não-Atman ( o aparente ) " .
Quem pratica a ioga chama-se ioguim .

2. A ioga é o controle das ondas de pensamento da mente .  

Segundo Patanjali , a mente ( chitta ) é formada de três componentes , manas , buddhi e ahamkar . Manas é a faculdade de registro que recebe as impressões captadas do mundo exterior pelos sentidos . Buddhi é a faculdade discriminatória que classifica estas impressões e reage a elas .
Ahamkar é o senso de individualidade que reivindica essas impressões como suas e as armazenas sob a forma de conhecimento pessoal . Por exemplo , manas diz : " Um grande objeto animado aproxima-se rapidamente " . Buddhi decide : " Aquilo é um touro . Está furioso . Quer atacar alguém " . Ahamkar exclama : " Quer atacar a mim . Patanjali . Sou eu quem vê este touro . Sou eu quem está apavorado . Sou eu quem está a ponto de fugir " . Mais tarde , dos galhos de uma árvore próxima , ahamkar talvez acrescente : " Agora eu sei que este touro ( que não sou eu ) é perigoso. Outros existem que não sabem disso ; é o meu conhecimento pessoal que me levará a evitar este touro no futuro " .
Deus , a Realidade subjacente , é onipresente por definição . Se a Realidade afinal existe , deve estar por toda a parte , deve estar presente em toda a criatura sensitiva , em todo objeto inanimado . O Deus que a criatura traz dentro de si é conhecido na língua sâncrita como Atman ou Purusha , o Eu real . Patanjali refere-se a todo momento a Purusha ( que significa literalmente " a Divindade que mora dentro do corpo " ) , mas nós , ao longo desta tradução , substituiremos este termo por Atman , usados nos Upanishads e no Bhagavad-Gita , sendo provável que os estudantes estejam mais familiarizados com ela . Segundo os Upanishads e o Gita , o uno Atman acha-se presente em todas as criaturas . Segundo a filosofia sanquia , Patanjali acreditava que toda criatura e objeto singular tem o seu Purusha específico , conquanto idêntico . Este ponto de desacordo filosófico não tem importância prática para o aspirante à vida espiritual .
A mente parece ser inteligente e consciente . A filosofia iogue ensina que ela não o é , que não possui mais que uma inteligência de empréstimo .
O Atman é a própria inteligência , a consciência pura . A mente apenas reflete essa consciência , parecendo assim ser consciente .
O conhecimento ou percepção é uma onda de pensamento ( vritti ) que vem à mente . Todo conhecimento é , pois , objetivo . Mesmo o que os psicólogos ocidentais chamam introspecção ou autoconhecimento vem a ser conhecimento objetivo , de acordo com Patanjali , visto que a mente não é o vidente , mas tão-só um instrumento de conhecimento , um objeto da percepção , tal como o mundo exterior . O Atman , o verdadeiro vidente , permanece desconhecido .
Toda percepção desperta o sentimento de individualidade , que diz : 
" Conheço isto " . Mas trata-se do ego falando , não do Atman , do Eu real .
O senso de individualidade é provocado pela identificação do Atman com a mente , os sentidos etc . É como se o bulbo de uma pequena lâmpada afirmasse : " Eu sou a corrente elétrica " , passando então a descrever a eletricidade como um objeto de vidro em formato de pêra , contendo filamentos de metal . Tal identificação é absurda - tão absurda quanto a pretensão do ego de ser o Eu real . No entanto , a corrente elétrica está presente no bulbo da lâmpada , e o Atman está em todas as coisas , em toda a parte . 
Quando um objeto ou um evento do mundo exterior é registrado pelos sentidos , uma onda de pensamento surge na mente . O sentimento de individualidade identifica-se com essa onda . Se a onda de pensamento é agradável , o senso de individualidade considera : " Sou feliz " ; se a onda é desagradável , " Sou infeliz " . Essa falsa identificação é a causa de toda a nossa aflição - pois , mesmo a sensação passageira de felicidade do ego traz ansiedade , um desejo de agarrar-se ao objeto do prazer , preparando assim as possibilidades futuras de sentir-se infeliz . O Eu real , o Atman , permanece para sempre fora do poder das ondas de pensamento , eternamente puro , iluminado e livre - a única felicidade verdadeira , inalterável . Segue-se portanto , que o homem jamais conhecerá o seu Eu real enquanto as ondas de pensamento e o sentimento de individualidade estiverem sendo identificados . A fim de nos tornarmos iluminados , devemos trazer as ondas de pensamento sob controle , de modo que essa falsa identificação possa cessar .
Ensina-nos o Gita que a " ioga " é a quebra de contrato com a dor .
Ao descrever a ação das ondas de pensamento , os comentaristas empregam uma imagem simples - a imagem de um lago . Se a superfície de um lago é varrida pelas ondas , a água toma-se lamacenta , não mais se vendo o fundo . O lago representa a mente e o fundo do lago , o Atman .
Quando Patanjali fala do " controle das ondas de pensamento " , não está se referindo a um controle momentâneo ou superficial . Muitas pessoas acham que a prática da ioga se relaciona com algo como " fazer da mente um vazio " - condição que , se fosse mesmo desejável , poderia ser muito mais facilmente alcançada , pedindo-se a um amigo que nos golpeasse a cabeça com um martelo . Jamais se obtém benefício espiritual algum pela auto violência . Não estamos tentando refrear as ondas de pensamento fazendo em pedaços os órgãos que as registram . Cumpre-nos fazer algo muito mais difícil - desaprender a falsa identificação das ondas de pensamento com o senso de individualidade . Este processo de desaprendizado implica uma transformação completa do caráter , uma " renovação da mente " , como afirma São Paulo .
O que a filosofia iogue entende por " caráter " ? Para explicá-lo , pode-se levar adiante a analogia do lago . As ondas não apenas perturbam a superfície das águas : por uma ação contínua , criam também bancos de areia ou calhaus no fundo do lago . Esses bancos de areia são , naturalmente , muito mais duradouros e sólidos do que as próprias ondas , podendo comparar-se às tendências , potencialidades e estados latentes que existem nas regiões subconscientes e inconscientes da mente . Em sânscrito , são chamados samskaras . Os samskaras são formados pela ação contínua das ondas de pensamento , e criam por sua vez novas ondas de pensamento - o processo funciona nos dois sentidos . Exponha a mente a pensamentos constantes de raiva e ressentimento e descobrirá que essas ondas de raiva formam samskaras de raiva , os quais acabarão por predispô-lo a encontrar motivo para a raiva em qualquer hora do dia . Diz-se que uma pessoa com samskaras de raiva bastante desenvolvidos tem " mau gênio " . A soma completa de nossos samskaras é , de fato , o nosso caráter - em determinado momento . Nunca nos esqueçamos , porém , de que , assim como um banco de areia pode alterar-se e transformar-se com a mudança da maré ou das correntes , também os samskaras podem ser modificados pela introdução de outros tipos de ondas de pensamento na mente .
Já que estamos tratando desse assunto , vale a pena nos reportarmos a uma diferença de interpretação que existe entre a ioga e a ciência ocidental . Nem todos os samskaras são adquiridos durante o curso de uma única existência humana . A criança já nasce com certas tendências presentes em sua natureza . A ciência ocidental tende a atribuir essas tendências à hereditariedade . A psicologia iogue postula que elas foram adquiridas em encarnações anteriores , como consequência de atos e pensamentos há muito esquecidos . Não importa realmente , em termos práticos , qual dessas duas teorias se venha a preferir . A " hereditariedade " , do ponto de vista da ioga , pode ser apenas outra forma de dizer que a alma individual é impelida pelos samskaras existentes a procurar um renascimento em certo tipo de família , de pais cujos samskaras sejam semelhantes aos seus , herdando assim as tendências que ela já possui . O ioguim iniciante não perde tempo querendo saber de onde vieram os seus samskaras , ou há quanto tempo já os possui : ele assume total responsabilidade pelos samskaras e propõe-se modificá-los .
Existem naturalmente muitas espécie de mentes que ainda não se acham preparadas para as práticas mais elevadas da ioga . Se você tiver um físico flácido e descuidado e tentar participar de uma aula para bailarinos , provavelmente causará grande dano a si próprio ; é preciso que comece com alguns exercícios leves . Há mentes que podem ser descritas " dispersas " ; são inquietas , impetuosas e incapazes de concentração .
Existem mentes indolentes , acomodadas , incapazes de pensamento construtivo . Existem ainda mentes que , embora possuam certo grau de energia , só conseguem deter-se no que é agradável : diante dos aspectos desagradáveis da vida , recuam . Mas , qualquer mente , seja qual for sua natureza , pode , em última instância , ser disciplinada e transformada , tornando-se na expressão de Patanjali , " voltada para um só ponto " e preparada para alcançar o estado da ioga perfeita .


3. Desse modo , o homem se conforma à sua natureza real .    

Quando o lago da mente se faz calmo e claro , o homem se conhece tal como realmente é , como sempre foi e sempre será . Reconhece que é o Atman . Sua " personalidade " , sua crença equivocada em si próprio como indivíduo singular , único , desaparece . " Patanjali " é apenas um invólucro externo , como uma capa ou uma máscara , que ele pode assumir ou pôr de lado , à vontade . Um homem assim é reconhecido como uma alma livre iluminada .


4. Em outras ocasiões , quando não se encontra no estado de ioga , o homem permanece identificado com as ondas de pensamento da mente .     

5. Existem cinco espécies de ondas de pensamento , algumas dolorosas , outras não 

Uma onda " dolorosa " , de acordo com a utilização do termo por Patanjali , não parece necessariamente dolorosa ao despontar pela primeira vez na mente ; é uma onda que traz consigo acentuado grau de ignorância , apego e sujeição . De igual modo , uma onda que a princípio parece dolorosa pode na verdade pertencer à categoria das " não dolorosas " , desde que ela estimule a mente no sentido de uma liberdade e conhecimento maiores . Por exemplo , Patanjali qualificaria de " dolorosa " uma onda luxuriosa de pensamento , pois a luxúria , mesmo quando agradavelmente satisfeita gera apego , ciúme e dependência em relação à pessoa desejada .
Uma onda de compaixão , por outro lado , seria qualificada de " não dolorosa "
, pois a compaixão é uma emoção altruísta que liberta os grilhões do nosso próprio egoísmo . Podemos sofrer intensamente ao ver o sofrimento alheio , mas a nossa compaixão nos ensinará a compreensão e , consequentemente , a liberdade .
Esta distinção entre dois tipos de ondas de pensamento é muito importante quando chega à prática efetiva da disciplina da ioga , pois as ondas de pensamento não podem ser controladas todas de uma vez .
Primeiro , temos de dominar as ondas de pensamento " dolorosas " gerando ondas " não dolorosas " . Aos nossos pensamentos de raiva , cobiça e decepção devemos opor pensamentos de amor , generosidade e verdade .
Só muito mais tarde , quando as ondas de pensamento " dolorosas " tiverem sido completamente apaziguadas , é que podemos passar à segunda etapa da disciplina , isto é , ao apaziguamento das ondas " não dolorosas " que criamos voluntariamente .
A ideia de que temos afinal de dominar mesmo aquelas ondas de pensamento que são " boas " , e " autênticas " pode parecer à primeira vista chocolate a um estudante acostumado com a concepção ocidental de moralidade . Mas um pouco de reflexão lhe mostrará que isso tem de ser assim mesmo . Até em suas aparências mais belas e em suas manifestações mais nobres , o mundo exterior é ainda superficial e efêmero . Não é a Realidade fundamental . Devemos olhar através dele , não para ele , a fim de divisarmos o Atman . Claro , é melhor amar do que odiar , é melhor partilhar do que acumular , é melhor dizer a verdade do que mentir . Mas as ondas de pensamento que motivam a prática dessas virtudes são mesmo assim distúrbios da mente . Todos conhecemos casos de homens enérgicos e valorosos que se envolvem bastante seriamente em grandes movimentos de reforma ou programas de ajuda social e que não conseguem pensar em nada além dos problemas práticos de sua atividade cotidiana . Falta-lhes serenidade de espírito . Ficam cheios de aflição e desassossego . A mente do homem verdadeiramente iluminado é serena - não porque ele demonstre indiferença egoísta diante das necessidades alheias , mas porque conhece a paz do Atman , em todas as coisas , até mesmo sob a capa da miséria , doença , da desavença e da penúria .


6. Eis os cinco tipos de ondas de pensamento : conhecimento certo , conhecimento errôneo , ilusão verbal , sono e memória .

7. Os tipos certos de conhecimento são : percepção direta , inferência e evidência das escrituras .


Tudo o que os nossos sentidos percebem é conhecimento certo , desde que não tenha havido nenhum elemento de engano . Tudo o que inferimos de nossa percepção direta também é conhecimento certo , se nosso raciocínio estiver correto . As escrituras baseiam-se no conhecimento superconsciente obtido pelos grandes mestres espirituais , quando em estado de ioga perfeita . Por conseguinte , são também conhecimento certo ..
Elas representam uma espécie de percepção direta muito mais imediata que a percepção dos sentidos , e as verdades que elas nos ensinam podem ser verificadas por quem quer que tenha alcançado esta visão superconsciente .


8. O conhecimento errôneo é o conhecimento falso e não alicerçado na natureza verdadeira de seu objeto . 

O exemplo clássico fornecido pela literatura iogue é o de um pedaço de corda que se toma por uma serpente . Neste caso , o conhecimento errado nos levará a temer a corda e a evitá-la .


9. A ilusão verbal surge quando as palavras não correspondem à realidade .  

Forma comum de ilusão verbal são as conclusões apressadas . Ouvimos alguém falando e fazemos uma imagem precipitada e inexata de suas intenções . Nos discursos políticos , encontra-se com frequência uma dupla ilusão verbal : o orador acredita que suas palavras correspondem a uma realidade ; a platéia as associa a outra - e ambos estão errados . Expressões como " o espírito da democracia " , " o modo de vida americano " e assim por diante , provocam uma rica safra de ilusões verbais todos os anos nos jornais e no rádio .

10. O sono é uma onde de pensamento acerca de nada .   

Em outras palavras , o sono sem sonhos não significa ausência de ondas de pensamento na mente , mas uma experiência positiva do nada .
Não há , portanto , como confundi-lo com o estado de ausência de ondas da ioga . Se não houvesse nenhuma onda de pensamento na mente durante o sono , não acordaríamos lembrando que nada sabíamos . Como observa S. Radhakrishnan em Indian Philosophy , fulano de tal , após um bom sono , continua a ser fulano de tal , na medida em que suas experiências se incorporam ao sistema que existia no momento em que ele foi dormir .
Elas se ligam ao seu pensamento e não saem voando atrás dos de outro qualquer . Essa continuidade de experiência força-nos a admitir um Eu permanente que subjaz a todos os conteúdos da consciência .


11. Quando os objetos percebidos não são esquecidos e retornam à consciência , tem-se a memória . 

A memória é uma espécie de onda de pensamento secundária . Uma onda de percepção direta produz uma ondulação menor ou uma série de ondulações . A onda de pensamento do sono também produz ondulações menores , que denominamos sonhos . Sonhar é recordar em meio ao sono .

12. As ondas de pensamento são controladas através da prática e do desejo .        
          

13. Prática é o esforço repetido de seguir os exercícios que proporcionam o controle permanente das ondas de pensamento da mente .

14. A prática assenta-se firmemente depois de cultivada por longo tempo , ininterruptamente , com dedicação intensa . 

15. Desapego é autodomínio ; é a libertação do desejo em relação ao que se vê ou se ouve .

Pode-se fazer as ondas da mente fluírem em duas direções opostas - ou rumo ao mundo objetivo ( " a vontade do desejo " ) , ou rumo ao auto-reconhecimento verdadeiro ( " a vontade de libertação " ) . Assim , tanto a prática como o desapego são necessários . De fato , é inútil e mesmo perigoso tentar uma sem o outro . Se tentarmos praticar os exercícios espirituais sem buscar o controle das ondas de pensamento de desejo , nossas mentes tornar-se-ão violentamente agitadas e talvez permanentemente desequilibradas . Se tentarmos apenas um controle negativo e rígido das ondas de desejo , sem despertar ondas de amor , compaixão e devoção que se lhes oponham , então as consequências podem ser ainda mais trágicas . É por isso que certos puritanos austeros suicidam-se inesperada e misteriosamente . De maneira fria , séria , empenham-se em ser " bons " - ou seja , em não alimentar " mais " pensamentos - e quando falham , tal como sói acontecer com todos os seres humanos , não conseguem encarar essa humilhação , que não é mais que o orgulho ferido e o vazio que trazem dentro de si . Nas escrituras taoistas , lemos : " As forças divinas dotam de compaixão aqueles que não gostariam de ver aniquilados " .
Os exercícios espirituais que deveremos praticar serão expostos oportunamente . São conhecidos como os oito " membros " da ioga . Neste contexto , a perseverança é muito importante . Nenhum malogro passageiro , por mais humilhante ou vergonhoso que seja , jamais deverá ser usado como desculpa para abandonar a luta . Se estamos aprendendo a esquiar , não nos envergonhamos de levar um tombo ou de sermos surpreendidos entalados numa posição de cômico embaraço . Damos a volta por cima e recomeçamos . Não devemos nos preocupar com o fato de as pessoas rirem ou zombarem de nós . A menos que sejamos hipócritas , não devemos ligar para a impressão que causamos aos que nos vêem . Malogro algum é na verdade um malogro , a menos que deixemos de uma vez por todas de tentar - pelo contrário , pode ser uma bênção na desgraça , uma lição mais do que necessária .
O desejo é a prática do discernimento . Aos poucos vamos ganhando controle sobre as ondas de pensamento " dolorosas " ou impuras , perguntando-nos : " Por que é mesmo que eu desejo este objeto ? Que benefício duradouro obterei com possuí-lo ? De que maneira sua posse me ajudará a conquistar maior conhecimento e liberdade ? As respostas a tais perguntas são sempre embaraçosas : fazem-nos ver que o objeto desejado não só é inútil como instrumento de libertação , mas é potencialmente prejudicial enquanto instrumento propício à ignorância e à sujeição ; e mais , que o nosso desejo não é na verdade pelo objeto em si absolutamente , mas apenas desejo de almejar alguma coisa , uma mera agitação da mente .
É muito fácil ponderar acerca de tudo isso num momento de calma .
Mas o nosso desapego é testado quando a mente de súbito é varrida por uma enorme onda de raiva , de cobiça ou de avareza . Então , somente através de um esforço decidido de vontade nos lembraremos daquilo que a nossa razão já sabe - que essa onda , o objeto sensorial que a suscitou , o senso de individualidade que identifica a experiência a si própria - são todos igualmente efêmeros e superficiais , não são a Realidade subjacente .
O desapego pode surgir muito lentamente . Mas mesmo seu estágio mais inicial é recompensado por uma sensação nova de liberdade e de paz .
Jamais se deveria concebê-lo como austeridade , espécie de autotortura , algo arbitrário e penoso . A prática do desapego confere valor e significado até ao iniciante mais banal do mais enfadonho dos dias . Ele elimina o aborrecimento de nossas vidas . E , à medida que progredimos e conquistamos crescente autodomínio , vemos que não estamos renunciando a nada de que realmente necessitamos ou queremos - e sim , estamos apenas libertando-nos de desejos e necessidades imaginários . Com esse espírito , a alma cresce até conseguir aceitar , serena e imperturbável , os piores reveses da vida . Cristo disse : " Pois o meu jugo é suave e o meu fardo é leve " - querendo dizer a existência corriqueira e sem discernimento , de apego aos sentidos , é , de fato muito mais penosa , muito mais difícil de suportar do que as disciplinas que nos tomarão livres . 
Parece-nos difícil compreender essa passagem , porque temos sido habituados a conhecer a existência terrena de Cristo como trágica - uma gloriosa e inspiradora tragédia , por certo , mas que não obstante terminou numa cruz . Deveríamos antes nos indagar : " O que seria mais fácil , pender naquela cruz com a iluminação e o desapego de um Cristo , ou nela padecer na ignorância , na agonia e na sujeição de um pobre ladrão ? " E , seja como for , a cruz pode alcançar-nos , estejamos preparados e aptos a aceitá-la ou não .


16. Quando , mediante o conhecimento do Atman , deixa-se de desejar qualquer manifestação da Natureza , tem-se a mais elevada espécie de desapego .    

O desapego não é indiferença - nunca é demais repeti-lo . Muitas pessoas rejeitam as metas da filosofia iogue como " inumanas " e " egoístas ' , pois imaginam a ioga como um distanciamento frio e deliberado de tudo e de todos em prol da busca de salvação pessoal . A verdade é exatamente o oposto . O amor humano é a emoção mais elevada que a maioria de nós conhece . Ele nos liberta , em certa medida , do egoísmo que mantemos em relação a um ou mais indivíduos . Mas o amor humano ainda é possessivo e exclusivista . O amor pelo Atman não é uma coisa nem outra . Admitimos prontamente que é melhor amar as pessoas " pelo que elas realmente são " do que apenas por sua beleza , inteligência , força , senso de humor ou alguma outra qualidade - mas isso não passa de afirmação vaga e relativa . O que as pessoas " realmente são " é o Atman , nada mais nada menos .
Amar o Atman em nós mesmo é amá-lo em toda parte . E amar o Atman em toda parte é ir além de qualquer manifestação da Natureza até a Realidade interior da Natureza . Esse amor é por demais vasto para ser compreendido por espíritos vulgares ; no entanto , ele é simplesmente um aprofundamento e uma expansão infinita do pequeno e limitado amor que todos sentimos . Amar alguém , mesmo ao jeito habitual dos homens , é captar o aparecimento instantâneo e vago , dentro dessa pessoa , de algo formidável , que infunde respeito , eterno . Em nossa ignorância , achamos que esse " algo " é único . Ele ou ela , dizemos de todos .
Isso porque nossa percepção de Realidade é turvada e obscurecida pelas manifestações exteriores - o caráter e as qualidades individuais da pessoa que amamos - e pelo modo como a elas reage nosso próprio senso de individualidade . Entretanto , esse lampejo pálido é uma experiência espiritual válida e deveria encorajar-nos a purificar a nossa mente , preparando-a para aquela espécie infinitamente mais elevada de amor que está sempre a nos aguardar . Esse amor não é inquieto e efêmero , como o nosso amor humano . É firme , eterno e sereno . É absolutamente livre do desejo , pois amante e amado ter-se-ão tornado um só .
Observe esta passagem do Bhagavad Gita ;
                

               As águas fluem continuamente para o oceano .
               Mas o oceano nunca se perturba ;
              O desejo flui para a mente do vidente ,
              Mas ele nunca se perturba .
              O vidente conhece a paz . . .
              Conhece a paz aquele que esqueceu o desejo .
              Ele vive sem ansiedade :
              Livre do ego , livre do orgulho .


17. A concentração sobre um único objeto pode alcançar quatro etapas : exame , discernimento , harmonia radiante e consciência simples da individualidade .    

A fim de compreender este e os aforismos seguintes , devemos analisar a estrutura do universo conforme é exposta pela filosofia Vedanta ( Vedanta é a filosofia que se baseia na filosofia dos Vedas - as mais antigas escrituras hindus ) . Primeiramente , consideremos a realidade básica .
A Realidade , considerada como o Eu mais íntimo de toda criatura ou objeto individualizados , é denominada Atman - como já vimos . Quando a Realidade é referida em seu aspecto universal , denomina-se Brahman .
À primeira vista , isso pode parecer confuso aos estudantes ocidentais , mas o conceito não lhes deve ser estranho . A terminologia cristã emprega duas expressões - Deus imanente e Deus transcendente - que operam distinção semelhante . Muitas vezes , nas literaturas hindus e cristã , encontramos reafirmado este paradoxo : que Deus está tanto dentro quanto fora , instantaneamente presente e infinitamente em toda parte , habitante do átomo e morador de todas as coisas . Mas essa é a mesma Realidade , a mesma Divindade , considerada em suas duas relações com o cosmo .
Essas relações são designadas por duas palavras diversas somente para nos ajudar na reflexão sobre elas . Não implicam qualquer espécie de dualismo . Atman e Brahman são um só .
O que vem a ser este cosmo ? Do que é feito ele ? A filosofia vedanta ensina que o cosmo é feito do Prakriti , substância elementar , indiferenciada , da mente e da matéria . Define-se o Prakriti como a faculdade ou o efeito de Brahman - no mesmo sentido que se diz que o calor é uma faculdade ou um efeito do fogo . Assim como o calor não pode existir separado do fogo que o produz , o Prakriti também não pode existir separado de Brahman . Os dois são eternamente inseparáveis . O último manifesta e produz o primeiro .
Patanjali divergia da Vedanta quanto a isto , acreditando que Purusha ( ou Atman ) e Prakriti fossem duas entidades distintas , ambas igualmente reais e eternas . Uma vez , porém , que Patanjali acreditava também que a Purusha individual podia libertar-se e isolar-se completamente do Prakriti , estava na verdade inteiramente de acordo com a Vedanta , quanto ao propósito e finalidade da vida espiritual .
Por que Brahman produz o Prakriti ? Eis uma pergunta que provavelmente não pode ser respondida com base em nenhuma filosofia elaborada pelo homem . Pois o próprio intelecto humano acha-se contido no Prakriti e , por conseguinte , não pode compreender sua natureza . Um vidente notável pode experimentar a natureza da relação Brahman - Prakriti enquanto se encontra no estado de ioga perfeita , mas não pode comunicar-nos seu conhecimento , usando da linguagem e da lógica porque , de um ponto de vista absoluto , Prakriti não existe . Não é a Realidade - e , contudo , não é outra coisa senão a Realidade . É a Realidade tal como se mostra a nossos sentidos humanos - a Realidade deformada , limitada , mal-interpretada .
Podemos aceitar , como hipótese de trabalho , a garantia do vidente de que isto é assim , mas nosso intelecto vacila , diante do mistério formidável . Carentes de experiência superconsciente , temos de contentar-nos com a linguagem figurada . Voltamo-nos de bom grado aos famosos versos de Shelley :         




     
 Life , like a dome of many coloured-glass ,
Stains the white radiance of etemity .
[ A vida , como cápsula de vidro multicor ,
Macula o alvo esplendor da eternidade ]   

Autor : do livro Como Conhecer Deus 
Aforismos iogues de Patanjali 
Editora : PENSAMENTO