sábado, 12 de março de 2011

" Odisseia " V

Os Limites da Experiência

Mas à medida que essas experiências superconscientes progrediam , comecei a entender o que elas realmente eram - meras experiências . Porque , por definição , experiência é algo que tem um começo e um fim ( estritamente temporal , estritamente relativo ) .
Quanto mais me aprofundava na natureza da experiência , tanto mais me tornava profundamente desiludido com ela . Admito que esses domínios , de um modo especial , eram mais reais que os planos material , corporal ou mental , pelo menos como os conhecia , porém o ponto era que essa exposição experiencial poderia continuar para sempre . Poderia ser apresentado a experiências cada vez mais sutis ad infinitum .
Há uma citação , penso que de Hans Sachs , segundo a qual a psicanálise termina quando o paciente compreende que ele pode durar para sempre . O mesmo tipo de compreensão , por assim dizer , começou a curar-me da fixação do nível sutil , o complexo de Vishnu .
Pois o complexo de Vishnu é precisamente a dificuldade em mover-se da alma sutil para o espírito causal . As experiências sutis são tão extasiantes , tão maravilhosas , tão profundas , tão salutares , que nunca se quer abandoná-las , nunca perdê-las ; ao contrário , deseja-se banhar para sempre em sua glória arquetípica e libertação imortal - e aí está o complexo de Vishnu . Se o complexo de Apolo é o veneno dos meditadores iniciantes , o complexo de Vishnu é o grande sedutor dos praticantes intermediários .
Mas meu treinamento Zen , meu entendimento ( embora ainda superficial ) de Krishnamurti , de Shankara e de Sri Ramana Maharsi , de São Dionísio a Eckhart - tudo me dizia que o estado supremo não era uma experiência ( um ponto que coloquei em " The Ultimate State of Consciousness " [ Wilber , 1975-1976 ] . Não era uma experiência particular entre outras experiências , mas a própria natureza e essência de todas as experiências , superiores ou inferiores . Era aquele vasto background ou Abismo ( Ruysbroeck ) de onde emanam as inúmeras realidades experienciais . Assim , em si mesma , não era absolutamente experiencial ; não tinha nada a ver com mudanças de estado , em saber isto ou aquilo , em ver isto ou aquilo , esse ou aquele sentimento , porque era anterior a tudo isso , a natureza verdadeira deste e de cada momento antes que eu possa compreendê-lo . O estado supremo é o que sou antes de ser qualquer outra coisa , é o que vejo antes de ver qualquer coisa e o que sinto antes de sentir qualquer coisa . É por isso que se diz que o Tao está além do saber ou não-saber , do certo ou errado .
Chao-Chou perguntou , " O que é o Tao ? "
Mestre Nan-chuan respondeu . " O Tao é sua consciência comum . "
" Mas como se pode viver em concordância com ele ? "
" Ao tentar concordar você já se desviou . "
" Mas sem tentar , como vou conhecer o Tao ? "
" O Tao " , disse o Mestre , " é anterior ao conhecer ou não-conhecer . Conhecer 
é falso entendimento ; não-conhecer é simples ignorância . Se você realmente 
compreende o Tao antes de duvidar , é como o céu vazio . Por que mudar o
rumo da conversa para certo e errado ? "
                                                                                             [ Citado em Watts , 1975 ]
Explica-se isto assim : o Upanishads diz que Brahman não é um entre muitos , mas um sem um segundo ; não um objeto particular , mas a realidade de todos os objetos . E mesmo assim , estava tentando captar o Todo como uma experiência particular - por certo uma  Grande Experiência , mas , de qualquer modo , uma experiência - e era exatamente isso que não permitia a descoberta ( porque uma experiência é um saber ou não-saber e não algo que precede a ambos ) . Por isso o Zen chama todas as experiências superiores por um nome pejorativo : makyo ou " ilusões sutis " . E de acordo com o Zen , muitas outras tradições confundem makyo com o estado supremo , simplesmente porque essas extraordinárias experiências são , na verdade , mais reais do que os estados comuns .
Todavia , todas as experiências , superiores ou inferiores , ficam aquém da consciência não-dual e , assim , cedo ou tarde , devem ser superadas .
O ponto é que todas as experiências , sagradas ou profanas , superiores ou inferiores , baseiam-se na dualidade entre sujeito e objeto , observador e observado , experienciador e experienciado . Mesmo na esfera da alma , incomparavelmente mais real do que os níveis inferiores da matéria , corpo e mente , trata-se meramente de um sujeito mais sutil e de um objeto mais extraordinário . A testemunha desses estados divinos ainda se mantém intacta . Entretanto , o despertar verdadeiro é a dissolução da própria testemunha e não uma mudança de estado naquilo que é testemunhado .
Por isso é que sempre se afirmou que formas de indagação do tipo " Quem sou eu ? " , " Quem canta o nome de Buda ? " , " Quem deseja libertação ? " são o caminho básico , talvez o único caminho , além da testemunha ( e do complexo de Vishnu ) . Não " Eu devo sempre estar consciente da minha respiração . " mas sim " Quem deve ? " . Não " Eu captei o sentido do Koan . " , e sim " Quem captou ? " . O efeito dessas perguntas é libertar a atenção das telas objetivas da consciência e excitar a consciência em si mesma . Mais precisamente , esse tipo de indagação faz com que a atenção se volte para a própria atenção , para a verdadeira natureza da atenção , e sua natureza é de sutil contração ou resistência . Qualquer atenção é exclusiva , porque ela se liga nisso e ignora aquilo . Em outra palavras , é dualística , e isso inclui a " atenção passiva " e qualquer outra conscientização sutilmente motivada . Todas são meras contrações subjetivas no Campo da Consciência . Mas com esse tipo de pergunta , esta contração subjetiva que é atenção torna-se o objeto da atenção . Isto é , o sujeito transforma-se no objeto de modo que a fronteira entre eles é rompida e ambos desaparecem como entidades exclusivas e separadas . Então , resta apenas a consciência inicial , radiante , imanente , desobstruída , que não é nem subjetiva nem objetiva , simplesmente total .
A primeira vez que isto se tornou óbvio para mim , embora de um modo fugaz , foi em um sesshin ou retiro Zen intensivo . No quarto dia apareceu , por assim dizer , o estado da testemunha , a testemunha transpessoal que , de maneira firme , calma e clara , testemunha todos os eventos emergentes , momento a momento . Mesmo sonhando , meramente se testemunha : pode-se ver o sonho começar , prosseguir e terminar ( o que Charles Tart chamou de " sonhos translúcidos " ) . Entretanto , Roshi ficou totalmente impassível diante de todo aquele " makyo " . " A testemunha " , disse ele , " é a derradeira cidadela do ego . 
Nesse ponto , a postura da testemunha desapareceu completamente . Não havia nenhum sujeito em nenhuma parte do universo ; não havia nenhum objeto em nenhuma parte do universo ; havia apenas o universo . Tudo estava surgindo momento a momento e estava surgindo em mim e como eu ; por outro lado , não havia nenhum eu . É muito importante compreender que esse estado não foi uma perda das faculdades , mas uma amplificação delas ; não foi um transe vazio e sim perfeita claridade ; não despersonalizado mas transpersonalizado . Nenhuma das faculdades pessoais - linguagem , lógica , conceitos , habilidades motoras - foi perdida ou enfraqueceu-se . Ao contrário , pela primeira vez pareceu-me que todas elas funcionavam em radical abertura , livres das defesas impostas pela sensação de um self separado . Esse estado radicalmente aberto , indefeso e perfeitamente não-dual foi , ao mesmo tempo , incrível e profundamente comum , tão extraordinariamente comum que nem mesmo foi notado . Não havia ninguém lá para compreendê-lo até que eu saísse dele ( acho que cerca de três horas depois ) .
Em outras palavras , enquanto naquele estado , que não era absolutamente nenhuma experiência , havia somente aquele estado , que era a totalidade de tudo surgindo momento a momento . Eu não observava ou experienciava nada , simplesmente era tudo .
Não podia ver , porque era tudo visto ; não podia ouvir , porque era tudo ouvido ; não podia saber porque era tudo sabido . Daí porque ele é , ao mesmo tempo , o grande mistério e o perfeitamente óbvio . Mas foi somente quando de que estava naquele estado que realmente não estava mais nele . O seu reconhecimento ou experiência é muito , muito menos que o estado em si mesma . Para experienciar aquele estado livre que me separar dele ( isto é , destruí-lo ) .
Daí em diante , tornei-me profundamente desconfiado dos transpersonalistas que falam dos estados superiores como " realidades experienciais " , apesar de ter feito o mesmo em Spectrum . Também vi a perfeita inadequalibilidade do paradigma de " estados alterados " , extremamente útil em outros casos , para tratar do derradeiro domínio espiritual , porque esse domínio , esse " não-domínio " , é , em verdade , o que todos os estados têm em comum , e o que todos os estados têm em comum não é , em si mesmo , outro estado , do mesmo modo que o alfabeto não é outra letra .
Mas todo esse período , percorrendo os domínios sutis , lutando com o complexo de Vishnu e penetrando no Dharmakaya - embora de maneira parcial , inicial e incompleta - proporcionou-me , pelo menos , uma introdução em primeira mão , razoavelmente sólida , às várias esferas mais elevadas da consciência . Com essa experiência , fui capaz , com maior facilidade , de retornar à literatura das tradições transpessoais e desenvolver uma classificação bastante exaustiva dos vários domínios superiores , muito frequentemente condensados e chamados de " transpessoais " , " transcendentes " ou " místicos " . Como mencionei anteriormente , foi aí que subdividi o domínio transpessoal em pelo menos quatro ou cinco níveis baseados em análises estruturais . Com essas subdivisões do espectro , além daquelas provenientes de Eden , finalmente senti que chegara a uma cartografia mais completa da consciência , uma que , longe de ser perfeita e , ocasionalmente , ainda escorregadia , pelo menos tinha o mérito da abrangência . Os refinamentos poderiam vir ao longo dos anos ; por enquanto , essa cartografia foi apresentada em The Atman Project , com extensas tabelas de referência mostrando como as principais psicologias orientais e ocidentais se encaixavam nela .
No Budismo Mahayana , é o último domínio ( causal ) antes da transcendência final . Para maiores detalhes vide The Atman Project . ( N . T )

Um Modelo de Meditação

Este período também ajudou-me a montar um modelo experimental da natureza e função da meditação , um modelo baseado tanto na prática pessoal quanto no estado teórico . A maioria dos modelos ocidentais de meditação cai em um de dois campos : a escola fisiológica/neurológica/padrões-cerebrais e a escola cognitiva/psicológica . A primeira vê a meditação como redução sensorial , lateralização hemisférica , uma resposta ao relaxamento , variáveis ergotrópicas/trofotrópicas , padrão cerebral alterado ou metabolismo reduzido . A segunda vê a meditação como uma dessensibilização super-Wolpiana , regressão a serviço do ego , desautomatização , alteração cognitiva ou estratégia de auto-regulação .
Acho que cada uma dessas teorias tem o seu mérito , mas o que todas tendem a não considerar é precisamente , para mim , o âmago , a própria essência da meditação .
Consideremos qualquer importante sistema de meditação : os detalhados estágios dhyana/prajna de Buda ; os oito passos dos Yoga Sutras de Patanjali ; a contemplação Taoísta hierárquica de Lao Tsé ; o abrangente sistema de meditação Zen representado pelos estágios do pastoreio do boi ; o curso multinível de contemplatio de Hugo de São Victor ; os estágios específicos ensinados por Santa Tereza d' Ávila e São João da Cruz ; a tradição completa da ioga kundalini/tântrica . O que todos têm em comum é uma visão da meditação , não como uma resposta ao relaxamento , ou uma privação sensorial , ou uma estratégia de auto-regulação , mas sim como um desenrolar hierárquico de sucessivas estruturas superiores de consciência . Para ser preciso , eles a vêem como um processo de desenvolvimento , composto de estágios especificáveis , de tal modo que cada estágio engloba uma estrutura distinta de consciência .
( Anteriormente , mencionei que havia pelo menos cinco dessas estruturas ou níveis mais elevados , porém muitas cartografias tradicionais contêm até vinte e cinco estágios/níveis de consciência meditativa ) . Desde os estágios dhyana/prajna de Buda até os estágios de sublimação dos chakras do kundalini , o ponto central é que são estágios de desenvolvimento . Em verdade , esses tradicionalistas não foram somente os primeiros estruturalistas ; foram também os primeiros verdadeiros psicólogos do desenvolvimento .
Minha opinião é que na presa de fazer uma ponte entre as psicologias ocidental e oriental , olhamos absolutamente para tudo , exceto para a psicologia desenvolvimentista/estrutural . Assim , uma vez que a essência das tradições orientais é uma visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios superconscientes e que a psicologia ocidental possui uma bem detalhada visão subconsciente , a ponte mais imediata e indolor seria simplesmente adicioná-las , exatamente como são . Bem , de qualquer modo , esta foi a abordagem que segui em The Atman Project .
A necessidade para esta abordagem multidimencional torna-se completamente óbvia quando compreendemos que não existem somente vários níveis de consciência meditativa , mas também diversos caminhos diferentes para atngir-se cada nível . Isto porque todos os níveis mais elevados de consciência possuem diferentes componentes ou dimensões ( que em breve chamarei de " estruturas superficiais " ) , do mesmo modo que suas contrapartes mais baixas - componentes tais como motivação , cognição , identidade , afeição e despertar . Então , como sugerido por Tart , diferentes práticas meditativas podem atingir diferentes dimensões ou componentes . Por exemplo , a Ioga Kundalini atinge o nível sutil-superior via exercícios hiperintensivos e técnicas de despertar do afeto , enquanto a Meditação Transcendental aproxima o mesmo nível através de relaxamento profundo , mas alerta , e da sublimação do pensamento . O ponto é esse , mesmo que você assuma que há somente cinco níveis superiores com quatro componentes cada , você já tem vinte abordagens meditativas com diferenças significativas , um fato que torna ridícula tais ingenuidades como " meditação é uma resposta ao relaxamento . "
Na famosa sequência de pinturas zen-budista conhecida como " A série do pastoreiro do boi " encontramos um exemplo clássico da cronologia dos estágios espirituais . Na primeira das suas dez imagens ( às vezes , há doze ) vemos uma pessoa que busca ansiosamente por um boi , símbolo da sua alma ou natureza primordial . Mas , infelizmente , ela não sabe onde encontrá-lo . Nas outras pinturas , ela avista o rastro do boi e começa a procurá-lo nas montanhas e nas planícies deste mundo . Finalmente , vê o boi e , após uma luta , o domestica . Na etapa seguinte , tanto o boi quanto a pessoa que o buscava deitam-se juntos , em harmonia , debaixo de um salgueiro , e no quadro seguinte , ambos desaparecem em um momento de morte do ego e rompem em direção a domínios mais elevados da consciência . No último estágio , a pessoa que buscava é ressucitada e retorna para a feira livre do mundo , onde ajuda outras pessoas a encontrarem o seu próprio caminho espiritual . " ( Transcrito do livro Os Cinco Estágios da Alma de Harry R . Moody e David Carrol ) ( N . T ) 
Todavia , é importante ressaltar que , subjacente a esses complexos conjuntos de dados ( " vinte diferentes técnicas de meditação " ) , existe um padrão essencialmente simples .
Isto tornou-se especialmente aparente para mim com Eden , porque lá se apresentou uma imensa quantidade de dados interculturais que , aparentemente , desafiavam qualquer simplificação . Modificando consideravelmente o significado de alguns termos da linguística transformacional , comecei , simplesmente , a diferenciar estruturas profundas e estruturas superficiais . Como usado em Atman e Eden , a estrutura profunda é a forma definidora de um dado nível de consciência , enquanto a estrutura superficial é qualquer variável ou componente daquele nível .
Por exemplo , Piaget mostrou que o desenvolvimento cognitivo se dá através de quatro estágios/níveis  básicos : sensório-motor , pré-operacional , operacional concreto e operacional formal . Cada um deles é uma estrutura profunda , um conjunto especificável de operações que , holisticamente , governa as atividades de cognição do respectivo nível . Entretanto , a estrutura profunda não especifica , e não pode , o conteúdo de um pensamento particular do nível . Esses particulares são estruturas superficiais . Assim , as estruturas superficiais são restringidas pela forma da estrutura profunda , porém , no interior desse limite , elas são variáveis ( exceto , obviamente , na medida em que forem condicionadas por outras estruturas superficiais : os pensamentos que tive ontem afetam e condicionam os pensamentos que tenho hoje , mas ambos são igualmente restringidos pela estrutura profunda do meu nível de desenvolvimento presente ) .
Sem repetir toda a argumentação , o ponto é que este tipo de análise estrutural permite-nos traçar um número discreto de superfícies profundas subjacentes a variados fenômenos superficiais , e isto simplifica em muito o quadro não só da meditação , como também do desenvolvimento da consciência como um todo . O que fazemos em pesquisa da meditação ( ou pesquisa da consciência em geral ) é olhar para conjuntos de dados , ou grupos de fenômenos específicos , que , embora aparentemente diferentes , são , na realidade , estruturas superficiais compartilhando uma mesma estrutura profunda .
Definimos as várias estruturas profundas especificando sua forma holística e/ou padrões operativos . A seguir , arrumamos hierarquicamente as estruturas profundas de acordo com uma das três regras gerais : ( 1 ) acesso - uma estrutura mais elevada tem acesso total a uma mais baixa , mas não vice-versa ; ( 2 ) desenvolvimento - quanto mais elevado o estado , mais tarde ele tende a emergir numa sequência de desenvolvimento ( isto é verdadeiro em todas as tendências evolucionárias , plantas após pedras , animais após plantas , humanos após animais , e assim por diante ) ; ( 3 ) caixa chinesa - um estado mais elevado contém todas as funções ou capacidades de um mais baixo , mas não vice-versa ( por exemplo , uma planta contém minerais , porém minerais não contém plantas ) , e o estado superior possui capacidades não disponíveis no mais baixo . Uma vez estabelecida essa hierarquia , ela pode ser apresentada de duas maneiras básicas , como ressaltado por Schumacher ( 1977 ) : se o estado mais baixo é A , o próximo é A+B , o seguinte A+B+C e assim por diante ; se o estado mais elevado é A o seguinte mais baixo é A-B , o seguinte A-B-C e assim por diante . Em ambos os casos , simplesmente especifica-se detalhadamente os parâmetros de A , B , C . . .
Esta foi a abordagem utilizada tanto em Eden como em Atman . Ela ajudou-me a entender que técnicas de meditação bem diversas podem conduzir ao mesmo nível básico dos domínios superconscientes ; ou que , por exemplo , o yidam do Budismo , o ishtadeva do Hinduísmo e o arcanjo do Cristianismo , embora com formas exteriores muito diferentes , compartilham , na verdade , da mesma estrutura profunda básica ( aquela do domínio sutil superior ) ; ou que sábios místicos como Cristo , Krishna e Buda descobriram o mesmo domínio causal-espiritual mas o expressaram através de diferentes estruturas superficiais ( o que atrasou a compreensão de que há , nas palavras de Schuon , " uma unidade transcendente das religiões " - não unidade de estrutura exotérica/superficial , mas unidade de estrutura esotérica/profunda ) .
Tudo isso , finalmente , levou a uma sugestão que me parece absolutamente fundamental : na minha opinião , estruturas superficiais são aprendidas , condicionadas , historicamente contigenciadas e culturalmente relativizadas , enquanto estruturas profundas , uma vez emersas , são interculturais , universais e largamente invariantes . Para dar um exemplo simples , a estrutura profunda do corpo humano é a mesma em qualquer lugar : duzentos e seis ossos , duas pernas , um coração , dois rins etc . , mas o que se faz com o corpo - suas estruturas superficiais de trabalho , lazer , atividades aceitáveis etc . - é moldado e condicionado culturalmente . Você não aprende a ter um corpo , mas você aprende a jogar beisebol com ele - estruturas profundas são dadas , estruturas superficiais são condicionadas .
Assim , a força do estruturalismo está em apontar as estruturas profundas ou níveis básicos da consciência que são largamente interindividuais , interculturais e invariantes .
Entretanto , o estruturalismo clássico tem muito pouco a nos dizer sobre as estruturas superficiais . Portanto , é necessário suplementar a psicologia das estruturas profundas com disciplinas das estruturas superficiais , disciplinas que tratam do condicionamento histórico real e da moldagem daqueles componentes psicológicos que são variáveis e contingenciáveis . A eese respeito , teorias de reforço mostram-se de excelente utilidade , do mesmo modo que a teoria sistêmica e o funcionalismo . Outra é a hermenêutica ou ciência da interpretação . A hermenêutica é profundamente importante porque o significado das estruturas psicológicas superficiais não pode ser determinado empiricamente ; significado , como definido por Husserl , é intenção e interpretação mentais e nenhum teste empírico-sensorial irá esclarecê-lo ( por exemplo , dê-me uma prova empírico-científica do significado da produção mental chamada Hamlet ) . E mais , estruturas superficiais sempre existem em contextos históricos específicos ; assim , como a hermenêutica salienta a importância de compreender-se os contextos históricos a fim de determinar-se significados particulares , ela é idealmente apropriada para a pesquisa das estruturas superficiais .
Sobre religião exotérica e religião esotérica , vide , por exemplo , Grace and Gril ( Wilber 1991 ) : " A religião exotérica ou " exterior " é religião mítica , religião que é terrivelmente concreta e literal , que realmente acredita por exemplo , que Moisés abriu o Mar Vermelho , que Cristo nasceu de uma virgem , que o mundo foi criado em seis dias , que , um dia , literalmente choveu maná do céu , e assim por diante .
Em todo o mundo , religiões exotéricas consistem desses tipos de crenças . Os hindus acreditam que a Terra deve estar apoiada em algo ; assim , crêem encontrar-se sobre um elefante que , também necessitando de suporte , está sobre uma tartaruga ; esta , por sua vez , encontra-se sobre uma serpente . E quando surge a pergunta " Em que a serpente está apoiada ? " , a resposta dada é " Mudemos de assunto " . Lao Tsé nasceu com novecentos anos , Krishna acasalou-se com quatro mil vacas , Brahma nasceu da quebra de um ovo cósmico etc . Isto é religião exotérica , uma série de estruturas de crenças que tentam explicar os mistérios do mundo em termos míticos ao invés de termos testemunhais ou de experiência direta . . . A religião esotérica não pede que você acredite em nada na base da fé ou que engula obedientemente qualquer dogma . Ao contrário , a religião esotérica é um conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da sua própria consciência . Como toda boa ciência é baseada na experiência direta , não em simples crenças ou desejos , e pode ser verificada e validada por outras pessoas que também tenham executado o experimento . O experimento é a meditação . " ( N . T )
Desse modo , minha abordagem global foi usar a psicologia fenomenológico-desenvolvimentista e o estruturalismo para determinar as estruturas profundas da consciência , e a teoria sistêmica/funcionalismo , além da hermenêutica histórica , para elucidar as estruturas superficiais . Em minha opinião , o ponto é que a mesma abordagem básica se aplica ao estudo da meditação , porque meditação é , simplesmente , desenvolvimento de níveis superiores .
Essa abordagem para a meditação , além de produzir seus próprios resultados positivos , alivia-nos de diversos juízos falsos . Refiro-me especialmente a duas predominantes e difundidas estratégias de pesquisa . Uma é a busca de " mecanismo que produzem os efeitos da meditação " e a outra é a busca de " correlações fisiológicas específicas dos estados meditativos " . Com certeza , essas são noções importantes , mas se consideradas isoladamente , têm como efeito a depreciação da validade fenomenológica dos estados de meditação em si . De fato , em muitos casos , o uso de abordagens como a da correlação fisiológica tem como consequência invalidar o desenvolvimento meditativo em si mesmo ( um prelúdio para a conclusão , " Bem , vocês sabem , esses estados místicos são simples padrões cerebrais anormais ; eles não são realmente transpessoais - são apenas alterações no sistema nervoso do indivíduo . " )
Quando Piaget descobriu que as pessoas passam por uma importante transformação cognitiva , do pensamento pré-operacional para o operacional concreto , não houve grande exigência para buscar evidências de uma igualmente drástica mudança na fisiologia cerebral . Quando Kohlberg descobriu seis grandes estágios de desenvolvimento moral , ninguém gritou por " um mecanismo que produzisse tais efeitos . " A razão é que tais transformações podem ser demonstradas - e provadas - pelas ciências desenvolvimentistas , fenomenológicas , estruturais e interpretativas ( foi precisamente isso que Piaget e Kohlberg fizeram ) . O mesmo deve ser aplicado a meditação e transcendência . Estudos fisiológicos , mecanismos , reforços comportamentais e ondas cerebrais podem assumir importantes papéis , embora secundários e subsidiários . Por outro lado , aqueles transpersonalistas que exegeticamente abraçam os paradigmas da psicologia personalista ( auto-regulação comportamental , fisiologia mecanicista ) numa tentativa de serem aceitos por seus pares ortodoxos , simplesmente correm o risco de não só violar a fenomenologia do seu próprio campo ao reduzi-la a dimensões personalistas , como também de induzir a psicologia ortodoxa a pensar que as preocupações transpessoais podem ser absorvidas ( e portanto dispensadas ) pelos seus próprios paradigmas personalistas . Isto já aconteceu com as abordagens fisiológicas e as abordagens de alteração de comportamento ; se esta tendência continuar , em breve teremos uma ridícula psicologia transpessoal pessoal .
Naturalmente , meu sentimento é que a psicologia transpessoal negará e preservará a psicologia personalista ; aqueles que somente negarem ou somente preservarem , terão muito pouco a oferecer .
Minha peregrinação pelos domínios moral , intelectual e contemplativo continua . Quanto a meus escritos , se irão mostrar-se úteis a outras pessoas ou meras tagarelice subjetiva , pelo menos têm dado à minha vida um significado , um contexto , uma direção , uma sanção . Continuo a trabalhar , a estudar , a escrever , a contemplar ; em resumo , continuo o caminho , o " processo que admite seu fim no seu começo " . Costumava pensar que se adota um caminho exclusivamente para atingir-se um objetivo . Aprendi algo melhor : o verdadeiro caminho é , em si mesmo , o objetivo supremo . Como o Dogen Zenji se referiu ao estado supremo : " Não resta nenhum vestígio de iluminação , e essa iluminação sem vestígio continua para sempre . " Assim , todos nós ainda somos , e sempre seremos , os peregrinos .
Texto : Ken Wilber 
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