domingo, 1 de novembro de 2009

" Sobre a Mensagem de Krishnamurti "

Krishnamurti centraliza todo o seu ensino num insistente convite à inteligência . Não há na sua mensagem nenhum tabu . Nada oferece de misterioso , nada apresenta para ser adotado e seguido por outrem .
Todo o seu apelo consiste em despertar a criatura para que possa livre de tutelas espirituais , fazer uma autocrítica de todos os falsos valores que adotou .
Não nos trazem novas preces , novas disciplinas espirituais , novas submissões . Todo o seu convite corporifica na luta que cada um deve assumir contra o temor . Foi o medo que criou os deuses , as igrejas e todas as explorações . E tudo isso é gerado pela incompletude do homem . Ele nos fala sempre da liberdade , compreensão , felicidade e entendimento . A palavra vida enche todo o seu ensino . A sua mensagem , sobretudo é um convite à vida no presente , imediato , no agora , e não é nunca num futuro distante como fazem todos os credos . A vida de cada instante encerra a totalidade . E tudo isso se opõe ao que pensa a maioria . Todos fogem do momento imediato , procurando toda sorte de fugas .
Ele insistentemente nos diz que é preciso romper com o passado e com o futuro para viver o agora , de maneira feliz e completa .
Krishnamurti verificou que o mundo dorme . O ópio lançado na alma humana pelos professores da espiritualidade , pelos negociantes da verdade , foi em largas doses e o mundo vem a custo ensaiando seus primeiros passos numa jornada sangrenta mas vitoriosa .
Dizia Ouspenky , psicólogo russo , que ninguém está acordado , o que todos fazem é dormir .
Krishnamurti quer acordar o indivíduo do sono dos séculos , quer arrancá-lo do pesado fardo que carrega , expresso como subconsciente individual e coletivo , para que possa encontrar-se a si mesmo , e integrar-se na vida . Esta vida que é eterna , que é a fonte e o fim , o começo e o nada e , portanto , sem fim , nem começo . Esta vida que pertence a tudo e a todos , e que é a cada instante a totalidade de tudo que há . Há uma verdade incondicionada , sem rótulos , nem credos , nem doutrinas , que é a compreensão inteira da vida mesma . Essa verdade ultérrima é impessoal , é dinâmica como a vida caminhante , que jamais estagna , que não tem futuro , nem passado , porque é sempre presente .
O indivíduo é uma parte dessa vida total e sua união com o universal Krishnamurti a denomina de libertação , que só se dá quando o indivíduo transpõe as barreiras da própria separatividade , constituídas pelo " eu " , ou personalidade .
O " eu " é o passado . Desde que o indivíduo desperta , dissolve-se a si mesmo . Quer dizer que a vida existente em cada ser só pode expressar-se com plenitude quando o ego deixar de existir , quando cai a última barreira de separatividade e a criatura torna-se um foco de luz , iluminando tudo o que a cerca , tornando-se a manifestação humana , consciente , da vida universal .
Krishnamurti chama essa vida também de deus . São dele estas palavras : By God I do not mean the God of traditions , but the God that is in each one , and that God can only be realized through the fullfilment of life . In other words , there is no God except the God manifest in man purifed , made perfect . ( The Coming Dawn - in The Star , Fevereiro de 1929 ) .
" Eu tenho dito - continua - que há somente deus manifestado em vós e eu prefiro chamá-lo vida . Libertando essa vida limitada , atingireis esta suprema inteligência sem limite , que fica para além do pensamento . Se considerais a vida como essa inteligência em lugar de procurar algum ser sobre-humano e longínquo , então essa vida mesma será para vós uma inspiração .
A vida é deus , liberdade , e todas as coisas . Na sua plenitude está a perfeição . Mas o homem criou deuses pelo temor - ele explica - e qualquer povo pode destruir a idéia de deus , mas enquanto o temor existir nascerão outros deuses .
O " eu " é a muralha autodefensiva que nos separa da realidade . Ele tem horror ao presente e por isso procura sempre refúgios para manter a sua continuidade .
É ele que cria todas as limitações , todos os refúgios , todas as sutilezas geradoras de confusão e atrito . Quando o indivíduo desperta rompe com o passado , com todos os obstáculos , limitações e seitas . São estas coisas que segregam o indivíduo do todo , quando a finalidade da existência é a integração do indivíduo na vida universal . A princípio temos vislumbres dessa realidade , e então prelibamos a felicidade inexprimível do que seja o contato vivo , permanente , sem muralhas , com o Todo .
Esses vislumbres são rápidos contatos com a grande realidade , quando eles se tornam permanentes há o deslumbramento do ser e o contato vivo com o eterno vir a ser da vida universal . Nesse caso o indivíduo deixa de viver entre muralhas para ser uno com o mundo .
Varre de si o sonho de que é parte autônoma e reconhece em si e no todo a mesma alma , a mesma essência , a mesma vida . A personalidade do ego edificada nas areias do tempo foi dissolvida pelas águas da eternidade . E a vida deixa de ter além e aquém para só ter agora , porque o presente encerra a eternidade . Vivamos , pois , o momento que passa . Renunciar ao presente imediato é fugir e não entender . É um pretexto para continuar a sonhar . É a continuação do egoísmo que fez a vida social cruel e má .
A causa do conflito está na luta cruel , e titânica , existente entre a vida universal , cotidiana , incondicionada , dinâmica e plástica e a atitude que assumimos diante dela , porque nos apoiamos como meio autodefensivo sobre o passado cheio de afirmativas condicionadas , repleto de ilusões , sentimentos de posse e múltiplas particularidades . O conflito está aí - queremos sufocar a realidade presente com as sombras do passado . A amplificação do " eu " , que é separação , não pode conduzir ao universal . Á libertação não é a amplificação do " eu " , mas o desgaste do sentimento de separação .
Isso significa que a libertação é a extinção da separatividade e , portanto do ego . Quando o " eu " se quebra como uma bola de espuma , disse o Buda , seu conteúdo será conservado e viverá , na verdade , a vida eterna . Ou então como diz Krishnamurti : integrar-se no presente sem lhe interpor o passado , que é o " eu " , ou o futuro , que é ainda a sua continuação , é atingir a realidade , a perfeição verdadeira e absoluta .
O ser diz : eu sou vida . O " eu " diz : eu sou eu ! O ser é indiferenciado , é universalidade , é uno com a vida total . O " eu " é separação . Todo o drama da existência se desenrola entre o ser que quer recuperar a sua liberdade e o " eu " que quer prolongar o seu enjaulamento .
Texto : Francisco Ayres
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