quarta-feira, 7 de outubro de 2009

" Quando Eu Era Taturana "

Quando eu era taturana ,
Desgraciosa lagarta comilona ,
Vi , um dia , uma borboleta ,
E a borboleta me disse coisas estranhas .
Disse-me que eu devia virar crisálida imóvel ,
Para me tornar borboleta .
A borboleta era bela e feliz -
Mas , isso de morrer ? ...
Para minha ignorância , a crisálida era morta ,
Enclausurada num esquife escuro ,
Sem portas nem janelas ,
Sem movimentação nem respiração .
Não rastejava como eu ,
Nem voava como a borboleta -
Era inerte como um cadáver .
Mas o lepidóptero me disse que a transição da minha semi-vida para a pleni-vida dele passava pela pseudo-morte da crisálida .
Para que eu me pudesse expandir para a pleni-vida , devia eu concentrar-me silenciosamente .
Devia eu centralizar num foco único todas as minhas dispersividades periféricas .
Só desse centro atômico podia nascer o cosmos .
Ouvi essas palavras de suprema sabedoria - e não as compreendi .
Não as compreendi - mas aceitei-as .
Aceitei-as e incubei a verdade .
Eu não estava maduro para passar da crença para a experiência .
Mas a crença na verdade me preparou para a experiência na verdade .
Após longo tempo , a minha crença eclodiu em experiência .
Deixei de ser taturana do ego .
Desegofiquei-me , transmentalizei-me .
Preludiei a borboleta do meu Eu .
Deixei de comer , deixei de rastejar pelas baixadas da terra .
Retirei-me a um canto silente e solitário .
Joguei fora a minha pele .
Enclausurei-me hermeticamente num invólucro de quintina .
Morri ...
Morri , não para dentro da morte .
Morri para dentro de uma vida maior .
Não sei quanto tempo dormi o meu sono de crisálida .
Lá onde eu estava não havia tempo .
E , durante esse samadhi , minha alma vígil elaborou outro corpo .
Quatro asas velatínias , dois hemisférios de olhos facetados , uma delgada seringa para sugar o néctar das flores .
Tudo isto foi elaborado , à minha revelia , no místico laboratório do meu esquife .
Pelo poder da minha alma vígil .
Eu nada fiz - tudo foi feito por Alguém em mim .
Numa radiosa manhã , rompeu-se o meu invólucro .
Nasci para a vida da borboleta .
Eu ainda sou eu .
Mas não rastejo mais .
Pelas imundas baixadas da terra .
Vôo pelas límpidas alturas do espaço solar .
Só de longe em longe desço para sugar uma gota de néctar ,
Do perfumoso cálice das flores .
E quando me encontro com uma taturana , ninguém acredita em minhas palavras .
Ninguém acredita que eu fui o que elas são e que elas serão o que eu sou .
Tão diferentes são as nossas existências - e tão idêntica é a nossa essência .
Se eu não me identificasse com a invisível essência que sou , jamais a visível existência que tenho me faria borboleta .
Texto : Huberto Rohden
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