quarta-feira, 9 de novembro de 2011

" A Consciência da Presença de Deus e Seus Efeitos "

Depois de termos conduzido o leitor através da metafísica do Cristianismo , à luz das palavras eternas do Pai-nosso - não queremos deixar de o prevenir contra um grande perigo .
Em hipótese alguma pense o leitor que possa conhecer devidamente o verdadeiro sentido das palavras de Jesus à força de simples estudos e análises intelectuais . Estudo e análise são úteis e até certo ponto necessários - mas não são suficientes para crear vida espiritual . Nenhum santo , místico ou vidente de Deus adquiriu desse modo o seu conhecimento sobre o reino dos céus . A força que domina o mundo , o poder do alto , o entusiasmo religioso , a irresistível dinâmica dos mártires e apóstolos de Deus , a exultante audácia do verdadeiro místico que ignora impossíveis , a cruz transformada de símbolo de ignomínia a epopeia de glórias , a transbordante alegria dos grandes arautos do reino de Deus na terra - nada disso deriva de um estudo meramente teórico , tudo isso é filho da oração , de uma intensa e profunda consciência da presença de Deus . Quem não conhece Deus intuitivamente , pela experiência direta e imediata , sempre tem algo que temer , sempre tem de especular e calcular meticulosamente , para que seus pequeninos interesses pessoais não sofram prejuízo , e seus queridos ídolos não sejam derribados dos seus tronos - mas quem tem contato pessoal com Deus pela experiência mística nada tem que temer ; a própria morte , esse ominoso espectro para o profano , não inspira terror ao iniciado , porque não existe : ele já vive a sua imortalidade aqui na terra ; quer tenha corpo quer não , isso não faz a menor diferença , uma vez que sabe , e não apenas crê , que ele não é o seu corpo , mas sim sua alma . E assim , pode o homem realmente espiritual jogar-se sem reserva , de corpo e alma , ao oceano imenso dos trabalhos pelo reino de Deus , na certeza de que nenhum mal lhe pode acontecer ; pois , se Deus está por ele , quem estaria contra ele ? Por isso , o homem espiritual é o único homem que pode trabalhar com 100% de eficiência , dinâmica e entusiasmo .
Mas tudo isso supõe que ele tenha de fato experiência pessoal com Deus , experiência que só se adquire na oração ou cosmomeditação .
É , pois , necessário , e absolutamente indispensável , que o homem , não disposto a se iludir a si mesmo , se abisme frequentemente e com crescente intensidade , em Deus , a ponto de poder dizer com Jesus : " Eu e o Pai somos um " . É necessário que de fato viva uma vida de perene comunhão com Deus , que " ore sempre e nunca desista de orar " .
Mas , para que a vida humana possa decorrer habitualmente na luminosa e dinâmica atmosfera dessa permanente consciência de Deus , é necessário que o estudante dessa arte das artes dê certo tempo à meditação diária , uma hora ou meia hora durante a qual ele se isole do mundo externo , " entre no seu cubículo , feche a porta " a todas as intrusões de fora e se recolha totalmente em Deus e sua alma . Durante essa hora de silencioso diálogo entre Deus e a alma , ou esse profundo solilóquio com o infinito , deve o homem impor completo silêncio a seus sentimentos psicofísicos , como também a seus pensamentos discursivos , focalizando sua consciência espiritual na única Realidade , transcendente e imanente , Deus , permitindo que a Luz Eterna lhe ilumine a alma , que lhe dê forças e a torne cada vez mais nitidamente consciente da sua essencial identidade com Deus .
É necessário escolher para essa hora sagrada a melhor - e não a pior - hora do dia , quando o corpo esteja mais descansado e a alma mais tranquila e receptiva .
A princípio , esse total egoesvasiamento será trabalho pesado e árduo , e muitas vezes o principiante se verá à beira do desânimo , principalmente quando não vê nenhum resultado suscetível de estatística . Se , todavia , prosseguir , imperturbável e com crescente intensidade , verá a sua vida paulatinamente transformada , sob a ação silenciosa do fermento divino , sob o impacto sutilmente poderoso dessa diatermia mística . Verá que , aos poucos , essa hora de meditação matutina acabará por se lhe tornar querida e docemente necessária , e se , algum dia , por motivo imperioso , não a puder praticar , sentirá essa falta como quem ficou em jejum e anseia por tomar alimento .
Nos primeiros tempos , essa maravilhosa luz divina será limitada à hora feliz da meditação , e o meditante , quando voltar aos trabalhos diários , sentirá dolorosamente a extinção dessa luz e o desaparecimento da força espiritual , na medida em que se vai distanciando da hora da meditação . Aos poucos , porém , com a progressiva intensificação da absorção em Deus , vai ele difundindo algo dessa luz sobre as restantes horas do dia , até permeá-lo todo dessa divina claridade .
Verificará então que , sob o misterioso influxo do frequente colóquio com Deus , todos os trabalhos do dia , mesmo os mais prosaicos e enfadonhos , acabarão por se tornar agradáveis , aureolados por um halo de luz sobrenatural , que lhes confere um quê de simpático e sorridente . Percebe , por fim , que tudo é belo neste mundo de Deus quando posto dentro da luz da experiência de Deus . . .

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Essa conscientização da presença de Deus é de absoluta necessidade para a sanidade espiritual do homem e , portanto , a única regeneração possível da sociedade . Qualquer outro tentame de regeneração social é ilusório e inoperante . 
A verdadeira vida de meditação exige uma tremenda disciplina do espírito e equivale , não raro , a uma dolorosa intervenção cirúrgica no organismo doentio da alma . O homem que pratica a meditação ou deixará de ser pecador ou deixará de meditar . Ou a meditação acaba com o pecado ou o pecado acaba com a meditação . Não é possível que estas duas coisas coexistam , lado a lado , por muito tempo , dentro da mesma alma . São como fogo e água , como luz e treva .
O homem não pode orar de um modo e viver de outro . A razão principal por que muitos homens não levam uma vida de oração é porque a vida que levam não é compatível com o espírito da oração , e como é mais fácil , segundo a lei da inércia moral , abandonar a oração do que deixar o pecado , é natural que este seja mantido e aquela sacrificada . . .
A oração , ou meditação , quando genuína , implica a mais inexorável sinceridade do orante para consigo mesmo . Todos os grandes feitos da história são filhos da oração .
O objetivo da oração não consiste numa tentativa pueril de mudar a vontade de Deus - mas sim num esforço sincero de conformar a nossa vontade com a vontade de Deus .
O fim da oração não é conseguir algum objeto externo mas sim curar o próprio sujeito ; porquanto a única coisa do mundo que pode estar errada é a atitude do ser humano , consciente e livre . O resto está sempre certo .
A oração ou meditação tampouco é um substituto do trabalho - é antes o mais árduo de todos os trabalhos e , ao mesmo tempo , a mola secreta que encerra a força para todos os outros trabalhos positivos e eficientes da vida humana .


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A iniciação espiritual do homem e seu progresso nesse terreno dependem essencialmente da sua capacidade de orar .
Sendo que Deus é a única Realidade , tanto maior e mais poderoso é o homem quanto mais íntima for a sua união com Deus . A oração é o dínamo gerador de todas as energias , porque estabelece a ligação com a " usina " divina ; cortada a ligação com a fonte da luz , apagam-se todas as luzes . A razão última desse caos em que a humanidade se debate está no abandono da comunhão com Deus . As próprias igrejas cristãs perderam , grandemente , o espírito da oração , julgando poder resolver os problemas humanos por meio de conferências , congressos e discussões teológicas . Toda e qualquer outra medida - política , econômica , social , científica , etc . - é ineficiente se não correr paralela e se basear em uma intensificação da comunhão com Deus - isto é matematicamente certo , embora seja considerado ridículo pelos " grandes " deste mundo que julgam dirigir os destinos da humanidade . Mais que em outro ponto qualquer têm as igrejas cristãs falhado em cumprir a sua missão nesse particular . A teologia escolástica suplantou praticamente a intuição mística . Os eruditos substituíram os santos . A inteligência matou o espírito . Muitos são os cristãos que sabem lindas coisas sobre Deus , poucos são os crísticos que conheçam Deus . Uma coisa é estudar teologia sobre Deus , outra coisa é ter experiência de Deus .
A oração na sua forma mais genuína e intensa é a meditação , o silencioso colóquio ou a comunhão com Deus .
É absolutamente certo que o homem que não pratica , regular e intensamente , essa comunhão com Deus não é homem espiritual , e sua atividade no terreno social não produzirá resultados duradouros . Por isso , o cultivo de uma vida de oração no seio das igrejas cristãs , e da humanidade em geral , é o requisito número um para a regeneração da humanidade . Para o homem de oração não há problema insolúvel .

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A cosmomeditação , de que falamos , não consegue se esvaziar totalmente de qualquer conteúdo do ego humano , na absoluta certeza de que onde há uma vacuidade acontece uma plenitude . O total egoesvaziamento produz infalivelmente uma teoplenificação . O homem será plenificado de Deus na razão direta em que se esvaziar de si mesmo .
Essa teoplenificação não é obra do homem - obra do homem é somente o egoesvaziamento ; o resto acontecerá automaticamente . E a teoplenificação resolve todos os problemas da vida humana .
Para os principiantes é importante saber que esse esvaziamento da egoconsciência sem a manutenção da consciência espiritual conduz a um transe ou uma auto-hipnose , que anulam qualquer efeito espiritual .O meditante deve ser 0% pensante e 100% consciente . O pensamento é um processo de sucessividade mental - ao passo que a consciência é um estado de simultaneidade espiritual . O pensamento sucessivo nos torna inquietos - a consciência simultânea nos enche de profunda tranquilidade e inefável felicidade .
Em vez de definirmos teoricamente o que é essa comunhão com Deus , passaremos a descrever alguns dos seus efeitos .
Depois de um certo período de meditação diária , intensamente vivida , fará o homem dentro de si mesmo uma série de grandes descobertas .
1- Verificará , antes de tudo , que está livre , ou em vias de libertação , dos dois maiores inimigos da sua felicidade : o ódio e o temor . Verificará que já não odeia pessoa alguma nem teme coisa alguma . Qualquer psicólogo , psiquiatra ou psicoterapeuta dos nossos dias sabe - como já sabiam os antigos gênios filosóficos e religiosos - que são estes dois fatores , o ódio e o temor , que fazem o homem doente , espiritual e psiquicamente , e , não raro , também fisicamente . Os manicômios , hospitais e penitenciárias lá estão como testemunhos desta verdade ; e milhares de lares domésticos são verdadeiros infernos por causa desses inimigos traiçoeiros da humanidade .
Ódio e temor são atitudes negativas da alma , e é sabido que toda atitude negativa , quando diuturnamente alimentada , acaba por envenenar o seu autor . O homem que odeia volta-se contra a pessoa de quem julga ter recebido injúria e que , por isso , considera seu " inimigo " , procura pagar-lhe mal com mal e , possivelmente , com o maior dos males físicos , a morte .
Não sabe que , com essa atitude negativa e odienta , inflige a si mesmo um mal muito maior do que , eventualmente , possa infligir a seu chamado " inimigo " . O mais prejudicado pelo ódio é sempre o sujeito e não o objeto desse ódio ; uma vez que aquele é a causa ativa e produtora do mal , e este apenas a vítima passiva que o sofre . O objeto do ódio pode , no pior dos casos , perder a vida física , mas o sujeito do ódio , em qualquer hipótese , quer mate quer não mate a pessoa odiada , perde , e já perdeu , a saúde e integridade metafísica do seu Eu .
Ódio é um processo reflexivo , e não meramente transitivo ; a sua ação deletéria não termina no odiado , mas reverte ao odiador ; o odiado é , quando muito , atingido na superfície , na parte material , do seu ego , ao passo que o odiador recebe em cheio o impacto dessa terrível " bomba atômica " de sua própria fabricação , que tencionava lançar contra seu " inimigo " .
" Não pagueis mal com mal ! Amai vossos inimigos ! Fazei bem aos que voz fazem mal . . . "
Há quem considere esses imperativos categóricos do Sermão da Montanha como idealismo ético , mas praticamente impossíveis e absurdos . Não sabem esses ignorantes que vai nestas palavras uma alta filosofia prática da vida humana , e a única sabedoria realmente eficiente . Bem sabia o profeta de Nazaré que não há saúde e felicidade no homem que alimenta ódio e ressentimento .
Ora , o homem cristificado compreende essa sabedoria divina e por isso aboliu definitivamente qualquer ódio e rancor ; não é inimigo de ninguém , embora outros se digam inimigos dele . Judas era inimigo de Jesus , mas Jesus não era inimigo de Judas , tanto assim que ainda no momento mais negro da vida de Iscariotes Jesus lhe chama " amigo " e retribui o beijo da traição com um ósculo de sincera amizade .
Se outra razão não houvesse , valeria bem a pena fazer meia hora de meditação diária a fim de atingir esse glorioso estado de isenção de ódio .
Isenção de ódio ? Não , é muito mais que isso : é um positivo amor para com todos os seres , humanos e infra-humanos .
E esse amor não é meramente um tal ou qual sentimento emocional nem o efeito de uma simples endoutrinação teórica ou dum arranjo artificial ad hoc : é o resultado espontâneo da intuição da Verdade ; pois o iniciado é o vidente da Verdade absoluta , da Realidade eterna ; ele sabe por vidência interna que todos os seres são , em última análise , seus irmãos , mais ou menos avançados , como vem tão magnificamente expresso no " Cântico do Sol " de São Francisco de Assis , um dos homens mais perfeitamente cristificado que a história conhece ; esse homem sabe que todos os seres do universo são filhos do mesmo Pai celeste , efeitos da mesma Causa primária , águas da mesma Fonte divina , raios do mesmo Foco luminoso , eflúvios do mesmo Amor creador . Ele ama o que Deus ama - e como podia deixar de o fazer , se está identificado com o divino Amante de todos os seres ? Como poderia o homem cometer o abominável sacrilégio de odiar algum ser sabendo que é objeto do amor de Deus ?
Esse amor universal que anima o iniciado é , pois , o resultado imediato e infalível da sua intuição cósmica . A vasta horizontalidade da sua ética assenta alicerces na profunda verticalidade da metafísica . O amor que ele pratica é filho da verdade que ele vive . E é por isso que a sua ética não lhe é cruciante e penosa , mas , sim , deleitosa e fácil .

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É também esta a razão porque o homem cristificado desconhece temor . Temor , como dissemos , supõe ignorância ; mas o iniciado é o sábio por excelência ; sabe que nada o pode prejudicar , uma vez que nenhum ser externo pode frustrar-lhe a consecução do destino eterno . Por isso , o homem espiritual , vidente da verdade , vive sem temor e intimamente tranquilo e feliz . As " desgraças " que , porventura , atinjam sua vida não passam de tempestades de superfície ; as profundezas do seu oceano interno permanecem sempre em perfeita paz e bonança . E por ser ele um homem essencialmente pacífico , pode ser também um grande pacificador , um creador e restaurador de paz , não tanto pelo que diga ou faça , mas pelo que é dentro de si mesmo . Compreende o sentido profundo das palavras de Jesus : " Bem-aventurados os pacificadores , porque serão chamados filhos de Deus " .

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2 - Depois que alguém praticou , por suficiente lapso de tempo e com a devida intensidade , a sua comunhão diária com Deus , verificará , a princípio , que a luz da meditação matutina se vai extinguindo gradualmente na medida em que ele volta aos seus afazeres profissionais . E isso o enche de tristeza , porque desejaria viver nessa luz divina horas seguidas , possivelmente o dia todo . Chega quase a invejar a sorte dos eremitas que passam a vida em perene meditação , como se em permanente êxtase de alienação das coisas do mundo . Renuncia , porém , a esse desejo e continua a cumprir fielmente os seus árduos deveres profissionais , que lhe parecem prosaicos depois da poesia celeste daquela meditação matutina .
Mas eis que vai verificando aos poucos , na medida do seu progresso , que essa luz divina e esse ardor espiritual continuam a persistir parcialmente durante o dia , projetando reflexos sobre a zona dos seus trabalhos comuns , iluminando-os , acalentando-os , cingindo-os de um halo de sorridente simpatia e leveza . E , na razão direta em que esses reflexos se vão intensificando e ampliando , à guisa dos círculos concêntricos na superfície plácida de um lago atingindo por algum objeto , verifica o homem espiritual que os seus afazeres diários , mesmo os mais fastidiosos e antipáticos , vão perdendo o seu prosaísmo , revestindo-se de um quê de simpática amabilidade . Haviam-lhe dito que o homem espiritual era imprático e ineficiente nas coisas do mundo , porque não podia ao mesmo tempo interessar-se pelas coisas do espírito e pelas coisas da matéria . Mas o homem de meditação profunda e perseverante verificara o contrário : descobre que os seus trabalhos profissionais ganham em eficiência e dinâmica na razão direta da sua espiritualização . É que ele faz agora com alegria e inteira dedicação os mesmos trabalhos que , outrora , fazia a contragosto ou com indiferença , por mera obrigação e indispensável meio de vida . Esses mesmos trabalhos , seus tiranos de ontem , são seus amigos de hoje , porque a imersão diária no maravilhoso mundo de Deus dá alma e significação a tudo . Esse homem solveu o doloroso problema da vida que atormenta milhões de infelizes , escravos dos trabalhos que detestam ; descobriu o segredo de amar o seu dever , de responder com um sorridente eu quero ao lúgubre tu deves .
3 - Cedo ou tarde , o homem de meditação diária também descobrirá que possui plena certeza da existência de Deus e da vida eterna . Em tempos idos procurou ele adquirir essa certeza por meio de processos silogísticos e especulações intelectuais . Alinhava eruditos argumentos uns ao lado dos outros , como um viandante que lança pedras no leito dum rio a fim de chegar à margem oposta , saltando de pedra em pedra . Era impecável a cadeia silogística que ele forjava a fim de captar Deus nas malhas sutis da sua rede filosófica - mas tinha de verificar cada vez que Deus não era o resultado final de nenhuma análise intelectual , que Deus não aparecia sob a objetiva do microscópio , nem mesmo do mais poderoso microscópio eletrônico , nem tampouco era achado no fundo das provetas , tubos e cadinhos de reagências químicas . . .
Convenceu-se , por fim , após muitas decepções , que Deus e a vida eterna não são coisas verificáveis por análise alguma de caráter intelectual , mas que são atingidos por intuição espiritual , pela grande intuição cósmica de uma vida retamente vivida , e não de silogismo corretamente construído . . .
E essa grande síntese vital tem o seu foco nas luminosas profundezas da meditação intensa , onde se opera o contato direto entre Deus e a alma humana .
Certeza espiritual não vem de provas e demonstrações , vem de experiência interna . O homem de meditação descobre essa fonte eterna de toda a religião . Compreende a inabalável certeza que os grandes gênios religiosos possuíam de Deus e da vida eterna . E essa certeza , haurida de uma experiência imediata , confere ao homem iniciado um sentimento profundo de poder , de segurança , de tranquilidade e de serena felicidade , de que o profano e inexperiente não tem a menor ideia . Uma e muitas vezes terá esse homem de ouvir da parte de dogmáticos que essa " certeza " não passa de uma bela miragem e ilusão subjetiva ; que a verdadeira certeza provém da obediência incondicional à autoridade eclesiástica . O verdadeiro iniciado , porém , sabe , com toda a humildade e com toda a firmeza , que a sua certeza é sólida e objetivamente válida , embora ele não seja capaz de comunicá-la aos que não passaram pela mesma experiência . O próprio Jesus não valeu convencer os sacerdotes da sua igreja do que ele mesmo sabia de Deus e do seu reino . É que ele intuía Deus , ao passo que os chefes da sinagoga só sabiam certas coisas sobre Deus .
Nenhum iniciado pode transmitir aos profanos o que sabe , uma vez que experiências direta não são transmissíveis . Se o fossem , haveria a possibilidade de " contrabando " ou intrusão ilegítima no reino de Deus - o reino dos céus , porém , é o único reino onde não existe contrabando e ilegalidade . Não posso passar procuração a nenhum dos meus amigos , nem posso encarregar o ministro ou sacerdote da minha igreja de ter em meu lugar experiência divina e depois transferi-la para minha conta pessoal . Isso seria contrabando , processo ilegal , salvação automática , ex opere operato . Meus amigos e correligionários , é certo , quando mais avançados do que eu , podem auxiliar-me grandemente nessa aventura suprema da minha vida , mas não a podem fazer por mim . Em última análise , sou eu mesmo que devo encontrar-me face a face com Deus , no meio do profundo silêncio de todas as creaturas , no meio de absoluta solitude - eu , só com Deus . . .
É assim que o iniciado pela meditação faz a jubilosa descoberta de que liberdade pessoal e certeza espiritual , duas coisas aparentemente incompatíveis , se fundem numa grandiosa síntese e em perfeita harmonia .

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4 - Talvez a mais estranha experiência por que o amigo da meditação diária passa é o aparecimento da still small voice de que tanto Mahatma Gandhi na sua autobiografia , quer dizer , de uma voz misteriosa que , não obstante o seu profundo silêncio , se revela com grande clareza e poder no interior do homem espiritual . Essa voz íntima se faz ouvir cada vez que o homem se ache em perigo de resvalar em um plano inferior ou de fazer compromissos ambíguos com o mundo profano . A princípio , essa voz é tão fraca que é mal perceptível , sobretudo no meio dos ruídos do mundo . À medida , porém , que o homem vai apurando o seu ouvido interno em concentrada meditação e pureza de vida e escutando o trovejante silêncio de sua alma , perceberá que essa voz se avoluma e torna cada vez mais clara e precisa , chegando a constituir-se em verdadeiro guia e anjo tutelar . Em momento de dúvida , basta que ele se concentre por uns momentos , se dispa de todo o egoísmo pessoal - e logo terá resposta clara e definitiva às suas dúvidas , e diante dele está o caminho reto a seguir . Essa voz íntima é Deus mesmo , que se revela pela consciência humana . Mas é necessário que o homem se habitue a ouvir a voz da consciência e não interprete falsamente as suas mensagens . Essa falsificação é muito óbvia e frequente e terá lugar toda vez que o homem procurar tirar vantagem pessoal dos seus atos , algum interesse peculiar para seu ego . Por isso , é de suma importância que o homem se dispa de todo e qualquer motivo egoístico quando escuta a voz da consciência ; do contrário , tomará seus próprios desejos subjetivos pela revelação de Deus .
É , todavia , dificílima essa " desegoficação " e supõe inexorável sinceridade com nós mesmos . Gostamos naturalmente de iludir-nos e tomar os nossos desejos pessoais pela voz da consciência . O homem , porém , que atingiu as alturas serenas de uma retilínea auto-honestidade e evita sistematicamente as curvilíneas manobras do sagacíssimo ego está livre do perigo de aberração e , seguindo o caminho indicado pelo misterioso monitor interno , chegará infalivelmente ao reino de Deus .

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5 - Paralelo a essas gloriosas conquistas asseguradas pela meditação profunda , corre um processo de libertação gradual da tirania do ambiente .
O homem profano nem sabe como está escravizado , não só pelas circunstâncias externas da sociedade , mas ainda mais pelas circunstâncias internas do seu próprio ego físico , mental e emocional .
Dourou as grades férreas da sua prisão e se convenceu de que mora num palácio em plena liberdade . A tal ponto se habituou ao cárcere em que vive habitualmente que adora os seus queridos tiranos mentais e emocionais .
Só depois que esse homem teve um vislumbre do céu azul da verdadeira liberdade através das grades da sua prisão , só então percebe ele que é um prisioneiro e sente o primeiro desejo de libertação , suspira por afirmar a soberania da sua substância divina sobre todas as tiranias das circunstâncias humanas . Só então compreende esse homem o sentido das palavras do Mestre : " Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará " . Ele se libertou pela visão da verdade sobre si mesmo - e liberdade é felicidade . Esse homem já não pensa pela cabeça dos outros ; uma nova intuição espiritual substituiu a velha analítica intelectual ; ele é antes um cosmopensado do que um egopensante ; poderia dizer com Paulo de Tarso : " Já não sou eu que vivo , o Cristo é que vive em mim " , eu sou um Cristo- vivido .
Sabe o que é essencial e o que é secundário nas ocorrências diárias . Seleciona os fatos , as impressões , os pensamentos . Não acolhe todos igualmente ; aceita o que favorece a sua verdadeira evolução e rejeita o que é inútil ou prejudicial .
Compreende então que " ser alguém " não é alguma conquista externa , mas um processo orgânico interno , baseado no descobrimento da Verdade , da qual dimanam espontaneamente a Liberdade e a Felicidade que nenhum profano conhece .
O homem , uma vez habituado a essa comunhão diária com Deus , já não pode viver sem ela . Se por acaso dela fosse privado um dia , sentir-se-ia mal , como se não tivesse comido , e acharia meios e modos para suprir a falta .
Só de homens dessa qualidade pode a humanidade esperar guia e redenção , no meio da crise em que se debate .
" O reino de Deus está dentro de vós " - mas é um " tesouro oculto " . É necessário cavar , e cavar fundo , para o descobrir . Diariamente deve o homem aprofundar essa mina divina .
" Venha o Teu reino , Senhor ! " 
Texto : Huberto Rohden ( do livro Metafísica do Cristianismo pag. 87 a 100 )
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