terça-feira, 30 de junho de 2009

A Busca do Divino no Homem Ocidental ! Parte 3

Até agora , dissertámos um pouco sobre a relatividade - a dualidade - de uma mente que para conhecer tem de isolar , de classificar , de dissecar , de proceder enfim por análise , por dedução , indo do mais geral para o mais concreto , e que o homem tem utilizado para afirmar e desbravar os mistérios do mundo . Ora , para perceber toda a complexidade do homem , do mundo e das leis que o regem , há que utilizar faculdades outras que não o raciocínio analítico . Como escreveu Novalis , poeta alemão do final do século XVIII , " a ciência é apenas metade ; a outra metade é a fé " .
O grande drama do homem moderno é não ter valores transcendentes que expliquem o seu lugar no mundo , que dêem sentido à sua experiência , seja prazerosa , seja de sofrimento - e todos sabemos como a parte maior de intolerabilidade do sofrimento vem de não percebemos o seu sentido ( se fôssemos alquimistas , diríamos que o sofrimento é " fogo " no laboratório que é a nossa experiência humana , destinado a alquimizar o que de nós há de mais denso e transformá-lo em algo de mais subtil : sofrendo mas integrando conscientemente toda a experiência vivida , alquimizaríamos o que há de material e instintivo em algo de luminoso e espiritual - a lenta ascensão da consciência humana , ou - simbolicamente - a transformação do " chumbo " em " ouro " ) .
Mas mais importante , e complementar deste quadro de falta de valores transcendentes , é o facto de o homem insistir em substituir a dimensão de sagrado que perdeu por uma razão fragmentária , e torná-la única instância legitimadora de toda a acção e entendimento do mundo ; insuficiente , porém , e como vimos , para apreender a total complexidade do homem total - única via de acesso , e de reconhecimento , ao sagrado . Não há dúvida de que a ciência é um utensílio de valor inestimável , mas tem limitações e não deve ser tomada como a arauta da verdade e da plena realização do homem no mundo : " a ciência deve servir e erra somente quando pretende usurpar o trono ( ... ) é um instrumento da nossa compreensão e só obscurece a vista quando reinvindica para si o privilégio de constituir a única maneira adequada de apreender as coisas " ( Carl Jung ) .
Veremos em seguida algumas das consequências da absolutização da razão no decurso da história , e de como a sociedade moderna é o produto dos critérios racionalistas que o iluminismo nos propôs .
Três consequências exemplares da absolutização do uso da razão .
A identidade problemática !
No início era o Locutor Primodial , porque no início era o Verbo . Quando esse Locutor Primeiro era seguro ( " Deus fala no mundo " ) , a atenção virava-se para o discernimento dos seus enunciados , para os mistérios do mundo . Mas quando esta certeza se pertuba com a pertubação das instituições religiosas que a garantiam , a atenção volta-se para a possibilidade de encontrar substitutos ao único locutor : Quem vai falar , e a quem ? Dizendo o quê ?
E porque perde o seu lugar como sujeito passivo , lugar conferido pela organização de um cosmos , que o indivíduo nasce como sujeito activo , responsável pelo seu próprio destino . Já não se trata de ouvir e decifrar as mensagens divinas - e agir em concordância - , mas de cada um assumir a responsabilidade pela criação do próprio destino , em interacção com os restantes membros da comunidade .
Toda a interacção social é um processo de visibilidade que tem a ver com a teatralização da vida coletiva , onde cada um dos actores é simultaneamente espectador . Os ritos sociais são as regras da teatralidade da vida coletiva , e são tanto mais indiscutíveis quanto mais cada um considerar o seu papel como parte de uma peça ditada por uma instância transcendente , exterior , por conseguinte , ao espaço e a história da colectividade , a partir de um ponto de fuga a partir do qual se perspectivam todos os lugares da cena . Essa instância é o fundamento indiscutível da própria representação .
A identidade e o lugar atribuído a cada um são , assim , relativamente estáveis e ditados desde esse ponto . Tanto o desenrolar da cena como os lugares atribuídos aos actores estão fixados de antemão por uma ordem transcendente , revelada numa temporalidade a-história , sem uma origem nem termo determinados no decurso da temporalidade mortal dos homens , e que se sobrepõe assim ao desenrolar factual da história humana . Por isso se designa como temporalidade mítica , por apresentar o cenário de uma outra representação , a dos deuses , o das gesta fundadoras do cosmos , onde a sociedade dos homens ocupa o centro , ao mesmo tempo que este é o seu reflexo especular e a sua razão de ser .


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