terça-feira, 30 de junho de 2009

Do Mundo Virtual ao Espiritual !

Frei Betto !
Ao viajar pelo Oriente , mantive contatos com monges do Tibete , da Mongólia , do Japão e da China . Eram homens serenos , comedidos , recolhidos em paz em seus mantos cor de açafrão . Outro dia , eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo : a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares , preocupados , ansiosos , geralmente comendo mais do que deviam . Com certeza , já haviam tomado café , todos comiam vorazmente . Aquilo me fez refletir : " Qual dos dois modelos produz felicidade ? "
Encontrei Daniela , 10 anos , no elevador , às nove da manhã , e perguntei : " Não foi à aula ? " Ela respondeu : " Não , tenho aula à tarde " .
Comemorei : " Que bom , então de manhã você pode brincar , dormir até mais tarde " . " Não " , retrucou ela , " tenho tanta coisa de manhã ... " " Que tanta coisa ? " , perguntei . " Aulas de inglês , de balé , de pintura , piscina " , e começou a elencar seu programa de garota robotizada .
Fiquei pensando : " Que pena , a Daniela não disse : " Tenho aula de meditação ! "
Estamos construindo super-homens e supermulheres , totalmente equipados , mas emocionalmente infantilizados . Por isso as empresas consideram agora que , mais importante que o QI , é a IE , a Inteligência Emocional . Não adianta ser um seperexecutivo se não se consegue se relacionar com as pessoas . Ora , como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação !
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha , em 1960 , seis livrarias e uma academia de ginástica ; hoje , tem sessenta academias de ginástica e três livrarias ! Não tenho nada contra malhar o corpo , mais me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito . Acho ótimo , vamos todos morrer esbeltos : " Como estava o defunto ? " . " Olha , uma maravilha , não tinha uma celulite ! " Mas como fica a questão da subjetividade ? Da espiritualidade ? Da ociosidade amorosa ?
Outrora , falava-se em realidade : análise da realidade , inserir-se na realidade , conhecer a realidade . Hoje , a palavra é virtualidade .
Tudo é virtual . Pode-se fazer sexo virtual pela internet : não se pega aids , não há envolvimento emocional , controla-se no mouse . Trancado em seu quarto , em Brasília , um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio , sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra ! Tudo é virtual , entramos na virtualidade de todos os valores , não há compromisso com o real ! É muito grave esse processo de abstração da linguagem , de sentimentos : somos místicos virtuais , religiosos virtuais , cidadãos virtuais . Enquanto isso , a realidade vai por outro lado , pois somos também eticamente virtuais ...
A cultura começa onde a natureza termina . Cultura é o refinamento do espírito . Televisão , no Brasil - com raras e honrosas exeções - , é um problema : a cada semana que passa , temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos . A palavra hoje é 'entretenimento ' ; domingo , então , é o dia nacional da imbecilização coletiva . Imbecil o apresentador , imbecil quem vai lá e se apresenta no palco , imbecil quem perde a tarde diante da tela . Como a publicidade não consegue vender felicidade , passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres : " Se tomar este refrigerante , vestir este tênis , - usar esta camisa , comprar este carro , você chega lá ! " O problema é que , em geral , não se chega ! Quem cede deselvolve de tal maneira o desejo , que acaba precisando de um analista . Ou de remédios . Quem resiste , aumenta a neurose .
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes . Colocá-los onde ? Eu , que não sou da área , posso me dar o direito de apresentar uma sugestão . Acho que só há uma saída : virar o desejo para dentro . Porque , para fora , ele não tem aonde ir ! O grande desafio é virar o desejo para dentro , gostar de si mesmo , começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante , neoliberal , consumista . Assim , pode-se viver melhor .
Aliás , para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis : amizades , auto-estima , ausência de estresse .
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno . Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral , deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história . Na Idade Média , as cidades adquiriam status construindo uma catedral ; hoje , no Brasil , constrói-se um shopping center . É curioso : a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catredais estilizadas ; neles não se pode ir de qualquer maneira , é preciso vestir roupa de missa de domingos . E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca : não há mendigos , crianças de rua , sujeira pelas calçadas ...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno , aquela musiquinha de esperar dentista . Observem-se os vários nichos , todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo , acolitados por belas sacerdotisas . Quem pode comprar à vista , sente-se no reino dos céus . Se deve passar cheque pré-datado , pagar a crédito , entrar no cheque especial , sente-se no purgatório . Mas se não pode comprar , certamente vai se sentir no inferno ... Felizmente , terminam todos na eucaristia pós-moderna , irmanados na mesma mesa , com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer do McDonalds ...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas : " Estou apenas fazendo um passeio socrático . " Diante de seus olhares espantados , explico : " Sócrates , filósofo grego , também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas . Quando vendedores como vocês o assediavam , ele respondia : Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz . "


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