domingo, 5 de maio de 2019

" Que vos parece do Cristo ? "

CRISTIANISMO - CRISTICIDADE 

Antes de tudo , prevenimos o leitor que este livro não pretende justificar alguns dos numerosos tipos de cristianismo que , há diversos séculos , existem nos países ocidentais daquém e dalém-mar .
Damos plena razão a Nietzsche que , no princípio deste século , escreveu : " Se o Cristo voltasse ao mundo em nossos dias , a primeira declaração que faria ao mundo cristão seria esta : Povos cristãos , sabei que eu não sou cristão . "
Mahatma Gandhi respondia a todos os missionários cristãos que o queriam converter . " Aceito o Cristo e seu Evangelho , não aceito o vosso cristianismo . "
Albert Schweitzer , teólogo cristão e filho de um ministro evangélico escreveu :
" Nós injetamos nos homens o soro da nossa teologia , e quem é vacinado com o nosso cristianismo está imunizado contra o espírito do Cristo ."
Abraham Lincoln , um dos maiores presidente dos Estados Unidos , nunca se filiou a nenhuma das muitas igrejas cristãs que há nesse país , porque estava à espera da igreja do Cristo .`
Por que esta discrepância entre Cristo e cristianismo , da parte de pessoas espirituais e sinceras ?
Porque é impossível identificar o Cristo com alguma organização religiosa ; qualquer tentativa destas é necessariamente uma deturpação e uma falência .
Toda a organização é produto do ego , e esse é , por sua natureza ,egocêntrico , e por isso anti-crístico .
A única coisa que pode haver é uma  experiência crística individual , mas nunca uma organização cristã social . Diversas pessoas têm tido e têm experiência crística ; e onde há muita plenitude há necessariamente um transbordamento . Se houvesse muitos homens individuais com genuína experiência crística , o mundo social seria grandemente beneficiado por essa plenitude individual .
A cristicidade de muitos produziria , por via indireta , uma espécie de cristianismo social por indução .
Mas o que é impossível e contraproducente é que o espírito do Cristo seja expresso por uma organização qualquer , como o ocidente tem tentado inutilmente .
Disto sabia o Cristo quando preveniu os seus conterrâneos , dizendo : " O reino dos céus não vem com observâncias , nem se pode dizer ei-lo aqui , ei-lo acolá ! 
O reino dos céus está dentro de vós . "
Existem no Brasil três tipos principais de cristianismo : católico , protestante e espírita . Será que alguma dessas organizações certamente sinceras , pode ser identificada com a genuína mensagem do Cristo ? Teria o Cristo feito consistir a grandiosa mensagem cósmica do seu Evangelho em confissão , comunhão e missa ? Ou em ler a Bíblia de capa a capa e crer no sangue redentor de Jesus ?
Ou ainda em caridade e crença em sucessivas reencarnações ? Se assim fosse , seria Jesus um hábil codificador de preceitos e proibições , mas nunca esse gênio cósmico que foi o Cristo Real da história .
Radha Krishnan , antigo presidente da Índia , escreveu : " A religião da humanidade do futuro será a mística . "
A mística é uma experiência estritamente individual , que , quando organizada socialmente , deixa de existir , assim como vida encaixotada não é vida , luz engarrafada não é luz . É da íntima essência da experiência mística ser individual , o que todavia não impede que essa verticalidade individual se desdobre em horizontalidade social ; mas esse desdobramento ou transbordamento só acontece quando a experiência vertical atinge o zênite da sua plenitude .
O nosso mundo conturbado não pode ser sanado por nenhuma nova organização , religiosa ou civil ; somente a experiência mística de muitos pode beneficiar realmente a humanidade .
Toda a mística verdadeira e plena é irresistívelmente  transbordante e difusora ; se não for isto , não passa de misticismo , mas não é uma mística dinâmica .
O Cristo nunca organizou nada , nem no âmbito religioso da Sinagoga de Israel , nem no setor civil da política do Império Romano . A sua atuação foi exclusivamente indireta , por espontâneo transbordamento da sua própria plenitude , porque , como diz Paulo de Tarso , nele habitava corporalmente toda a plenitude da Divindade .
Durante quase três séculos , do ano 33 até 313 , a cristandade das catacumbas vivia dessa cristicidade mística , sem nenhuma organização social . E foi este o período mais glorioso do mundo cristão , o período da verticalidade mística das catacumbas , cuja única saída era para o martírio no Coliseu .
Sabemos que no ano 33 , foi Jesus entregue à morte pelo beijo de um de seus discípulos - mas muitos ignoram que o mesmo Cristo , no ano 313 , foi assassinado pelo beijo de outro discípulo dele , o primeiro imperador cristão Constantino Magno . O beijo de Judas matou o corpo de Jesus - o beijo de Constantino matou o espírito do Cristo .

Judas versus Jesus . 

Constantino versus Cristo .     

O beijo com que Constantino Magno traiu o Cristo foi o Edito de Milão , do ano 313 , que pôs termo a três séculos de perseguição - mas com este benefício de discípulo preludiou séculos de malefícios de traidor : convidou os discípulos do Cristo a se integrarem na organização do Império Romano ; fez do cristianismo a religião oficial do Estado , uma religião estatal , defendida mediante armas , política e dinheiro - armas para matar os inimigos , política para enganar os amigos , dinheiro para comprar e vender consciências .
O Edito de Milão foi o fim de três séculos de cristicidade - e o princípio de muitos séculos de cristianismo , social , político , militar .
O cristianismo de Constantino continua até hoje no mundo oficial , das igrejas e de alguns governos .
Paralelamente , à sombra das catacumbas do silêncio e da solidão , continua em algumas almas a cristicidade dos místicos , cujos nomes não constam e cujas estátuas não figuram em praças e salões .


As páginas deste livro são dedicadas à cristicidade individual de alguns , e não ao cristianismo social de muitos . Os muitos condenarão este livro como heresia , e têm razão ; mas é precisamente este caráter herético a maior prova da sua autenticidade crística .
É sabido que a Europa moderna , sobretudo França , Alemanha , Inglaterra , abandonou praticamente o cristianismo tradicional das igrejas . Por isto os teólogos e missionários se voltam para os povos subdesenvolvidos e semi-analfabetos da América Latina , onde ainda é possível a aceitação do cristianismo teológico , como no tempo do Império Romano , quando esse cristianismo surgiu . Os países do Oriente não aceitarão jamais o nosso cristianismo em sua forma eclesiástica , porque a cultura filosófica milenar do Oriente é incompatível com as nossas teologias ; até hoje , após séculos de esforços missionários , não há 1% ( um por cento ) de cristãos nos países asiáticos .
A verdadeira mensagem do Cristo é perfeitamente compatível com a mais alta evolução cultural da humanidade - mas não com as nossas teologias cristãs .

A única chance de cristificar a humanidade é voltarmos à cristicidade da mensagem real do Cristo , que não está condicionada a tempo e espaço , mas é uma mensagem tipicamente extra-temporal e extra-espacial , porque , como dizia Tertuliano , toda a alma humana é crítica por sua própria natureza .
É neste sentido crístico que lançamos as páginas deste livro .

Com isto não condenamos as organizações eclesiásticas ou religiosas que aparecem com o nome de cristianismo . Sabemos que um grupo numeroso de pessoas necessita de uma religião padronizada , que eles passam encampar como norma moral . Essa religião padronizada pode ser considerada como uma espécie de corpo , mas não como a alma do cristianismo , que é o próprio Evangelho do Cristo .
Sendo a maioria das organizações religiosas constituídas de massas de pouca evolução , devem os membros delas crer o que podem crer , sabendo , porém , que a verdadeira mensagem do Cristo é algo infinitamente mais sublime ,consistindo na realização do Reino de Deus na vida diária .

Enquanto as crenças e práticas externas não impedirem a realização do Reino de Deus , podem elas ser toleradas ; mas , se alguém identificar com elas a alma da mensagem do Cristo , constituem impedimento para a realização do Reino de Deus sobre a face da terra.

Texto : Huberto Rohden