sábado, 12 de março de 2011

" Odisséia " Parte I

Uma investigação pessoal sobre Psicologia Humanística e Transpessoal .
No meu primeiro ano de faculdade ( Duke ) , tive a oportunidade de me deparar com um livro bem pequeno cujas frases iniciais eram :
" O caminho que pode ser verbalizado não é o caminho eterno . "
" O nome que pode ser falado não é o nome eterno . "
" O Indizível é a origem do Céu e da Terra . "
" O Nomeado não é senão a mãe de dez mil coisas . "
Em verdade , somente aquele que livra-se para sempre do desejo pode ver as Essências Secretas ;
Aquele que nunca livrou-se do desejo somente pode ver as Consequências .
Essas duas coisas provém da mesma Fonte ; todavia são diferentes na forma .
Essa Fonte só pode ser chamada de Mistério .
A Porta entreaberta de onde emergem todas as essências secretas .
Lao Tsé , Tao-te Ching

Eu nunca tinha sido exposto a tais idéias antes . Ou talvez devesse dizer , se em alguma ocasião vi tais palavras , elas não me impressionaram de modo algum . Até aquele ponto da minha vida estava totalmente envolvido pela ciência ( física , química , biologia e matemática ) . Na minha adolescência fui bastante rebelde e criador de casos para ser considerado normal e saudável ; todavia , minha primeira lembrança de satisfação intelectual foi comprar um livro de química aos dez anos e meus momentos mais felizes foram passados em vários laboratórios que montei em casa . No final do segundo grau e no início da faculdade , bebi também bastante cerveja e tornei-me suficientemente obcecado por garotas para , novamente , ser considerado normal e saudável . Entretanto , minha verdadeira paixão , meu demônio interior , era a ciência . Formei um self construíndo na lógica , estruturado pela física e movido pela química . Fui precocemente bem sucedido nesse mundo , ganhando numerosos prêmios e menções honrosas ; entrei para a faculdade com a idéia de manter esse sucesso e extrapolá-lo para o destino de uma vide . Minha juventude mental era um idílio com a precisão e a exatidão , uma fortaleza do claro e do evidente .
E assim , à medida que fui lendo o primeiro capítulo do Tao-te Ching era como se , pela primeira vez , estivesse sendo apresentado a um mundo totalmente novo e drasticamente diferente - um mundo além dos sentidos , um mundo fora da ciência e , portanto , um mundo além de mim mesmo . O resultado é que essas antigas palavras de Lao Tsé me tomaram de surpresa ; pior , a surpresa recusava-se a dissipar-se e minha completa visão de mundo começou a sofrer uma mudança sutil mas drástica . Em um período de poucos meses - meses que passei em leituras introdutórias do Taoísmo e do Budismo - o sentido da minha vida , como eu o pensara , simplesmente começou a desaparecer . Oh ! , não foi nada dramático ; foi mais como se , ao acordar uma manhã , após vinte anos de casamento , descobrisse " de repente " que não amava mais minha esposa ( nem ao menos a reconhecia ) . Realmente , não houve nenhum aborrecimento , nenhuma amargura , nenhuma lágrima - apenas a percepção tácita de que era hora de separar-me . Apenas isso : o velho sábio havia tocado uma corda tão profunda em mim ( e muito mais forte devido a uma repressão de vinte anos ) que acordei , repentinamente , para o entendimento silencioso , mas seguro , de que meu antigo self , minha vida anterior e minhas velhas crenças não poderiam mais ser energizadas . Era hora da separação .
Wilber usa self ( com " s " minúsculo ) para que o filósofo Huberto Rohden denomina " ego humano " e Self ( com " S " maiúsculo ) para o que Rohden chama " Eu Divino " . ( N . T . )

O ESPECTRO DA CONSCIÊNCIA

A separação em si , embora não enlouquecedora ou frenética , foi certamente estressante em alguns momentos , especialmente com relação a amigos , família e colegas , muitos dos quais pensavam que Krishnamurti era um comunista e Bodhidharma um pagão , ou pior , um " ateu agnóstico " , e , de algum modo , imaginavam que tudo isso levaria meus filhos a crescer cantando " Buda me ama , isto eu sei . . . " . Mas minha separação era séria .
Intelectualmente , inicei uma empreitada obsessiva de leitura , devorando livros de filosofia oriental num ritmo alucinante . Cortei aulas de química para ler o Bhagavad Gita ; matei aulas de cálculo para estudar a Cabala . Fui apresentado a Huxley e aos psicodélicos , Watts e Beat Zen . Era como se minha prévia vida de " repressão do sublime " tivesse criado , como diria Hegel , uma causalidade do destino que agora me compelia a restabelecer o equilíbrio com uma seriedade quase patológica .
Abandonei Duke e voltei para Nebraska , onde meus pais estavam servindo ( na força Aérea ) , mas rapidamente " realistei-me " na faculdade a fim de evitar a convocação que , naquele período de vietnamização , tinha de ser evitada a qualquer custo . Os dois anos seguintes foram gastos , quase literalmente , em leitura e pesquisa solitária , oito a dez horas por dia . Havia decidido formar-me em química e biologia , simplesmente porque eram tão fáceis para mim que não precisaria perder tempo estudando-as , e poderia , ao invés , usar cada hora das aulas para dedicar-me a filosofia e religião orientais , psicologia e metafísica ocidentais . Irresponsavelmente , consegui me formar com honras suficientes para obter uma bolsa de estudos na Universidade de Nebraska ( Lincoln ) em bioquímica/biofísica ; ao longo do meu primeiro ano de pós-graduação , não fiz outra coisa senão continuar a ler , estudar e tomar notas - e os nomes em meus cadernos não eram Krebs , Miller , Watson ou Crik , mas Gaudapada , Hui-neng , Padmasambhava e Eckhart .
Mas esse período de intensa absorção intelectual , com certeza , começou a valer a pena , não só por recuperar algum tipo de significado para minha vida , como também por ajudar-me a modelar uma síntese conceitual das várias escolas de psicologia , terapia e religião , orientais e ocidentais , que vinha perseguindo tão obsessivamente .
Esses dois resultados , o propósito moral do significado e o propósito intelectual da síntese , eram necessários para minha própria peregrinação pessoal ; não eram meros assuntos colaterais ou curiosidades intelectuais . Não estava fazendo isso em busca de um título universitário , uma carreira , uma cátedra , ou mesmo um afago na cabeça .
Estava fazendo porque sentia que devia fazê-lo ; para mim era a busca do Graal , e este era o ponto crucial da motivação que existia , sob forma de semente , no primeiro encontro com Lao Tsé , naquele primeiro ano de faculdade ; exatamente por isso , o velho sábio me fascinou .
É uma catástrofe intelectual que o conceito de telos tenha sido apagado da psicologia moderna ; filósofos desde Aristóteles até Hegel achavam impossível compreender o universo sem telos . Se realmente o universo é interpenetrante e interdependente em todos os aspectos , então , não só o passado modela o presente , como também o futuro modela o presente , do mesmo modo que uma corrente elétrica não deixará um terminal até que o outro terminal distante seja conectado . Isso mesmo , este propósito moral e intelectual , a síntese inicial da psicologia oriental/ocidental a que chequei por tentativas , quatro anos após meu primeiro encontro com Lao Tsé , parece que funcionou como uma semente-telos , uma chamada do amanhã que puxou minhas ações futuras , do mesmo modo que a causalidade do destino empurrou minhas ações passadas . E este puxa-empurra culminou , nesse período , em minha primeira descoberta importante , uma síntese intelectual que , pelo menos para mim , tinha um sentido profundo . Logo em seguida escreveria os resultados dessa síntese e os publicaria como The Spectrum of Consciousness ( 1977 ) .
Mas dizer que Spectrum era uma síntese intelectual não significa que ele era somente intelectual ou que estava divorciado das transformações pessoais que vinham ocorrendo em minha vida . Muito pelo contrário . Para começar , quando deixei Duke , com as minhas antigas estruturas de crença terrivelmente abaladas , estava , no sentido mais simples da palavra , infeliz . Não profundamente deprimido , não clinicamente triste , nem mesmo sombriamente melancólico - simplesmente infeliz . Esta infelicidade simples é realmente o sentido para o qual Buda Gautama usa a palavra dukkha ; embora ela seja usualmente traduzida como " sofrimento " , significa mais precisamente " amargura " . A primeira verdade de Buda : a vida normalmente vivida é amarga e o primeiro passo no caminho da libertação é despertar para essa amargura .
A vida para mim estava amarga ; era infeliz . E , em parte , estava obcecado pela leitura de todos os grandes psicólogos e sábios porque procurava uma saída para essa vida amarga ; a leitura era motivada , em resumo , pela necessidade de uma terapia existencial pessoal . O ponto era que estava " lendo tudo " porque estava tentando , mental e emocionalmente , juntar numa estrutura completa tudo que sentia ser necessário para minha própria salvação . Estava particularmente atraído por Perls , Jung , Boss e os existencialistas ; Normam O . Brown , Krishnamurti , Zen , Vedanta e Eckhart ; os tradicionalistas Coomaraswami , Guénon e Schuon , mas também por Freud , Ferenczi , Rank e Klein - não se poderia imaginar um grupo mais heterogêneo . E já se pode antever o problema : à medida que estudava todas as diferentes autoridades que propunham-se a dizer-me como tornar-me feliz na vida , eu ficava confuso porque todas discordavam entre si . Assim , ao invés de tornar-me meramente infeliz , fiquei infeliz e confuso . E para passar do estado infeliz para o feliz , pareceu-me que , primeiro , teria de passar do estado confuso para o ordenado .
Esta foi minha motivação enquanto agonizei por meses sobre dúvidas como : " Se os freudianos estão certos e a força do ego é o paradigma da saúde mental , como é que os budistas podem afirmar que a ausência do ego é o estado mais elevado ? " " Se os comportamentalistas estão corretos e o condicionamento histórico do passado é a chave para todos os problemas , como pode Perls afirmar que somente o aqui-e-agora é significativo ? " " O Vedanta diz que a Testemunha transcendente é o mais elevado de todos os estados , mas o Zen afirma que ela é a mais sutil de todas as ilusões ; quem está certo ? " Não é de admirar que o conceito de dissonância cognitiva de Festinger fizesse tanto sentido para mim .
Já havia naquela época ( início dos anos 70 ) diversos livros e artigos que faziam comparações e avaliações de escolas orientais e ocidentais de psicologia/terapia . Na maior parte , entretanto , não os achei de muita utilidade , porque seus autores , invariavelmente , escolhiam lados e , então , sentiam necessidade de denunciar cuidadosamente ( embora algumas vezes de maneira sutil ) a visão oposta . Por exemplo , se a discussão versava sobre os méritos de Freud versus Zen , o autor , se freudiano , definiria o Zen como um treinamento em esquizofrenia catatônica , enquanto o autor orientado pelo Zen definiria Freud como o campeão da ilusão dualística . Da minha parte , simplesmente não podia acreditar que nenhuma mente de gênio ( como Freud ou Buda ) pudesse produzir somente inverdades ou erros . Isto era inconcebível para mim .
De preferência , se tivesse que tirar uma primeira conclusão , a única possível seria : Freud estava parcialmente correto ; Buda estava parcialmente correto ; e o mesmo valia para Perls , Kierkegaard , os existencialistas , os comportamentalistas . E foi nessa base experimental que prossegui . Defrontamo-nos não com vários erros e uma verdade , mas sim com várias verdades parciais , e como encaixá-las coerentemente é , então , o quebra-cabeça supremo .
Em minha própria prática - minha praxis - isto me ocorria diariamente . Por um lado , vinha praticando o zazen seriamente por um ano ou dois e estava cada vez mais sendo influenciado pelo ponto-de-vista do Budismo Mahayana como um contexto abrangente .
Por outro lado , estava sendo completamente atraído para as terapias existenciais ( particularmente a terapia da Gestalt ) , não só por técnicas específicas para tratar meus próprios conflitos , como também por pistas intelectuais para a dinâmica da psique . Mas , independentemente do que os psicólogos pop dissessem , esses dois sistemas ( Zen e Gestalt ) não apresentavam nenhuma similaridade . Certamente eles compartilhavam algumas poucas coisas ( " esteja aqui agora " , ênfase na consciência etc . ) mas além disso , Perls estava muito mais próximo de Freud do que de Buda ( e Freud e Buda tinham muito pouco em comum ) . Penso que a maioria das pessoas , ainda hoje , não percebeu que Perls era basicamente pop-Freud ; um pop-Freud brilhante , com certeza , mas , de qualquer modo , um pop-Freud . O sistema completo de Perls operava com introjeção , projeção e retroflexão ( repressão ) , reativadas no cliente através de transferência de grupo , manifestadas por resistências-fugas , e trabalhadas pelo terapeuta via análise todos conceitos freudianos , adequadamente modificados e adaptados para terapia breve .
Não me entendam mal : tinha , e ainda tenho , imenso respeito ( e débito ) pelo que Perls fez . Somente estava acontecendo que minha vida vinha em dois planos : um plano pessoal , onde lutava com minhas projeções , introjeções , retroflexões e tudo o mais , seguindo a linha da Gestalt ; e um outro plano , transpessoal , na linha Zen , onde me despreocupava de tudo isso e deixava que fluísse através de mim na meditação , à medida que cessava toda intencionalidade psíquica .
Já estava começando a perceber , intelectual e pessoalmente , que a consciência podia ser dividida em dois grandes domínios : o pessoal e o transpessoal . Logo descobriria que isso é o que Assagioli chamou de psicossíntese pessoal e psicossíntese transpessoal . Ou era a distinção de Jung entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo . Assim , aceitei essa primeira importante cartografia da consciência : o pessoal versus o transpessoal .
Em seguida , cheguei à minha primeira regra básica para tentar entender o que aceitar como válido nas teorias : aceitar como possivelmente verdadeira qualquer coisa que uma teoria pessoal diga sobre a esfera pessoal e o que uma teoria transpessoal diga sobre a esfera transpessoal , mas ser muito cuidadoso quando houver superposição das mesmas .
Freud e sua histeria sobre religião em O Futuro de uma Ilusão é um exemplo de uma teoria pessoal transbordando para uma dimensão transpessoal . Por outro lado , embora os transpersonalistas , teoricamente , devessem transcender mas incluir a teoria pessoal , frequentemente me deparei com o oposto : eles estavam tão furiosos com o tratamento dispensado por Freud aos domínios mais elevados que rejeitavam tudo que Freud havia dito , mesmo sobre a esfera pessoal , o que não é senão uma falha em reconhecer uma verdade inferior e parcial precisamente no domínio em que ela é verdadeira . Assim , ao ignorar as verdades desagradáveis que Freud havia revelado sobre os domínios inferiores e infantis , esses transpersonalistas ( e humanistas ) propuseram visões do desenvolvimento da infância que eram um evidente mingau romântico . Homens e mulheres eram vistos não como uma mistura de animais e anjos , mas sim como uma de doçura e luz , uma visão tão distorcida , no sentido oposto , quanto a de Freud .
Esta simples cartografia de dois níveis permitiu-me também encaixar os insights do existencialismo e do transcendentalismo ou , por exemplo , Sartre e Shankara . Os existencilistas ressaltavam que onde quer que haja um self individual , há angústia , sofrimento , o terror de existir e o terror da morte . " A arqui-ansiedade essencial , básica , é inerente a todas as formas isoladas , individuais , da existência humana . Na sua angústia básica , o ser humano tem medo de , bem como fica ansioso com , " estar-no-mundo " . Escreveu Boss ( 1973 ) . Isto não é terror neurótico , mas um terror inerente , e a sua percepção não é doentia mas sim verdadeira . De fato , a falha em compreender esta angústia inerente é alcançada somente pela negação ou repressão da real e precária natureza da existência . Não é a ansiedade que é neurótica e sim a complacência . O self feliz é o self doente , o self que " tranquiliza-se com o trivial " , como colocado por Kierkegaard ; ou a pessoa inautêntica , disse Heidegger , é aquela que não tem consciência da morte inesperada e solitária .
Mesmo Freud logo chegaria a esse entendimento , pois como finalmente colocou : " É a ansiedade que causa repressão e não , como eu pensava , a repressão que causa ansiedade " . Em outras palavras , angústia é o estado básico do self individual , e , então , o self individual estimula a repressão em resposta à ansiedade , a fim de proteger-se do terror da morte , do não-ser , da nulidade . Como afirmou Becker ( 1973 ) : " A consciência da morte é a repressão básica , não a sexualidade . " A neurose fundamental não é causada por uma confiança em muletas mentais , mas , em primeiro lugar , por uma incapacidade para criar muletas em quantidade suficiente . Como Rank ressaltou , a neurose " sempre é , no fundo , a incapacidade para a ilusão " - incapacidade para fingir que a morte não existe , incapacidade para esconder o crânio que , como disse William James , brevemente sorrirá no banquete .
Então , os existencialistas , como o epítome da teoria personalista , vislumbraram precisamente a natureza da existência do self-individual . Eles diagnosticaram perfeitamente a humanidade e o diagnóstico foi angústia . Ao verem que a ansiedade vem antes da repressão , eles não puderam mais definir a angústia como meramente neurótica ou anormal . Ao contrário , ela era básica ; era , antes de tudo , algo inerente ao sentido do self-individual e não algo causado por treinamento falho para ir ao banheiro ou algo de que o self poderia ter se livrado se mamãe e papai tivessem sido bons para ele . Era existencial e não meramente circunstancial . Do mesmo modo , a neurose ( ou neurose fundamental ) não era causada pela repressão mas pela falha em reprimir ; não " quanto mais repressão , mais neurótico e infeliz " ; ao contrário , " quanto menos repressão , mais infeliz " , simplesmente porque menos repressão significativa uma pessoa aproximando-se mais da verdadeira natureza da realidade e da existência , e esta natureza é angústia , a vida amarga , o self infeliz , o self que , inerentemente , é anicca , anatta , dukkha ( impermanente , insubstancial , amargurado ) .
As tradições místicas ou transpessoais concordam com esse diagnóstico - o self individual , o sujeito separado dos objetos , depara-se necessariamente com dukkha ou amargura-angústia . " Sempre que há outro , há medo " . ensina o Upanishads ( vide Hume , 1974 ) . " O inferno são os outros . " rebate Sartre . Entretanto , as tradições transpessoais afirmam que há um caminho de saída para o sofrimento , para o pecado e para a doença chamada self . É verdade , elas confirmam , que onde há outro , há medo e onde há o self , há angústia , mas é possível transcender-se o medo e a angústia , transcendendo-se o self e o outro . Nada que o self possa fazer acabará com a angústia porque o self é angústia ; somente se transcende a angústia morrendo para o self - ambos ascendem e caem juntos .
Portanto , diz-se que a realidade suprema é " não-dual " , o que pode ser ententido como ela estando além da dicotomia do sujeito e do objeto ou como sendo a união do sujeito e do objeto . O ponto é que a descoberta dessa unidade última , ou Identidade Suprema , é uma libertação da sina de ser um self individual . Ao vislumbrarmos que o self e o outro são um , libertamo-nos do medo de viver ; vendo que o ser e o não-ser são um , libertamo-nos do medo de morrer . Neste ponto - mas não antes - o indivíduo não precisa mais reprimir a morte ; pois " a morte perde seu ferrão . " Descobrindo o Todo , ele ou ela libertam-se do destino de ser uma parte .
Assim , não só as tradições transpessoais entenderam o diagnóstico da humanidade - angústia , dukkha , terror da morte - como foram além dos existencialistas e descobriram a prognose da humanidade , a cura para a doença em si . A palavra para prognose em sânscrito é prajna ( prajna = pró-gnose ) , e é prajna , ou insight transcendente , que estilhaça as correntes de samsara , de dukkha , de sofrimento e angústia . E é prajna - pró-gnose , insight gnóstico , jnana - que é ativado e mantido em todas as verdadeiras formas de meditação e contemplação . Portanto , os transpersonalistas foram além , mas incluíram os existencialistas .
Então , passei a entender , de modo vívido , a conclusão lógica das caixas chinesas . Vocês já devem ter visto um conjunto dessas caixas de brinquedo . Cada caixa é um pouco maior que a anterior , de modo que a anterior cabe dentro dela . Com efeito , a conclusão tirada da ilustração desse brinquedo é que se um sistema filosófico pode abraçar outro , mas não vice-versa , então o sistema mais abrangente é o mais válido . Assim , do mesmo modo que a Física Newtoniana é um subconjunto da Física Einsteniana , o existencialismo é uma caixa chinesa menor , parcial e incompleta , mas correta em seu domínio , que é envolvida pela caixa maior dos transcendentalistas ( mas não vice-versa ) .
Esta conclusão seria a pedra fundamental de toda a minha teorização subsequente e permitiria que eu estabelecesse claramente uma hierarquia , não somente em filosofias e psicologias , como também em níveis de consciência e de existência .
Aquela cartografia de dois níveis - pessoal versus transpessoal - naturalmente era um mapa muito rudimentar , como logo ficou óbvio para mim . Pois , mesmo na esfera pessoal , diferentes escolas de psicologia/terapia estavam em gritante desacordo . Em particular , de um lado havia toda a escola da psicologia do ego ( não só a psicologia analítica do ego como também a psicologia cognitiva do ego ) e do outro lado a completa Terceira Força da psicologia/terapia humanístico-existencial . Quanto mais as estudava , mais profundamente suas diferenças se mostravam . Na verdade , comecei a me perguntar se todas essas diferentes escolas estavam realmente estudando o mesmo ser humano . Parecia muito mais provável que o mundo fosse realmente habitado por quatro ou cinco espécies humanas totalmente diferentes e que cada uma dessas escolas tivesse , simplesmente , separado os representantes de cada espécie e construído suas teorias em torno deles . Havia o Homo assassino , o Homo erógeno , o Homo condicionado , o Homo potencial total , o Homo transcendente - mas ninguém parecia estar falando sobre o Homo sapiens . ( Logo vislumbraria uma possível razão para isso , baseada em mais aplicações das caixas chinesas . )
Por enquanto , concentrei-me no delineamento dos papéis das psicologias do ego versus as psicologias humanístico-existenciais , focalizando especialmente como cada uma via a natureza e a função da psicoterapia . Nos termos mais simplistas possíveis , as psicologias do ego pareciam ter como objetivo " tornar o inconsciente consciente " ou reagrupar no ego os aspectos da psique que se haviam separado ou dissociado devido a dificuldades ou complicações no desenvolvimento passado . Usando termos junguianos , conceituei isto como : a persona ( ou auto-imagem fraudulenta ) pode voltar a unir-se com a sombra ( ou inconsciente pessoal reprimido ) de modo a permitir a emergência do ego total ( ou auto-imagem precisa , força adequada do ego e assim por diante ) .
Teoricamente , isto era quase tão simples quanto : persona + sombra = ego .
As terapias humanístico-existenciais não negavam esta equação ; muitas , inclusive , faziam uso explícito dela ( Perls , por exemplo ) . Mas , de certa forma , pareciam também ir além desta equação e falar sobre os potenciais do organismo total , potenciais que suplantavam quaisquer das suas partes , seja a persona , o ego , o id ou o superego . Por exemplo , Rollo May ( 1969 ) : " Nem o ego , nem o inconsciente , nem o corpo podem ser autônomos . Pela sua própria natureza , a autonomia só pode ser encontrata no self centrado . Logicamente , bem como psicologicamente , devemos ir atrás do sistema ego-id-superego e esforçamo-no para entender o " ser " do qual eles são expressões . " Note que May não nega a existência do ego-id-superego ; simplesmente a vê como a expressão de uma unidade mais profunda ou self mais profundo , o ser total . Assim havia aí uma caixa chinesa ; o organismo total incluindo o ego-id-superego , mas não vice-versa . Então , comecei a chamar esse nível mais profundo de " centauro " ( um termo da mitologia primeiramente usado por Benoit [ 1955 ] para indicar a unidade completa do homem-mente com o animal-corpo , e também por Erikson com um significado similar ) .
Assim , se tivéssemos que declarar o objetivo geral das terapias humanístico-existenciais em uma frase , poderia ser : elas objetivam fazer ressumir e realizar completamente o self centáurico . Como o estudo de James Broughton revelou , as personalidades mais completamente desenvolvidas viam " tanto a mente quanto o corpo como experiências de um self integrado " , e este self integrado , o centauro , era exatamente o paradigma das terapias humanístico-existenciais ( Loevinger , 1977 ) . Posteriormente , eu subdividiria essas terapias em duas classes , noética e somática , dependendo de como elas abordavam predominantemente o centauro através da mente ( Rollo May , Binswanger ) ou através do corpo ( ioga , Rolfing ) . Mas o ponto essencial se mantinha : unir o ego-mente e o corpo-soma de modo a fazer ressurgir uma identidade total com o centauro . Como colocado por Perls ( 1951 ) : " O objetivo é expandir a fronteira do que você aceita como você mesmo para incluir todas as atividades orgânicas . " Aqui , a equação era : ego + corpo = centauro .
Obviamente , essas eram generalizações muito simples ; todavia , mostraram-se extremamente úteis para o desenvolvimento de outras generalizações . Por exemplo , já conseguia ver a diferença entre a ansiedade-culpa neurótica e a ansiedade-culpa existencial ; a primeira era causada por temor da sombra ; a segunda , por temor da diversidade geral do mundo . A causa da primeira era uma divisão interna do sujeito ; a da segunda , a prévia separação entre sujeito e objeto . ( E , assim , para fechar nossa conta com Freud , ambas as visões estão parcialmente corretas : a ansiedade primária é existencial e dada , e é essa ansiedade primitiva que , em última instância , causa a repressão da sombra - mas a repressão da sombra , então , leva a ansiedade excessiva , ansiedade excedente ou ansiedade neurótica em si mesma . ) E mais , essas simples generalizações também me levaram , dentro da esfera pessoal , a três grandes níveis do ser ou da consciência : o nível da persona , o nível do ego e o nível do centauro .
A partir desse ponto , foi um passo muito pequeno compreender como as tradições místicas se encaixavam em um esquema global . A psicanálise objetivava unir a persona e a sombra para revelar um ego inteiro e saudável ; indo mais fundo , as terapias humanísticas objetivavam unir o ego e o corpo para revelar o centauro total . Do mesmo modo , as tradições místicas iam ainda mais fundo e objetivavam unir o centauro e o cosmos para revelar a Identidade Suprema , uma " consciência cósmica " , como Bucke muito bem colocou .
O quadro completo girava em torno do senso de identidade de cada um ou onde , com efeito , cada pessoa traçava suas fronteiras . Pois cada nível inferior de consciência parecia ser construído por sucessivos estreitamentos , restrições ou limitações da consciência ; o eu tornava-se menor e menor , por assim dizer , e o não-eu , maior e maior .
Assim , no nível da Identidade Suprema , o eu de cada um é o Todo ( isto é , a clássica união mística ) . No nível do centauro , o eu é o organismo , mas o resto da manifestação - o meio-ambiente " lá fora " - aparece como não-eu . No nível do ego , o eu é a psique , mas , além do meio-ambiente , o soma aparece como não-eu ( " Eu tenho um corpo " , uma posse , e , embora , as posses possam ser " minhas " , elas não são " eu " , elas não são o eu ) .
No nível da persona , o meio-ambiente e o corpo e a sombra aparecem como não-eu , e , uma vez que " onde há outro , há medo " , cada novo passo também cria novos medos , novas doenças , novas patologias . Exceto pelo último nível da Totalidade , o espectro da consciência é um espectro de patologias .
Ao mesmo tempo que lutava com essas várias prioridades , comecei a intensificar meus estudos sobre filosofia/psicologia orientais e tradições místicas em geral . A primeira coisa que ficou óbvia para mim foi que existem pelo menos dois diferentes subdomínios na esfera transpessoal ou , se preferirem , dois graus de transcendência . O grau mais baixo é da testemunha transcendente . Nesse estado , a consciência transcende a mente , o corpo , o ego , o centauro e simplesmente testemunha as flutuações desses domínios inferiores . Isto é similar ao que Maslow chamaria de uma experiência de platô ; ou que os hindus chamam de savikalpa samadhi ; ou que o Budismo Mahayana chama de alaya-vijnana . Mas além desse nível de transcendência , há um estado supremo e radical , onde não se testemunha mais a realidade , transforma-se na realidade . A testemunha transcendental colapsa em tudo que é testemunhado , alto ou baixo , sagrado ou profano , e desaparece como uma entidade separada . No primeiro estado , o self profundo intui a Divindade ; no estado supremo , o self mais profundo abre-se para a Divinade , e isso é a Suprema Identidade ( bhava samadhi , sahaja samadhi etc . ) .
Bem , chamei o primeiro estado de faixas transpessoais ( a identidade ainda não é una com o Todo , mas , por outro lado , não está confinada apenas ao organismo individual ) e o estado superior , de Mente universal . Esses termos não foram exatamente escolhas felizes , mas os domínios ou níveis a que se referiam eram suficientemente reais e distintos . Adicionado esses dois níveis transcendentais aos níveis da esfera pessoal obtive uma hierarquia de cinco níveis de consciência , um espectro da consciência . Cada nível possuía suas características próprias - suas necessidades , seus potenciais e suas doenças . Esse esquema ajustava-se à hierarquia de necessidades de Maslow e , mais ainda , combinava muito especificamente com as cartografias esotéricas contidas nas grandes tradições místicas do mundo ( os Koshas do Hinduísmo Vedanta , os vijnanas do Budismo Mahayna , a sefirot da Cabala , e assim por diante ) . Agora ficava claro o porquê de tantas diferentes terapias , orientais e ocidentais . Não é que elas estivessem tratando o ser humano de diferentes ângulos ; elas estavam analisando diferentes níveis do ser humano por diferentes ângulos e , portanto , não eram contraditórias e sim largamente complementares . E tudo isso , mais ou menos , foi apresentado em The Spectrum of Consciousness .
Do grego télos , " fim " , " realização " . ( N . T )
1977 Lançado no Brasil pela Editora Cultrix como O Espectro da Consciência . ( N . T )
Prática de meditação do Zen Budismo . ( N . T )
Esta visão ainda é fase denominada pelo próprio Wilber de " Wilber - I " . Posteriormente , ele a reformulou na fase " Wilber - II " . Por exemplo , em The Eye of Spirit ( Wilber , 1977 ) ele afirma : " Uma das falácias pré-trans de Jung foi confundir coletivo com transpessoal , uma vez que há estruturas de coletivo pré-pessoal , coletivo pessoal e coletivo transpessoal . " ( N . T )
Na tradição do Hinduísmo , é o ciclo de nascimento , morte e renascimento a que cada ser humano está sujeito enquanto viver na ignorância e não atingir a Identidade Suprema . ( N . T )
As quatro Forças da Psicologia são : 1ª - Behaviorismo ; 2ª - Psicanálise ; 3ª - Psicologia Humanística ; e 4ª - Psicologia Transpessoal . ( N . T )
Texto : Ken Wilber
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