domingo, 1 de novembro de 2009

" PARA COMPREENDER O " EU "

Nos tempos pré-históricos o " eu " do homem dos clãs não se havia ainda destacado da consciência do grupo . Só muito depois chegou o homem à afirmação do " eu " , à consciência de separatividade , decorrente de um egoísmo mais requintado , em que o indivíduo se destaca do grupo para afirmar " eu sou " . O " eu " é a totalização dos falsos valores que vêm , acumulados até nós , de um longo passado .
Do mesmo modo que a passagem da consciência de grupo à consciência individual se operou com esforço , de igual modo é indispensável um esforço maior para transcender a ilusão do " eu " e atingir o real . Ele é o resultado do acúmulo egoísta efetuado no transcurso das idades . Por isso mesmo o " eu " limita , condiciona o homem no espaço e no tempo , impedindo-o de ver a ralidade total , dando a certeza de que somos separados da vida total , e assim impede que se alcance a libertação . A visão que nos dá da existência é sempre circunscrista ao passado , fugindo da realidade presente . Ele é o produto da atividade egoísta do homem e por isso foge da realidade , procurando escapulas no passado e no futuro .
Passado e futuro , temor e esperança , eis os polos que condicionam o homem limitado . O temor de desaparecer , de sucumbir , e o desejo de sobreviver , de se imortalizar , eis toda a ativídade humana .
Sempre o temor . E nessa luta há o consolo da ilusão oferecida pelas crenças , pelos fragmentos de verdade . A essa luta egoísta o homem chama progresso . Mas progresso quer dizer avançar e o homem só tem fugido de um abrigo para outro , continuando sempre no temor , no cativeiro . O homem não mudou pelo simples fato de trocar de prisão . Como prisioneiro do " eu " , do sentimento egoísta de separatividade , toda a sua existência se polariza entre condições opostas e desumanas : ama e odeia , explora e diz-se amigo do próximo , e para justificar a sua crueldade , diz que o mundo , tal como é , foi feito por deus . Palavras auto-defensivas e mais nada ! O mundo social , errado como é , foi feito pelo homem . Se há miseráveis e gente passando fome é porque há crueldade e exploração . O círculo é fatal para o homem . Mas o " eu " é uma criação circunstancial , decorrente do egoísmo humano , que o leva para a separação , para melhor poder explorar o seu semelhante . Tudo nele é luta mesquinha , crueldade e exploração . Queixa-se porque nasce , porque vive e porque morre . Tudo é lamento , sofrimento e desolação . O homem transcendente , liberto do " eu " , integrado na vida universal , canta a alegria de viver . Nele não há separação , a vida total nele se expande em alegria e não em frustração .
O " eu " é profundamente egoísta , não permite a sua destruição .
Apega-se ao passado e levanta todas as afirmações do egocentrismo para sufocar o presente com as memórias daquilo que ficou da ilusão que já vai longe , mas toma realidade de sonho . Ele sempre se interpõe entre realidade imediata e presente . Ele é a memória do que passou , por isso nunca se submete à realidade do agora . Daí a criação das fugas à realidade . O homem liberto atinge um estado de consciência que tudo abrange , em que se vê livre por completo do passado já morto , da consciência de separação , imposta pelo " eu " . Só o homem liberto é capaz de ações puras , isentas de interesse e recompensa . Só ele atinge um estado realmente humano , impessoal , em que se dá a fusão da vida condicionada com a vida plena e total .
O " eu " é o carcereiro da vida impessoal e esta para se expandir precisa antes romper as muralhas da prisão . Todas as civilizações se opõem ao que é novo , porque vivem do passado . Meio social e espiritual são os dois aspectos do mesmo problema , da mesma exploração egoista , oriunda do sentimento isolado , de separação das criaturas . Esse sentimento jamais conduzirá à unidade da vida .
Nascendo da consciência de separação só vive pelo egoísmo , pela aquisição , e portanto precisa acumular , possuir . Este " eu " ávido e possessivo julga que pelo acúmulo , pela posse , chegará a ter felicidade e plenitude . Daí o temor do aniquilamento , o temor do desconhecido , o temor de perder , e isso origina todas as crueldades e explorações . Sendo explorador e egoísta nunca fará obra sadia e cooperativa , no sentido humano e coletivo .
Krishnamurti nos diz : enquanto viverdes aprisionados nesta divisão do meu e do teu tereis muitas maneiras de vos enganar .
É o " eu " possessivo e egoísta que divide a vida . Todo o edifícil social é construído sobre o sentimento de separação , de egoísmo e de posse . Krishnamurti mostra-nos um estado diferente , construído pelo homem liberto , sem sentimentos de possessividade , sem o élan da exploração .
Tal afirmativa atua em nós como uma explosão . E assim chegamos a compreender que essa muralha que é o " eu " em que vivemos condicionados , sob o choque repetido da sua ilusão contra a realidade , acabará fendendo-se e sobre a sua poeira pairará algum dia , livre e triunfante , a realidade inteira .
Isso significará a extinção de todas as separações entre as criaturas .
Acabará o preconceito de posse , de raça , de nacionalidade e findará a exploração do homem pelo homem .
Mas o " eu " será o último a cair . Mas quando se dissolver por inteiro , então o indivíduo liberto viverá em contato permanente com a vida universal , tornando-se essa própria vida atuante , que transcende todas as limitações . Libertação ou escravidão são termos que se referem a cada ser humano pois se dirigem à destruição ou conservação daquilo que cada um toma como essência de si próprio : - o " eu " !
A penetração no agora , no presente imediato , importa na destruição dos sonhos mortos , e uma luz nova dispersa todas as sombras , todos os fantasmas criados pelo pavor . Ele nos diz : o medo estrangula os seres humanos , é o fantasma que os persegue como a sua própria sombra . Quando não tiverdes medo então começareis a viver . Para serdes independentes de todas as circunstâncias exteriores , para descobrir a vossa essência verdadeira , deveis libertar-vos do medo , do medo que engendra a idéia de aúxilio , porque ninguém vos salvará , senão vós próprios . Não é elevando igrejas , criando deuses ou imagens , pedindo , adorando , praticando cerimonias que obtereis a compreensão e a tranquilidade interior .
Mas o " eu " tem pavor à realidade . Ele quer repousar e alimenta por isso todas as resistências contra o fluxo vital . É nos templos que se abriga o medo dos homens . É lá que buscam consolo , todos aqueles que ainda não se encontraram a si mesmos . A destruição dos templos , além de criminosa , não tem valor . É preciso que a libertação seja interior , dentro de nós , para que seja real . Pouco adianta destruir uma ilusão se fica de pé a causa que a gerou . Só o " eu " aspira durar . A vida mesma é inextinguível .
As igrejas aumentam a ilusão , encorajam os ricos , e encorajam também os pobres a ficarem todos mais pobres , de espírito .
Texto : Francisco Ayres
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