terça-feira, 30 de junho de 2009

A Busca do Divino no Homem Ocidental ! Parte 2

Os contributos de Lacan , Freud , Jung e de outros pioneiros da psicanálise vieram aliás " desmontar " a noção da " objectividade " , que o sujeito pensante reclamava para si e cuja legitimidade teria ido buscar ao edifício cartesiano , ao demonstrarem o papel preponderante que o inconsciente joga no psiquismo humano .
O racionalismo que caracteriza a nossa modernidade , profundamente devedora da iluminismo do século das luzes ( a promissora " Aufklarung " ) e herdeira do pensamento grego , não permite abranger a totalidade da experiência humana e não pode ir mais além do que um nível " mental " ou intelectual de compreensão do mundo . Por quê ? Não só pela preponderância do psiquismo humano face ao seu lado " racional " , mas também porque a mente tem , em si própria , o germem da sua própria limitação : é dual , funciona por contraste e por comparação , estabelece relações entre as coisas , mas não tem como subsumir-se à - ou melhor , elevar-se acima da - dualidade . O maniqueísmo ideológico que insiste em classificar definitivamente as coisas em boas ou más , pretas ou brancas , materiais ou espirituais , é uma perversão de uma mente que é redutora porque absolutiza e radicaliza os opostos . Porque para que essa mente possa funcionar é necessário pressupor um princípio lógico de não-contradição : uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo . Racionalmente , os opostos não podem conviver porque se excluem mutualmente .
Ora , sabemos que nada é absolutamente só e apenas essa coisa - verdade recorrente que descobrimos nas conclusões recentes da física quântica ( ao afirmar , por exemplo , que a matéria é simultaneamente matéria e energia ; que a energia assume simultaneamente a forma de onda ou de partícula ; que o facto de haver um sujeito observador influi no comportamento do objeto observado - conhecida , está última ideia , como o " princípio da incerteza " , formulado por Heisenberg ) . Também descobrimos esta verdade no taoísmo , filosofia milenar que postulava o princípio da complementaridade dos opostos ( a coincidentia oppositorum de que fala Jung e antes dele todas as tradições de alquimistas e esoteristas ) . Até ao nível do próprio senso comum podemos encontrar esta ideia - utilizemos duas imagens perfeitamente evidentes para qualquer pessoa : a noite traz em si a semente do dia que começará a " nascer " quando esta atingir o seu auge , e portanto dia e noite são inseparáveis ; não faria sentido eu estar a mentir se não existisse uma verdade que evito e de que me estou a desviar - posso mentir porque há uma verdade que me assegura a mentira . Uma coisa só existe e ganha sentido por referência ao seu oposto . Vemos , assim , como qualquer ideia contém em si o seu próprio oposto em potência e como são inseparáveis .
Mas a aposta feita no racionalismo , acreditar que o intelecto terá o poder de nos revelar a totalidade do mundo e do homem , e assim apreender-lhe a realidade , não é específico do mundo actual - no entanto , o que caracteriza a viragem específica da modernidade é a subordinação da maioria das dimensões da vida individual e da vida colectiva à dimensão produtiva , voltando-as assim a uma definição predominantemente económica da razão ; a própria validação da racionalidade submetida , pois à eficácia utilitária do saber e da acção .
A semelhança do mundo moderno que " cortou " com a religiosidade tradicional instaurando o pensamento racional para chegar à verdade , os filósofos gregos " cortaram " com o pensamento mágico-religioso e místico do Médio e Extremo Oriente que imperava na altura e que , pela sua simplicidade ( estreitamente ligado aos elementos naturais , e sem mitologias , cosmogonias ou divindades elaboradas ) , seria talvez a religião mais " simples " que se poderia conhecer .
Talvez ao edifício filosófico e lógico aristotélico seja imputável parte da responsabilidade por esta " fé cega na razão " , característica da Grécia e recuperada pelos pensadores do renascimento - intensificada até chegar à situação-limite a que o homem moderno chegou ( a própria expressão que empregamos , " fé cega na razão " , traduz bem o carácter da modalidade da experiência humana moderna : substitui-se " deus " pela " razão " que tudo pode - supostamente - conhecer ) ; o edifício aristotélico , dizíamos , pode ser responsabilizado pela crença ilimitada no raciocínio e na lógica , ao afirmar como postulado e condição sine qua non de cognoscibilidade que " uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo " . Parafraseando : se A é A , então só pode ser A e não pode ser não-A . É indispensável que aceitemos que A é imutável , parcial , sempre igual a si mesmo e isolado do resto do mundo para que o possamos conhecer com segurança .
A dicotomia entre " ser e não ser " sempre minou todo o pensamento ocidental desde a aurora helénica ; sempre presente , e por vezes denunciada , como por exemplo no caso da célebre locução de Hamlet : " Ser ou não ser , eis a questão ! " , a resolução da dicotomia ontológica que consistiu na radicalização dos opostos estava irremediavelmente embutida na cultura ocidental : tanto que o ocidente pouco lúcido viria a repetir essa frase de William Shakespeare vezes sem conta , como se revelasse uma verdade filosófica profunda . Afinal , e temos as mais recentes descobertas da física a suportar este argumento , ela não é mais do que um grande equívoco ontológico . Como afirmou o mestre taoísta Lao-Tzu , " ser e não ser são os dois pólos de uma mesma curva " : a questão não é " ser ou não ser " , sim " ser e não ser " . Uma verdade da sabedoria oriental , ensinada ao longo de várias gerações cujos últimos mestres viveram 2000 anos antes do Senhor Jesus , o Cristo .


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