sábado, 12 de março de 2011

" Odisseia " Parte IV

Patologia

Esta mudança na ênfase também ajudou-me a conceituar mais adequadamente a forma do desenvolvimento propriamente dita : em cada estágio sucessivo de crescimento e desenvolvimento , o self diferencia-se desse dado estágio , transcende esse estágio para o imediatamente acima e , então , integra o inferior com o superior . Assim , cada estágio de desenvolvimento sucessivo transcende mas inclui seus predecessores . " Superar é , ao mesmo tempo , negar e preservar " , disse Hegel ( 1949 ) . Isto corresponde a dizer que , à medida que o desenvolvimento se move da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito , cada estágio mais elevado nega ( transcende ) mas preserva ( inclui ) seu predecessor numa unidade e síntese de maior ordem , e este processo continua até que haja somente Unidade . A transcendência final é a síntese final .
Entre outras coisas , com esse esquema ficou mais fácil para mim entender patologia . A descoberta central de freud foi que sintomas emocionais não são destituídos de sentido ou absurdos , como era assumido ; ao contrário , eles apresentam significado porque têm várias causas que repousam na história real do indivíduo . Assim , se o indivíduo consegue reconstruir ( lembrar-se ) esta história , então , o significado do sintoma torna-se transparente para ele ou ela e , portanto , perde seu domínio obsessivo na consciência .
em resumo; o significado de um sintoma pode ser descoberto via " causas na história " e , terapeuticamente , esse entendimento histórico ajuda a despir o sintoma de sua opacidade e poder .
Agora , " causas na história " significam realmente " eventos em desenvolvimento " . Isto é , doenças emocionais apresentam grande parte da sua etiologia em abortos no desenvolvimento - em tarefas não assumidas ou incompletas . Aspectos da experiência são excessivamente absorvidos ou excessivamente evitados e alineados . O resultado é que , à medida que níveis superiores emergem , os inferiores não são integrados e sim segregados . Ao invés de diferenciação há dissociação ; ao invés de transcendência , repressão . A dissociação e a alienação geram , na história subsequente , vários sintomas patológicos e desordens emocionais , evidências de falha na integração . Isto é , cada falha no desenvolvimento coloca em movimento uma subsequente relação de causa e efeito , um " retorno do reprimido " , e um retorno que aparece como sintomas , sonhos e projeções . Esta não é a única causa da patologia ( há , teleologicamente , uma falha para integrar os potenciais futuros e emergentes , para não mencionar o papel da neurobiologia ) , mas , certamente , é central em muitas desordens .
Por exemplo , se o desenvolvimento a partir da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito se processa mais ou menos normalmente , então , entre as idades de 1 a 2 anos , o self material inicial ( estágio 1 ) transforma-se-á no self corporal ( estágio 2 ) . Aí , por volta dos 4 a 7 anos , a mente ( estágio 3 ) começará a emergir e a diferenciar-se do corpo ( do mesmo modo que o corpo , previamente , havia se diferenciado do estado de fusão material ) . Agora , se ocorrerem repetidos acidentes graves de desenvolvimento durante esse período ( tais como traumas ou situações sem saída ) , simplesmente a mente não se diferenciará do corpo ; ela tenderá a dissociar-se do corpo . Esta dissociação mente-corpo , dependendo das circunstâncias , poderá gerar sérias repercussões . No extremo , ela produz aquilo que Laing chamou " o falso self " ; o indivíduo sente a mente como o self e o corpo como outro , uma síndrome ( de acordo com Laing , 1969 ) que está no âmago de desordens esquizóides e esquizofrênicas ( composta frequentemente por traumas múltiplos que ocorreram na transição anterior da fusão material para o self corporal ) . Em formas menos drásticas , ela está por trás de todas as várias repressões ( defesas ) descritas por Freud - as repressões do desejo e prazer corporais pelo ego/superego mental . Na sua forma mais suave , ela produz a mentalidade friamente racional , abstrata , anti-sensual e anti-emocional tão característica da típica mente ocidental ( não é de admirar que L . L White [1950] tenha chamado a separação mente-corpo de " a dissociação européia " ) .
Este entendimento também pareceu lançar luz num dos pilares do Freudianismo , o complexo de Édipo . Quando comecei a estudar esses assuntos , considerava a psicanálise em geral , e o complexo de Édipo em particular , a mais ridícula e absurda de todas as teorias psicológicas . Mas repetidamente ( muito contra minha vontade e perfeitamente ressentido do fato ) eu era levado de volta ao gênio de Freud ( pelo menos , com respeito aos níveis inferiores , uroboros , tífon , emocional-sexual , todos estágios corporais ) . Além desses níveis , não sou admirador de Freud ; neles , procurei em vão por um gênio maior .
Fui finalmente vencido pelo fato de que talvez o maior psicólogo da história ocidental acreditava que o complexo de Édipo/Electra estava no âmago da psique de cada indivíduo . Com certeza , havia pelo menos uma verdade muito importante contida na teoria de Freud , embora aparentemente bizarra à primeira vista .
Quanto mais estudava , mais aquela verdade parecia insinuar-se . Pois a essência do complexo de Édipo é que ele marca a transição dos desejos emocionais-sexuais para identificações mentais ( " identificações substituem escolhas de objetos " ) . Isto é , na sequência do desenvolvimento da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito , o complexo de Édipo localiza-se no ponto de transição e diferenciação do corpo para a mente . Ele marca a transição da busca de unidade através do corpo ( intercurso emocional-sexual ) para a busca de unidade através da mente ( intercurso comunicativo ) . Apresentar um " problema edipiano " significa simplesmente que esta transição falhou completamente . O indivíduo fica preso ao nível do corpo ( fixação ) ou alienado do nível do corpo ( repressão ) . Em qualquer dos casos , há uma falha para transcender e integrar o corpo ( ou impulsos emocionais-sexuais em geral ) e esses impulsos dissociados e alienados , isolados de participação na consciência , retornam agora sob formas mórbidas de sintomas , doenças , angústias . Assim , parece-me que Freud foi capaz de ver o complexo de Édipo como universal porque a transição do corpo para a mente é universal e o complexo de Édipo representa , por assim dizer , o fulcro dessa transição .
Obviamente , há outros pontos de transição além de Édipo . Na sequência da matéria para corpo , para mente , para alma , para espírito , Édipo marca a transição de corpo para mente ; a transição do self material para o self corporal ocorre antes nos estágios oral , sensório-motor e pré-edipiano . ( Isto é , a fase oral marca a transição do estado de fusão inicial , neonatal , material , para a fase do self corporal , separado , individual . Esta transição , na qual o bebê aprende a distinguir o self corporal do ambiente material em geral e da mãe pré-edipiana em particular , foi intensamente investigada por Mahler , Klein , Fairbairn e a importante escola da teoria de relações com o objetivo em geral ) . No caso das transições superiores ( mente para alma e alma para espírito ) a teoria freudiana falha totalmente ( como também a psicologia ortodoxa em geral ) . Portanto tentei esquematizar em The Atman Project as características dessas transições mais elevadas , dando especial ênfase aos paralelos com as transições oral e edipiana . Isto não significa que essas transições mais elevadas sejam " impulsos edipianos sublimados " . Ao contrário : o complexo de Édipo é uma das formas mais baixas da dinâmica transicional .
Mas todas essas transições , altas ou baixas , compartilham a mesma forma de desenvolvimento ( diferenciação , transcendência , integração ) e a mesma forma de possível mau desenvolvimento ou patologia ( dissociação , alienação , separação ) . E essas semelhanças entre níveis constituíam o que especialmente me interessava .
Uma das conclusões dessa linha de estudo foi que o mais importante e difundido complexo hoje em dia não é o complexo de Édipo - ou a dificuldade de transformação do corpo para a mente - mas aquele que podemos chamar de complexo de Apolo - uma dificuldade de transformação da mente para a alma ou de domínios pessoais , mentais , egóicos para domínios transpessoais , sutis e supra-egóicos . O complexo de Vishnu , a dificuldade de transformação da alma para espírito , ocorre em um nível tão elevado que aflinge somente meditadores avançados ( como explicarei brevemente ) .

Prática de Meditação 

A natureza desses complexos mais elevados , tais como o de Apolo  e o de Vishnu , tornou-se dolorosamente óbvia para mim através da minha própria meditação . Ao terminar de escrever No Boundary ( Wilber , 1979 ) , minha prática de meditação , embora não exatamente avançada , não estava mais na fase de um iniciante . A dor nas pernas ( devida à postura de lótus ) estava suportável e minha conscientização , aumentando na capacidade de manter uma postura alerta embora relaxada , ativa embora neutra . Mas , como dizem os budistas , minha mente era igual à um macaco : compulsivamente ativa , obsessivamente motivada . E , então , fiquei face a face com meu complexo de Apolo , a dificuldade em transcender da esfera mental para a esfera sutil . A esfera sutil ( ou a " alma " , como chamada pelos místicos cristãos ) é o início dos domínios transpessoais ; como tal , é supramental , transegóica e transverbal . Mas para atingir-se essa esfera , deve-se ( como em todas as transformações ) " morrer " para a esfera inferior ( neste caso , a mental-egóica ) . A falha ou a incapacidade de consegui-lo é o complexo de Apolo . Do mesmo modo que a pessoa com complexo de Édipo mantém-se inconscientemente ligada ao corpo e ao seu princípio de prazer , a pessoa com complexo de Apolo mantém-se inconscientemente presa à mente e ao seu princípio de realidade .
( " realidade " aqui significa " realidade institucional , racional , verbal " , a qual , embora por convenção seja suficientemente real , é , todavia , uma mera descrição da Realidade verdadeira ; se nos ativermos a ela , em última instância , isso evitará a descoberta da Realidade autêntica . )
A luta com meus pensamentos obsessivos/compulsivos - não pensamentos obsessivos particulares como na neurose específica ( o que frequentemente é indicação de uma fixação no complexo de Édipo ) , mas o próprio fluxo de pensamentos em si mesmo - foi uma árdua tarefa . ( Um excelente depoimento dessas batalhas iniciais foi prestado por Walsh , 1977 , 1978 ) . Fui afortunado em fazer algum progresso , em finalmente ser capaz de elevar as flutuações das contrações mentais e descobrir , embora de maneira incipiente , um domínio incomparavelmente mais profundo , mais real , mais saturado de ser , mais aberto à lucidez . Este domínio era simplesmente o sutil , que é descoberto , por assim dizer , após desgastar o complexo de Apolo . Neste domínio , não é que o pensamento necessariamente cessa ( embora isso aconteça muitas vezes , especialmente no início ) ; é que , quando o pensamento surge , ele não se afasta desse fundo mais abrangente de lucidez e conscientização ( vide , por exemplo , o relato cristalino de John Welwood desse " terreno transpessoal " ) . No nível sutil , não se fica mais " perdido em pensamentos " , ao contrário , pensamentos entram e saem da consciência como nuvens atravessam o céu ; com suavidade , graça e clareza . Nada gruda , nada raspa , nada atrita .
Chuang Tsé : " O homem perfeito usa sua mente como espelho . Não absorve nada ; não recusa nada ; recebe mas não retém . "
Entretanto , durante a meditação , as experiências do domínio sutil podem ser ( e usualmente são ) verdadeiramente extraordinárias , maravilhosas , profundas . Porque este é o reino dos arquétipos e da divindade arquetípica - o confronto com aquilo que é sempre numinoso , como ressaltado por Jung . Este foi um período muito real e muito intenso para mim ; foi minha primeira inequívoca experiência direta da sacralidade do mundo , este mundo que , como disse Plotino , emana do Um e representa uma expressão Dele . Anteriormente , havia tido breves e iniciais vislumbres do domínio sutil - e mesmo do causal , além dele - mas efetivamente ainda não tinha sido apresentado , ou iniciado , àquele domínio . Um mestre zen uma vez disse que a resposta apropriada ao primeiro Kensho forte ( pequeno satori ) não é rir , mas chorar , e foi exatamente isso o que fiz , por horas , me pareceu . Lágrimas de gratidão , de compaixão , de indignidade e , finalmente , de maravilhamento infinito . ( Isto não é falsa humildade ; nunca encontrei ninguém que não se sentisse indigno desse domínio . ) Gargalhadas - grandes gargalhadas - vieram depois ; neste ponto inicial seria sacrilégio .
Mais uma visão da fase " Wilber-I " , posteriormente reformulada . Por exemplo , em The Eye of Spirit ( Wilber , 1997 ) : " Neste uso , Jung é definitivamente culpado da falácia pré-trans . Simplesmente , ele não diferencia com suficiente clareza as situações pré-racionais e transracionais , e , assim , tende a elevar infantilismos pré-racionais a glórias espirituais , simplesmente porque ambos não são racionais . Este uso para " arquétipo " , porque ainda é o mais comum e o mais largamente associado ao nome de Jung , é o que mais tenho criticado . Nele , os arquétipos são encontrados nos estágios primitivos da evolução , filogenética e ontogenética . Assim , tenho assinalado que essas imagens " arquetípicas " arcaicas deveriam realmente ser chamadas de " protótipos " , porque são formas pré-racionais , mágicas e míticas e não formas sutis , transracionais e pós-pós-convencionais ( que é o modo como arquétipos são usados na Filosofia Perene , de Plotino a Garab Dorje , a Asanga e Vasubandhu ) . " ( N . T )
A seguir , em minha prática meditativa , fiz um " tour " pelo domínio sutil . Minha descrição favorita deste domínio é a de Dante e asseguro-lhes que o que ele descreve é literalmente verdadeiro .
Fixando meu olhar na Luz Eterna , vi nas profundezas ,
Embrulhadas juntas amorosamente em um pacote ,
As folhas espalhadas de todo o universo . . . Na profunda subsistência luminosa 
Daquela Excelsa Luz , vi três círculos 
De três cores , embora de uma dimensão .
E o primeiro parecia refletido no segundo 
Como o arco-íris é pelo arco-íris , e o terceiro 
Parecia fogo respirado igualmente por ambos .
Nessa época descobri os trabalhos de Kirpal Singh , que muito me ajudaram a esclarecer minhas experiências nesse domínio ( Singh , 1975 ) . Em minha opinião , Singh é o mestre insuperável dos domínios sutis , e sem a sua liderança ( mesmo que apenas por livros ) duvido seriamente de que pudesse passar tão facilmente e rapidamente por alguns desses domínios , como aparentemente fiz . O ponto central de Singh é que há nos domínios sutis uma hierarquia de iluminações audíveis cada vez mais sutis , ou " chakras " shabd , além dos chakras ( como o ajna e o sahasrara ) considerados por escolas de ioga mais antigas e menos sofisticadas como os derradeiros . Toda sua abordagem era hierárquica , desenvolvimentista e dinâmica , o que casava perfeitamente com minha própria filosofia , de modo que não tive que perder tempo para aprender ou discutir sua posição . Simplesmente a usei .
Estava , então , tendo um gosto dos níveis mais sutis , uma introdução a arquétipo , a divindade , a yidam ( o termo budista ) e ishtadeva ( o termo hinduísta ) . Sem dúvida , essas eram as mais profundas experiências por que jamais havia passado . E mais importante , pelo fato de estar bastante familiarizado ( na teoria e na prátrica ) com as experiências que podem ser produzidas por impulsos subconscientes , todas as imagens " mágicas " e " alucinatórias " descritas por Freud e outros , não fui levado pela falácia de confundir experiências superconscientes com renascimentos subconscientes . Na minha opinião , qualquer pessoa que tenha estudado cuidadosamente e intimamente esses diversos domínios reconhecerá imediatamente as profundas diferenças entre exposições pré-pessoais , subconscientes e instintivas em comparação àqueles que são transpessoais , superconscientes e arquetípicas . As escolas orientais são muito explícitas quanto às diferenças entre pranamayakosha ( exposições emotivo-sexuais ) e anandamayakosha ( intuições arquetípicas ) .
Na tradição tântrica os chakras ( centros de energia sutil ) são sete : muladhara , svadhisthana , manipura , anahata , vishuddha , ajna e sahasrara . ( N . T )
Texto : Ken Wilber
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