sábado, 12 de março de 2011

" Odisséia " Parte I

Uma investigação pessoal sobre Psicologia Humanística e Transpessoal .
No meu primeiro ano de faculdade ( Duke ) , tive a oportunidade de me deparar com um livro bem pequeno cujas frases iniciais eram :
" O caminho que pode ser verbalizado não é o caminho eterno . "
" O nome que pode ser falado não é o nome eterno . "
" O Indizível é a origem do Céu e da Terra . "
" O Nomeado não é senão a mãe de dez mil coisas . "
Em verdade , somente aquele que livra-se para sempre do desejo pode ver as Essências Secretas ;
Aquele que nunca livrou-se do desejo somente pode ver as Consequências .
Essas duas coisas provém da mesma Fonte ; todavia são diferentes na forma .
Essa Fonte só pode ser chamada de Mistério .
A Porta entreaberta de onde emergem todas as essências secretas .
Lao Tsé , Tao-te Ching

Eu nunca tinha sido exposto a tais idéias antes . Ou talvez devesse dizer , se em alguma ocasião vi tais palavras , elas não me impressionaram de modo algum . Até aquele ponto da minha vida estava totalmente envolvido pela ciência ( física , química , biologia e matemática ) . Na minha adolescência fui bastante rebelde e criador de casos para ser considerado normal e saudável ; todavia , minha primeira lembrança de satisfação intelectual foi comprar um livro de química aos dez anos e meus momentos mais felizes foram passados em vários laboratórios que montei em casa . No final do segundo grau e no início da faculdade , bebi também bastante cerveja e tornei-me suficientemente obcecado por garotas para , novamente , ser considerado normal e saudável . Entretanto , minha verdadeira paixão , meu demônio interior , era a ciência . Formei um self construíndo na lógica , estruturado pela física e movido pela química . Fui precocemente bem sucedido nesse mundo , ganhando numerosos prêmios e menções honrosas ; entrei para a faculdade com a idéia de manter esse sucesso e extrapolá-lo para o destino de uma vide . Minha juventude mental era um idílio com a precisão e a exatidão , uma fortaleza do claro e do evidente .
E assim , à medida que fui lendo o primeiro capítulo do Tao-te Ching era como se , pela primeira vez , estivesse sendo apresentado a um mundo totalmente novo e drasticamente diferente - um mundo além dos sentidos , um mundo fora da ciência e , portanto , um mundo além de mim mesmo . O resultado é que essas antigas palavras de Lao Tsé me tomaram de surpresa ; pior , a surpresa recusava-se a dissipar-se e minha completa visão de mundo começou a sofrer uma mudança sutil mas drástica . Em um período de poucos meses - meses que passei em leituras introdutórias do Taoísmo e do Budismo - o sentido da minha vida , como eu o pensara , simplesmente começou a desaparecer . Oh ! , não foi nada dramático ; foi mais como se , ao acordar uma manhã , após vinte anos de casamento , descobrisse " de repente " que não amava mais minha esposa ( nem ao menos a reconhecia ) . Realmente , não houve nenhum aborrecimento , nenhuma amargura , nenhuma lágrima - apenas a percepção tácita de que era hora de separar-me . Apenas isso : o velho sábio havia tocado uma corda tão profunda em mim ( e muito mais forte devido a uma repressão de vinte anos ) que acordei , repentinamente , para o entendimento silencioso , mas seguro , de que meu antigo self , minha vida anterior e minhas velhas crenças não poderiam mais ser energizadas . Era hora da separação .
Wilber usa self ( com " s " minúsculo ) para que o filósofo Huberto Rohden denomina " ego humano " e Self ( com " S " maiúsculo ) para o que Rohden chama " Eu Divino " . ( N . T . )

O ESPECTRO DA CONSCIÊNCIA

A separação em si , embora não enlouquecedora ou frenética , foi certamente estressante em alguns momentos , especialmente com relação a amigos , família e colegas , muitos dos quais pensavam que Krishnamurti era um comunista e Bodhidharma um pagão , ou pior , um " ateu agnóstico " , e , de algum modo , imaginavam que tudo isso levaria meus filhos a crescer cantando " Buda me ama , isto eu sei . . . " . Mas minha separação era séria .
Intelectualmente , inicei uma empreitada obsessiva de leitura , devorando livros de filosofia oriental num ritmo alucinante . Cortei aulas de química para ler o Bhagavad Gita ; matei aulas de cálculo para estudar a Cabala . Fui apresentado a Huxley e aos psicodélicos , Watts e Beat Zen . Era como se minha prévia vida de " repressão do sublime " tivesse criado , como diria Hegel , uma causalidade do destino que agora me compelia a restabelecer o equilíbrio com uma seriedade quase patológica .
Abandonei Duke e voltei para Nebraska , onde meus pais estavam servindo ( na força Aérea ) , mas rapidamente " realistei-me " na faculdade a fim de evitar a convocação que , naquele período de vietnamização , tinha de ser evitada a qualquer custo . Os dois anos seguintes foram gastos , quase literalmente , em leitura e pesquisa solitária , oito a dez horas por dia . Havia decidido formar-me em química e biologia , simplesmente porque eram tão fáceis para mim que não precisaria perder tempo estudando-as , e poderia , ao invés , usar cada hora das aulas para dedicar-me a filosofia e religião orientais , psicologia e metafísica ocidentais . Irresponsavelmente , consegui me formar com honras suficientes para obter uma bolsa de estudos na Universidade de Nebraska ( Lincoln ) em bioquímica/biofísica ; ao longo do meu primeiro ano de pós-graduação , não fiz outra coisa senão continuar a ler , estudar e tomar notas - e os nomes em meus cadernos não eram Krebs , Miller , Watson ou Crik , mas Gaudapada , Hui-neng , Padmasambhava e Eckhart .
Mas esse período de intensa absorção intelectual , com certeza , começou a valer a pena , não só por recuperar algum tipo de significado para minha vida , como também por ajudar-me a modelar uma síntese conceitual das várias escolas de psicologia , terapia e religião , orientais e ocidentais , que vinha perseguindo tão obsessivamente .
Esses dois resultados , o propósito moral do significado e o propósito intelectual da síntese , eram necessários para minha própria peregrinação pessoal ; não eram meros assuntos colaterais ou curiosidades intelectuais . Não estava fazendo isso em busca de um título universitário , uma carreira , uma cátedra , ou mesmo um afago na cabeça .
Estava fazendo porque sentia que devia fazê-lo ; para mim era a busca do Graal , e este era o ponto crucial da motivação que existia , sob forma de semente , no primeiro encontro com Lao Tsé , naquele primeiro ano de faculdade ; exatamente por isso , o velho sábio me fascinou .
É uma catástrofe intelectual que o conceito de telos tenha sido apagado da psicologia moderna ; filósofos desde Aristóteles até Hegel achavam impossível compreender o universo sem telos . Se realmente o universo é interpenetrante e interdependente em todos os aspectos , então , não só o passado modela o presente , como também o futuro modela o presente , do mesmo modo que uma corrente elétrica não deixará um terminal até que o outro terminal distante seja conectado . Isso mesmo , este propósito moral e intelectual , a síntese inicial da psicologia oriental/ocidental a que chequei por tentativas , quatro anos após meu primeiro encontro com Lao Tsé , parece que funcionou como uma semente-telos , uma chamada do amanhã que puxou minhas ações futuras , do mesmo modo que a causalidade do destino empurrou minhas ações passadas . E este puxa-empurra culminou , nesse período , em minha primeira descoberta importante , uma síntese intelectual que , pelo menos para mim , tinha um sentido profundo . Logo em seguida escreveria os resultados dessa síntese e os publicaria como The Spectrum of Consciousness ( 1977 ) .
Mas dizer que Spectrum era uma síntese intelectual não significa que ele era somente intelectual ou que estava divorciado das transformações pessoais que vinham ocorrendo em minha vida . Muito pelo contrário . Para começar , quando deixei Duke , com as minhas antigas estruturas de crença terrivelmente abaladas , estava , no sentido mais simples da palavra , infeliz . Não profundamente deprimido , não clinicamente triste , nem mesmo sombriamente melancólico - simplesmente infeliz . Esta infelicidade simples é realmente o sentido para o qual Buda Gautama usa a palavra dukkha ; embora ela seja usualmente traduzida como " sofrimento " , significa mais precisamente " amargura " . A primeira verdade de Buda : a vida normalmente vivida é amarga e o primeiro passo no caminho da libertação é despertar para essa amargura .
A vida para mim estava amarga ; era infeliz . E , em parte , estava obcecado pela leitura de todos os grandes psicólogos e sábios porque procurava uma saída para essa vida amarga ; a leitura era motivada , em resumo , pela necessidade de uma terapia existencial pessoal . O ponto era que estava " lendo tudo " porque estava tentando , mental e emocionalmente , juntar numa estrutura completa tudo que sentia ser necessário para minha própria salvação . Estava particularmente atraído por Perls , Jung , Boss e os existencialistas ; Normam O . Brown , Krishnamurti , Zen , Vedanta e Eckhart ; os tradicionalistas Coomaraswami , Guénon e Schuon , mas também por Freud , Ferenczi , Rank e Klein - não se poderia imaginar um grupo mais heterogêneo . E já se pode antever o problema : à medida que estudava todas as diferentes autoridades que propunham-se a dizer-me como tornar-me feliz na vida , eu ficava confuso porque todas discordavam entre si . Assim , ao invés de tornar-me meramente infeliz , fiquei infeliz e confuso . E para passar do estado infeliz para o feliz , pareceu-me que , primeiro , teria de passar do estado confuso para o ordenado .
Esta foi minha motivação enquanto agonizei por meses sobre dúvidas como : " Se os freudianos estão certos e a força do ego é o paradigma da saúde mental , como é que os budistas podem afirmar que a ausência do ego é o estado mais elevado ? " " Se os comportamentalistas estão corretos e o condicionamento histórico do passado é a chave para todos os problemas , como pode Perls afirmar que somente o aqui-e-agora é significativo ? " " O Vedanta diz que a Testemunha transcendente é o mais elevado de todos os estados , mas o Zen afirma que ela é a mais sutil de todas as ilusões ; quem está certo ? " Não é de admirar que o conceito de dissonância cognitiva de Festinger fizesse tanto sentido para mim .
Já havia naquela época ( início dos anos 70 ) diversos livros e artigos que faziam comparações e avaliações de escolas orientais e ocidentais de psicologia/terapia . Na maior parte , entretanto , não os achei de muita utilidade , porque seus autores , invariavelmente , escolhiam lados e , então , sentiam necessidade de denunciar cuidadosamente ( embora algumas vezes de maneira sutil ) a visão oposta . Por exemplo , se a discussão versava sobre os méritos de Freud versus Zen , o autor , se freudiano , definiria o Zen como um treinamento em esquizofrenia catatônica , enquanto o autor orientado pelo Zen definiria Freud como o campeão da ilusão dualística . Da minha parte , simplesmente não podia acreditar que nenhuma mente de gênio ( como Freud ou Buda ) pudesse produzir somente inverdades ou erros . Isto era inconcebível para mim .
De preferência , se tivesse que tirar uma primeira conclusão , a única possível seria : Freud estava parcialmente correto ; Buda estava parcialmente correto ; e o mesmo valia para Perls , Kierkegaard , os existencialistas , os comportamentalistas . E foi nessa base experimental que prossegui . Defrontamo-nos não com vários erros e uma verdade , mas sim com várias verdades parciais , e como encaixá-las coerentemente é , então , o quebra-cabeça supremo .
Em minha própria prática - minha praxis - isto me ocorria diariamente . Por um lado , vinha praticando o zazen seriamente por um ano ou dois e estava cada vez mais sendo influenciado pelo ponto-de-vista do Budismo Mahayana como um contexto abrangente .
Por outro lado , estava sendo completamente atraído para as terapias existenciais ( particularmente a terapia da Gestalt ) , não só por técnicas específicas para tratar meus próprios conflitos , como também por pistas intelectuais para a dinâmica da psique . Mas , independentemente do que os psicólogos pop dissessem , esses dois sistemas ( Zen e Gestalt ) não apresentavam nenhuma similaridade . Certamente eles compartilhavam algumas poucas coisas ( " esteja aqui agora " , ênfase na consciência etc . ) mas além disso , Perls estava muito mais próximo de Freud do que de Buda ( e Freud e Buda tinham muito pouco em comum ) . Penso que a maioria das pessoas , ainda hoje , não percebeu que Perls era basicamente pop-Freud ; um pop-Freud brilhante , com certeza , mas , de qualquer modo , um pop-Freud . O sistema completo de Perls operava com introjeção , projeção e retroflexão ( repressão ) , reativadas no cliente através de transferência de grupo , manifestadas por resistências-fugas , e trabalhadas pelo terapeuta via análise todos conceitos freudianos , adequadamente modificados e adaptados para terapia breve .
Não me entendam mal : tinha , e ainda tenho , imenso respeito ( e débito ) pelo que Perls fez . Somente estava acontecendo que minha vida vinha em dois planos : um plano pessoal , onde lutava com minhas projeções , introjeções , retroflexões e tudo o mais , seguindo a linha da Gestalt ; e um outro plano , transpessoal , na linha Zen , onde me despreocupava de tudo isso e deixava que fluísse através de mim na meditação , à medida que cessava toda intencionalidade psíquica .
Já estava começando a perceber , intelectual e pessoalmente , que a consciência podia ser dividida em dois grandes domínios : o pessoal e o transpessoal . Logo descobriria que isso é o que Assagioli chamou de psicossíntese pessoal e psicossíntese transpessoal . Ou era a distinção de Jung entre o inconsciente pessoal e o inconsciente coletivo . Assim , aceitei essa primeira importante cartografia da consciência : o pessoal versus o transpessoal .
Em seguida , cheguei à minha primeira regra básica para tentar entender o que aceitar como válido nas teorias : aceitar como possivelmente verdadeira qualquer coisa que uma teoria pessoal diga sobre a esfera pessoal e o que uma teoria transpessoal diga sobre a esfera transpessoal , mas ser muito cuidadoso quando houver superposição das mesmas .
Freud e sua histeria sobre religião em O Futuro de uma Ilusão é um exemplo de uma teoria pessoal transbordando para uma dimensão transpessoal . Por outro lado , embora os transpersonalistas , teoricamente , devessem transcender mas incluir a teoria pessoal , frequentemente me deparei com o oposto : eles estavam tão furiosos com o tratamento dispensado por Freud aos domínios mais elevados que rejeitavam tudo que Freud havia dito , mesmo sobre a esfera pessoal , o que não é senão uma falha em reconhecer uma verdade inferior e parcial precisamente no domínio em que ela é verdadeira . Assim , ao ignorar as verdades desagradáveis que Freud havia revelado sobre os domínios inferiores e infantis , esses transpersonalistas ( e humanistas ) propuseram visões do desenvolvimento da infância que eram um evidente mingau romântico . Homens e mulheres eram vistos não como uma mistura de animais e anjos , mas sim como uma de doçura e luz , uma visão tão distorcida , no sentido oposto , quanto a de Freud .
Esta simples cartografia de dois níveis permitiu-me também encaixar os insights do existencialismo e do transcendentalismo ou , por exemplo , Sartre e Shankara . Os existencilistas ressaltavam que onde quer que haja um self individual , há angústia , sofrimento , o terror de existir e o terror da morte . " A arqui-ansiedade essencial , básica , é inerente a todas as formas isoladas , individuais , da existência humana . Na sua angústia básica , o ser humano tem medo de , bem como fica ansioso com , " estar-no-mundo " . Escreveu Boss ( 1973 ) . Isto não é terror neurótico , mas um terror inerente , e a sua percepção não é doentia mas sim verdadeira . De fato , a falha em compreender esta angústia inerente é alcançada somente pela negação ou repressão da real e precária natureza da existência . Não é a ansiedade que é neurótica e sim a complacência . O self feliz é o self doente , o self que " tranquiliza-se com o trivial " , como colocado por Kierkegaard ; ou a pessoa inautêntica , disse Heidegger , é aquela que não tem consciência da morte inesperada e solitária .
Mesmo Freud logo chegaria a esse entendimento , pois como finalmente colocou : " É a ansiedade que causa repressão e não , como eu pensava , a repressão que causa ansiedade " . Em outras palavras , angústia é o estado básico do self individual , e , então , o self individual estimula a repressão em resposta à ansiedade , a fim de proteger-se do terror da morte , do não-ser , da nulidade . Como afirmou Becker ( 1973 ) : " A consciência da morte é a repressão básica , não a sexualidade . " A neurose fundamental não é causada por uma confiança em muletas mentais , mas , em primeiro lugar , por uma incapacidade para criar muletas em quantidade suficiente . Como Rank ressaltou , a neurose " sempre é , no fundo , a incapacidade para a ilusão " - incapacidade para fingir que a morte não existe , incapacidade para esconder o crânio que , como disse William James , brevemente sorrirá no banquete .
Então , os existencialistas , como o epítome da teoria personalista , vislumbraram precisamente a natureza da existência do self-individual . Eles diagnosticaram perfeitamente a humanidade e o diagnóstico foi angústia . Ao verem que a ansiedade vem antes da repressão , eles não puderam mais definir a angústia como meramente neurótica ou anormal . Ao contrário , ela era básica ; era , antes de tudo , algo inerente ao sentido do self-individual e não algo causado por treinamento falho para ir ao banheiro ou algo de que o self poderia ter se livrado se mamãe e papai tivessem sido bons para ele . Era existencial e não meramente circunstancial . Do mesmo modo , a neurose ( ou neurose fundamental ) não era causada pela repressão mas pela falha em reprimir ; não " quanto mais repressão , mais neurótico e infeliz " ; ao contrário , " quanto menos repressão , mais infeliz " , simplesmente porque menos repressão significativa uma pessoa aproximando-se mais da verdadeira natureza da realidade e da existência , e esta natureza é angústia , a vida amarga , o self infeliz , o self que , inerentemente , é anicca , anatta , dukkha ( impermanente , insubstancial , amargurado ) .
As tradições místicas ou transpessoais concordam com esse diagnóstico - o self individual , o sujeito separado dos objetos , depara-se necessariamente com dukkha ou amargura-angústia . " Sempre que há outro , há medo " . ensina o Upanishads ( vide Hume , 1974 ) . " O inferno são os outros . " rebate Sartre . Entretanto , as tradições transpessoais afirmam que há um caminho de saída para o sofrimento , para o pecado e para a doença chamada self . É verdade , elas confirmam , que onde há outro , há medo e onde há o self , há angústia , mas é possível transcender-se o medo e a angústia , transcendendo-se o self e o outro . Nada que o self possa fazer acabará com a angústia porque o self é angústia ; somente se transcende a angústia morrendo para o self - ambos ascendem e caem juntos .
Portanto , diz-se que a realidade suprema é " não-dual " , o que pode ser ententido como ela estando além da dicotomia do sujeito e do objeto ou como sendo a união do sujeito e do objeto . O ponto é que a descoberta dessa unidade última , ou Identidade Suprema , é uma libertação da sina de ser um self individual . Ao vislumbrarmos que o self e o outro são um , libertamo-nos do medo de viver ; vendo que o ser e o não-ser são um , libertamo-nos do medo de morrer . Neste ponto - mas não antes - o indivíduo não precisa mais reprimir a morte ; pois " a morte perde seu ferrão . " Descobrindo o Todo , ele ou ela libertam-se do destino de ser uma parte .
Assim , não só as tradições transpessoais entenderam o diagnóstico da humanidade - angústia , dukkha , terror da morte - como foram além dos existencialistas e descobriram a prognose da humanidade , a cura para a doença em si . A palavra para prognose em sânscrito é prajna ( prajna = pró-gnose ) , e é prajna , ou insight transcendente , que estilhaça as correntes de samsara , de dukkha , de sofrimento e angústia . E é prajna - pró-gnose , insight gnóstico , jnana - que é ativado e mantido em todas as verdadeiras formas de meditação e contemplação . Portanto , os transpersonalistas foram além , mas incluíram os existencialistas .
Então , passei a entender , de modo vívido , a conclusão lógica das caixas chinesas . Vocês já devem ter visto um conjunto dessas caixas de brinquedo . Cada caixa é um pouco maior que a anterior , de modo que a anterior cabe dentro dela . Com efeito , a conclusão tirada da ilustração desse brinquedo é que se um sistema filosófico pode abraçar outro , mas não vice-versa , então o sistema mais abrangente é o mais válido . Assim , do mesmo modo que a Física Newtoniana é um subconjunto da Física Einsteniana , o existencialismo é uma caixa chinesa menor , parcial e incompleta , mas correta em seu domínio , que é envolvida pela caixa maior dos transcendentalistas ( mas não vice-versa ) .
Esta conclusão seria a pedra fundamental de toda a minha teorização subsequente e permitiria que eu estabelecesse claramente uma hierarquia , não somente em filosofias e psicologias , como também em níveis de consciência e de existência .
Aquela cartografia de dois níveis - pessoal versus transpessoal - naturalmente era um mapa muito rudimentar , como logo ficou óbvio para mim . Pois , mesmo na esfera pessoal , diferentes escolas de psicologia/terapia estavam em gritante desacordo . Em particular , de um lado havia toda a escola da psicologia do ego ( não só a psicologia analítica do ego como também a psicologia cognitiva do ego ) e do outro lado a completa Terceira Força da psicologia/terapia humanístico-existencial . Quanto mais as estudava , mais profundamente suas diferenças se mostravam . Na verdade , comecei a me perguntar se todas essas diferentes escolas estavam realmente estudando o mesmo ser humano . Parecia muito mais provável que o mundo fosse realmente habitado por quatro ou cinco espécies humanas totalmente diferentes e que cada uma dessas escolas tivesse , simplesmente , separado os representantes de cada espécie e construído suas teorias em torno deles . Havia o Homo assassino , o Homo erógeno , o Homo condicionado , o Homo potencial total , o Homo transcendente - mas ninguém parecia estar falando sobre o Homo sapiens . ( Logo vislumbraria uma possível razão para isso , baseada em mais aplicações das caixas chinesas . )
Por enquanto , concentrei-me no delineamento dos papéis das psicologias do ego versus as psicologias humanístico-existenciais , focalizando especialmente como cada uma via a natureza e a função da psicoterapia . Nos termos mais simplistas possíveis , as psicologias do ego pareciam ter como objetivo " tornar o inconsciente consciente " ou reagrupar no ego os aspectos da psique que se haviam separado ou dissociado devido a dificuldades ou complicações no desenvolvimento passado . Usando termos junguianos , conceituei isto como : a persona ( ou auto-imagem fraudulenta ) pode voltar a unir-se com a sombra ( ou inconsciente pessoal reprimido ) de modo a permitir a emergência do ego total ( ou auto-imagem precisa , força adequada do ego e assim por diante ) .
Teoricamente , isto era quase tão simples quanto : persona + sombra = ego .
As terapias humanístico-existenciais não negavam esta equação ; muitas , inclusive , faziam uso explícito dela ( Perls , por exemplo ) . Mas , de certa forma , pareciam também ir além desta equação e falar sobre os potenciais do organismo total , potenciais que suplantavam quaisquer das suas partes , seja a persona , o ego , o id ou o superego . Por exemplo , Rollo May ( 1969 ) : " Nem o ego , nem o inconsciente , nem o corpo podem ser autônomos . Pela sua própria natureza , a autonomia só pode ser encontrata no self centrado . Logicamente , bem como psicologicamente , devemos ir atrás do sistema ego-id-superego e esforçamo-no para entender o " ser " do qual eles são expressões . " Note que May não nega a existência do ego-id-superego ; simplesmente a vê como a expressão de uma unidade mais profunda ou self mais profundo , o ser total . Assim havia aí uma caixa chinesa ; o organismo total incluindo o ego-id-superego , mas não vice-versa . Então , comecei a chamar esse nível mais profundo de " centauro " ( um termo da mitologia primeiramente usado por Benoit [ 1955 ] para indicar a unidade completa do homem-mente com o animal-corpo , e também por Erikson com um significado similar ) .
Assim , se tivéssemos que declarar o objetivo geral das terapias humanístico-existenciais em uma frase , poderia ser : elas objetivam fazer ressumir e realizar completamente o self centáurico . Como o estudo de James Broughton revelou , as personalidades mais completamente desenvolvidas viam " tanto a mente quanto o corpo como experiências de um self integrado " , e este self integrado , o centauro , era exatamente o paradigma das terapias humanístico-existenciais ( Loevinger , 1977 ) . Posteriormente , eu subdividiria essas terapias em duas classes , noética e somática , dependendo de como elas abordavam predominantemente o centauro através da mente ( Rollo May , Binswanger ) ou através do corpo ( ioga , Rolfing ) . Mas o ponto essencial se mantinha : unir o ego-mente e o corpo-soma de modo a fazer ressurgir uma identidade total com o centauro . Como colocado por Perls ( 1951 ) : " O objetivo é expandir a fronteira do que você aceita como você mesmo para incluir todas as atividades orgânicas . " Aqui , a equação era : ego + corpo = centauro .
Obviamente , essas eram generalizações muito simples ; todavia , mostraram-se extremamente úteis para o desenvolvimento de outras generalizações . Por exemplo , já conseguia ver a diferença entre a ansiedade-culpa neurótica e a ansiedade-culpa existencial ; a primeira era causada por temor da sombra ; a segunda , por temor da diversidade geral do mundo . A causa da primeira era uma divisão interna do sujeito ; a da segunda , a prévia separação entre sujeito e objeto . ( E , assim , para fechar nossa conta com Freud , ambas as visões estão parcialmente corretas : a ansiedade primária é existencial e dada , e é essa ansiedade primitiva que , em última instância , causa a repressão da sombra - mas a repressão da sombra , então , leva a ansiedade excessiva , ansiedade excedente ou ansiedade neurótica em si mesma . ) E mais , essas simples generalizações também me levaram , dentro da esfera pessoal , a três grandes níveis do ser ou da consciência : o nível da persona , o nível do ego e o nível do centauro .
A partir desse ponto , foi um passo muito pequeno compreender como as tradições místicas se encaixavam em um esquema global . A psicanálise objetivava unir a persona e a sombra para revelar um ego inteiro e saudável ; indo mais fundo , as terapias humanísticas objetivavam unir o ego e o corpo para revelar o centauro total . Do mesmo modo , as tradições místicas iam ainda mais fundo e objetivavam unir o centauro e o cosmos para revelar a Identidade Suprema , uma " consciência cósmica " , como Bucke muito bem colocou .
O quadro completo girava em torno do senso de identidade de cada um ou onde , com efeito , cada pessoa traçava suas fronteiras . Pois cada nível inferior de consciência parecia ser construído por sucessivos estreitamentos , restrições ou limitações da consciência ; o eu tornava-se menor e menor , por assim dizer , e o não-eu , maior e maior .
Assim , no nível da Identidade Suprema , o eu de cada um é o Todo ( isto é , a clássica união mística ) . No nível do centauro , o eu é o organismo , mas o resto da manifestação - o meio-ambiente " lá fora " - aparece como não-eu . No nível do ego , o eu é a psique , mas , além do meio-ambiente , o soma aparece como não-eu ( " Eu tenho um corpo " , uma posse , e , embora , as posses possam ser " minhas " , elas não são " eu " , elas não são o eu ) .
No nível da persona , o meio-ambiente e o corpo e a sombra aparecem como não-eu , e , uma vez que " onde há outro , há medo " , cada novo passo também cria novos medos , novas doenças , novas patologias . Exceto pelo último nível da Totalidade , o espectro da consciência é um espectro de patologias .
Ao mesmo tempo que lutava com essas várias prioridades , comecei a intensificar meus estudos sobre filosofia/psicologia orientais e tradições místicas em geral . A primeira coisa que ficou óbvia para mim foi que existem pelo menos dois diferentes subdomínios na esfera transpessoal ou , se preferirem , dois graus de transcendência . O grau mais baixo é da testemunha transcendente . Nesse estado , a consciência transcende a mente , o corpo , o ego , o centauro e simplesmente testemunha as flutuações desses domínios inferiores . Isto é similar ao que Maslow chamaria de uma experiência de platô ; ou que os hindus chamam de savikalpa samadhi ; ou que o Budismo Mahayana chama de alaya-vijnana . Mas além desse nível de transcendência , há um estado supremo e radical , onde não se testemunha mais a realidade , transforma-se na realidade . A testemunha transcendental colapsa em tudo que é testemunhado , alto ou baixo , sagrado ou profano , e desaparece como uma entidade separada . No primeiro estado , o self profundo intui a Divindade ; no estado supremo , o self mais profundo abre-se para a Divinade , e isso é a Suprema Identidade ( bhava samadhi , sahaja samadhi etc . ) .
Bem , chamei o primeiro estado de faixas transpessoais ( a identidade ainda não é una com o Todo , mas , por outro lado , não está confinada apenas ao organismo individual ) e o estado superior , de Mente universal . Esses termos não foram exatamente escolhas felizes , mas os domínios ou níveis a que se referiam eram suficientemente reais e distintos . Adicionado esses dois níveis transcendentais aos níveis da esfera pessoal obtive uma hierarquia de cinco níveis de consciência , um espectro da consciência . Cada nível possuía suas características próprias - suas necessidades , seus potenciais e suas doenças . Esse esquema ajustava-se à hierarquia de necessidades de Maslow e , mais ainda , combinava muito especificamente com as cartografias esotéricas contidas nas grandes tradições místicas do mundo ( os Koshas do Hinduísmo Vedanta , os vijnanas do Budismo Mahayna , a sefirot da Cabala , e assim por diante ) . Agora ficava claro o porquê de tantas diferentes terapias , orientais e ocidentais . Não é que elas estivessem tratando o ser humano de diferentes ângulos ; elas estavam analisando diferentes níveis do ser humano por diferentes ângulos e , portanto , não eram contraditórias e sim largamente complementares . E tudo isso , mais ou menos , foi apresentado em The Spectrum of Consciousness .
Do grego télos , " fim " , " realização " . ( N . T )
1977 Lançado no Brasil pela Editora Cultrix como O Espectro da Consciência . ( N . T )
Prática de meditação do Zen Budismo . ( N . T )
Esta visão ainda é fase denominada pelo próprio Wilber de " Wilber - I " . Posteriormente , ele a reformulou na fase " Wilber - II " . Por exemplo , em The Eye of Spirit ( Wilber , 1977 ) ele afirma : " Uma das falácias pré-trans de Jung foi confundir coletivo com transpessoal , uma vez que há estruturas de coletivo pré-pessoal , coletivo pessoal e coletivo transpessoal . " ( N . T )
Na tradição do Hinduísmo , é o ciclo de nascimento , morte e renascimento a que cada ser humano está sujeito enquanto viver na ignorância e não atingir a Identidade Suprema . ( N . T )
As quatro Forças da Psicologia são : 1ª - Behaviorismo ; 2ª - Psicanálise ; 3ª - Psicologia Humanística ; e 4ª - Psicologia Transpessoal . ( N . T )
Texto : Ken Wilber
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" Odisseia " Parte II

Consciência Protoplásmatica

Ano seguinte foi umperíodo de grande transição para mim . Estava aprofundando meu compromisso com o estudo e prática do Zen . Meditava diariamente ( três horas ) e uma vez por mês fazia uma sessão de dia inteiro , sozinho ou com outros . Casei-me com minha melhor amiga , Amy , e abandonei o curso de pós-graduação , interrompendo meu doutorado e tirando um mestrado ( principalmente porque agora queria dedicar todo o meu tempo na elucidação do espectro e na prática do Zen ) . Foi difícil para muitos dos meus amigos , família e colegas entender por que eu não me mantinha no ambiente universitário - se não em ciências , pelo menos em filosofia ou psicologia . Com a publicação de Spectrum apareceram ofertas para dar aulas , mas recusei . Não é que desgostasse de dar aulas ou que sentisse , como William Irwin Thompson , que a academia estivesse completamente desvirtuada . Sabia que se ensinasse este material o dia todo , ainda assim chegaria em casa e trabalharia nele a noite inteira , com consequência desequilibrantes . Além disso , estava profundamente envolvido pelo conceito Zen de honrar as atividades mais humildes , mesmo , ou especialmente , o trabalho manual " inferior " . Porque queria valorizar esta postura de equilíbrio , procurei deliberadamente e assumi empregos de trabalho manual em tempo parcial : como atendente de posto de gasolina , lavador de pratos , vendedor de armazém . Daí em diante , minha esposa passou a apresentar-me como " o mundialmente famoso autor e lavador de pratos . "
Nem preciso dizer que toda essa situação foi um treinamento extraordinário . Foi um treinamento primeiro , e principalmente , em humildade . Esqueça a formação acadêmica , esqueça os livros e artigos , esqueça os títulos , esqueça realmente tudo e lave pratos por vários anos . Também foi um treinamento em manter os pés no chão , em viver o mundo de uma maneira imediata , concreta , tangível , não através de palavras , conceitos , livros ou cursos . E o mais perturbador para mim , foi um completo treinamento na vida daqueles que somente podem ter esses empregos simples como meio de subsistência , sobrevivendo com salários ínfimos . Vivi e trabalhei com dúzias de almas que trabalhavam duro e eram abertas e decentes , mas cujos destinos as recompensavam apenas com futuros sombrios e com corpos que envelheciam prematuramente devido à tensão física . Não há outra maneira de se dizer isso sem parecer piegas , assim direi apenas que saí dessa situação com um sentimento compartilhado de humanidade , de íntima fraternidade , algo que nenhum livro e nenhuma universidade poderiam ter-me proporcionado .
Este arranjo ( trabalho-estudo-meditação ) proporcionou-me o equilíbrio ( corpo-mente-espírito ) , a flexibilidade e o tempo de que precisava para desenvolver minhas pesquisas .
A primeira coisa que fiz nesta " atmosfera livre " foi escrever uma versão popular para Spectrum chamada No Boundary ( 1979 ) . Em seguida , dediquei-me a uma elaboração mais precisa do modelo do espectro . Sendo mais específico , em The Spectrum of Consciousness concentrei-me quase que somente nas estruturas básicas da consciência ; assim , voltei-me para o desenvolvimento e a dinâmica básica dessas estruturas ( enquanto , ao mesmo tempo , refinava e expandia meu entendimento das mesmas ) .
Por essa época , houve uma virtual explosão de várias " cartografias da consciência " : a pesquisa de Grof com psicodélicos vinha sendo cada vez mais aceita como um trabalho legítimo e não como um produto de " alucinações com ácido " ; o trabalho de Maslow sobre a hierarquia das necessidades estava sendo rapidamente entendido ; Huston Smith ( 1976 ) apresentou um estudo definitivo demonstrando de uma vez por todas que o cerne das grandes religiões do mundo era uma hierarquia de consciência ; e também havia Green e Green , Tiller , Goleman , Tart , Houston e Masters , Battista , Welwood , Metzner e meu próprio trabalho sobre o espectro - o ponto mais notável era que todas essas cartografias se mostravam essencialmente semelhantes . Mas o que faltava em todas elas era uma tentativa sustentável de estudar e descrever a dinânica e o desenvolvimento dessas várias estruturas ou níveis de consciência . Até onde foram , as cartografias eram boas ; simplesmente faltava a elas sensibilidade desenvolvimentista . Esta era exatamente a crítica de Hegel a Kant : as estruturas de consciência não são simplesmente dadas no início ; elas somente podem ser concebidas como algo que se desenvolveu . Foi para este desenvolvimento que direcionei minha atenção e os resultados de meus estudos preliminares seriam finalmente publicados como The Atman Project ( Wilber , 1980 ) .
Entretanto , dois importantes eventos interromperam temporariamente a redação de Atmam . Um foi uma revista ; o outro foi uma viagem pela antropologia .
Comecemos pela revista : um indivíduo chamado Jack Crittenden , após ler Spectrum , vinha mantendo correspondência constante comigo . Queria fundar uma revista dedicada àqueles assuntos tratados em Spectrum e que seria , de certo modo , uma combinação entre Main Current , Studies in Comparative Religion e Journal of Transpersonal Psychology . Queria que eu editasse , ou , pelo menos , co-editasse a revista , mas declinei do convite ( principalmente porque já estava assoberbado com minhas próprias pesquisas ) . Prometi apoiá-lo moral e intelectualmente ; também concordei em seriar Atman em quatro partes na sua revista . Jack e eu começamos a trabalhar na revista ( que ele denominou Re Vision ) e nos tornamos amigos constantes . Finalmente , convenceu-me a ser co-editor com ele e , então , habilmente , " abandonou " seu posto de co-editor para se tornar " diretor/editor " , deixando-me , num belo movimento de xadrez , como único editor . Mas por essa época , estava contente em fazê-lo . O entusiasmo de Jack havia-me convertido e Re Vision transformar-se-ia numa revista extraordinária .
Se Re Vision estava fluindo suavemente , minhas tentativas de conceituar desenvolvimento psicológico não estavam . Para começar , tornou-se óbvio que teria que estudar a psicologia do desenvolvimento do bebê e da criança , o que , em si mesmo , não apresentava sérios problemas . Afinal , os trabalhos de acadêmicos como Werner , Piaget e Kohlberg - de certa forma , todos estruturalistas como eu - haviam criado a noção muito clara e precisa de " desenvolvimento como desdobramento estrutural " e mapeado seu rumo desde a infância até a adolescência . Mas , desde o início , estava interessado não só naquilo que esses psicólogos da personalidade tinham a dizer , como também no que as tradições místicas tinham a dizer , e mais , em como encaixar coerentemente essas idéias . E isto se mostrou , desde o princípio , um problema extraordinário .
O problema girava em torno do estado de indissociabilidade do sujeito objeto .
Obviamente , a tradição mística afirma há longo tempo que o estado definitivo é de unidade sujeito-objeto ( ou não-dualidade ) . Este é o estado da totalidade final , a Suprema Identidade de Brahman-Atman . Mas virtualmente todas as escolas da psicologia ocidental - os Kleinianos , os Freudianos , os Junguianos , Piaget , Fairbairn , Mahler e Kaplan , Loevinger - afirmavam que o bebê , o recém-nascido , existe inicialmente em um estado em que sujeito e objeto , o self e o outro , dentro e fora , são um . Klein chamava este estado de identificação projetiva ; Piaget , de consciência protoplásmatica ; de acordo com a psicanálise , ego-libido e objeto-libido não diferenciados . Problema : qual a relação deste estado com o estado supremo , já que ambos são unidades sujeito-objeto ?
A maioria dos autores com conhecimento de tradições místicas considerava o estado neonatal como evidência de uma unio mystica ou samadhi primordial , quando a alma existe em unidade com o mundo . Os Junguianos , por exemplo , sustentavam que nos primeiros meses da infância o ego está perfeitamente identificado ou imerso no Self .
Norman O . Brown afirmava que este estado inicial de fusão sujeito-objeto é o estado perfeito de não-dualidade , que é recapturado em despertares místicos ; pensamentos essencilmante similares foram expressos por Allan Watts , Joseph Campbell , Louise Kaplan , Prince e Savage , Arthur Koestler e outros .
Seguindo esta pista , que certamente parecia fazer sentido para mim , comecei a reconceituar o rumo completo do desenvolvimento , baseando-me nos dados da corrente principal da psicologia do desenvolvimento , porém considerando o contexto das tradições transpessoais . O caminho parecia ser direto : O recém-nascido começa em um estado de " consciência cósmica infantil " , um estado de unidade ou totalidade primária , mas está inconsciente desta totalidade ; é uma identificação inconsciente com o Self ( a visão Junguiniana ) . Entretanto , a fim de perceber esta totalidade , a alma primeiramente deve renunciar a esta unidade inconsciente e criar um self isolado e um mundo de separação e dualidade ; só então ela poderá retornar à totalidade de um modo consciente , mantendo ligação com o ego , mas alinhando-o e religando-o ao Self . Assim , o caminho completo de desenvolvimento seria o de um estado inicial de união transpessoal inconsciente ( " paradisíaco " ) , para um self pessoal consciente ( dividido e alienado ) , até uma união final consciente transpessoal ( conscientemente total e extática ) .
A evidência desta visão parecia irresistível ; seguindo-a comecei a reunir os domínios pessoal e transpessoal num esquema desenvolvimentista e dinâmico , e não só num esquema estrutural como havia feito em Spectrum . O desenvolvimento foi o delineado no parágrafo anterior . Cheguei à dinâmica do seguinte modo .
A principal escola de psicologia a tratar de problemas psicodinâmicos foi a psicanálise ; assim procurei nela as sugestões iniciais . Nesta escola , há um imenso corpo de teoria e pesquisa ( de Freud a Loewald ) sugerindo que a principal ( mas não a única ) dinâmica de desenvolvimento é tentar recuperar o prazer narcisista que existia no seio materno ( na fase oral pré-ambivalente ) e que foi perdido no desenvolvimento subsequente .
Freud não só afirma que o sentimento egóico humano uma vez abraçou o mundo inteiro [ i.e . , durante o estado neonatal de fusão sujeito-objeto ] , como também que Eros impele o ego a recuperar aquele sentimento : " O desenvolvimento do ego consiste num afastamento do narcisismo primitivo e resulta numa vigorosa tentativa de recuperá-lo . " No narcisismo primitivo , o self é uno com um mundo de amor e prazer ; daí ser o objetivo final do ego humano restaurar o que Freud chama de " narcisismo ilimitado " e colocar-se , uma vez mais , em unidade de amor e prazer com o mundo inteiro . [ Brown , 1959 ] .
Junte-se esta visão à visão transpessoal e ter-se-á o seguinte : se esta condição original de fusão neonatal é realmente o estado inicial de totalidade ou de identidade com o Self , segue-se que o objetivo do desenvolvimento é recuperar a união com o Self . Se usarmos o termo hindu para o Self supremo , então a dinâmica do desenvolvimento pode ser conceituada como um " projeto Atman " . As implicações de tudo isso foram apresentadas nos primeiros rascunhos de The Atman Project , que começaram a ser publicados em Re Vision , como combinado .
Mas quanto mais pensava sobre este modelo de desenvolvimento , mais parecia que algo estava profundamente errado . Li e reli insistentemente meus escritos , tentando descobrir o que me estava incomodando . Sentia-me desconfortável , pois parecia que havia apresentado o caso tão cuidadosamente que não conseguia quebrar minha própria argumentação ; e ainda assim , algo estava definitivamente errado .
Quanto mais ponderava sobre a situação , mais era levado ao estado inicial de fusão neonatal , aquela " consciência cósmica infantil " . Seria realmente um estado de identificação inconsciente com o Self , uma identificação subsequentemente perdida e depois recuperada ? Compreendia que a maioria das autoridades transpessoais dizia sim ; todavia , aquela proposição era , na realidade , o ponto crucial do problema - não os dados ( há realmente um tipo de estado de fusão neonatal ) , mas sua interpretação ( ele realmente tem algo a ver com o Self ? ) . Pois se realmente havia um espectro da consciência - uma Grande Cadeia do Ser , como colocação por Lovejoy - então seria razoável assumir que o desenvolvimento seguia a própria Grande Cadeia , movendo-se , como não poderia de ser , do seu degrau inferior para o degrau supremo . Mas aí estava o problema : a visão geral transpessoal ( Norman O . Brown , Watts , Jung e outros ) postulava um tipo de retorno em U , não nas extremidades da Grande Cadeia , mas exatamente no meio . Por razões que explicarei a seguir , aquele retorno em U começou a deixar-me profundamente intrigado . Posteriormente , chegaria à conclusão de que foi precisamente a falha em questionar aquele retorno em U que desviou meus esforços iniciais .
Este foi um período muito difícil para mim . Sentia dores físicas ao esforçar-me para endireitar as coisas . Intelectualmente , era como acelerar um motor de corrida em ponto morto . Se não me tivesse ancorado no trabalho manual e na segurança do zazen , tenho certeza de que teria soltado um pino por aí . O problema era complexo porque , num primeiro momento , todas as evidências estavam do lado da visão transpessoal geral . Por outro lado , se assumimos que de , algum modo , há paralelos filogenéticos/ontogenéticos , então nem mesmo a mitologia antropológica servia de ajuda . A mitologia não nos fala de uma Idade de Ouro , um Jardim do Éden , um Paraíso no qual todas as coisas eram unas em êxtase e felicidade e de onde homens e mulheres caíram ? E esta queda não foi causada pelo conhecimento , separação e alienação egóica ? E isto não se encaixa perfeitamente com o desenvolvimento infantil : unidade inicial , depois separação e , por fim , retorno à unidade ( com iluminação ) ?
Texto : Ken Wilber 
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" Odisseia " Parte III

Ascensão a Partir do Éden .

Coloquei de lado The Atman Project e resolvi estudar antropologia e mitologia . A princípio , as evidências pareciam confirmar os mitos do Éden ; Lévy-Bruhl e a noção da participation mystique ; Cassirer e a idéia da identidade natural primordial , Gebser e o estado de totalidade arcaica . Mas , quanto mais olhava para a evidência real , mais um ponto começava a sobressair : havia muito pouco de " paraíso puro " na humanidade primitiva ( não estou me referindo a povos indígenas que existem atualmente , mas a tribos originais de proto-humanos que viveram há meio milhão de anos atrás , com uma expectativa média de vida de vinte e poucos anos e uma consciência relativamente pré-diferenciada ) . Com exceção de ocasionais , e usualmente muito raros , xamãs , os melhores dos quais pareciam ter acesso a estados espirituais genuínos , a média de consciência dos humanos primitivos não parecia ser transindividuada mas sim pré-individuada , não transpessoal mas pré-pessoal .
Mas era exatamente esta a pista que estava procurando ; os mitos do Éden confundiam ignorância pré-pessoal com êxtase transpessoal , de tal modo que , quando homens e mulheres começaram a evoluir a partir do Éden , isto foi considerado , erroneamente , como uma queda do céu . Realmente , homens e mulheres caíram do céu ( ou da unidade com e como Divindade ) , mas esta não foi uma queda na história , e sim do presente eterno de onde emergem todas as coisas . Caímos do céu neste momento , no próximo e no próximo , toda vez que criamos limites e vivemos com a sensação de um self separado . Mas os teólogos e mitólogos confundiram essas duas quedas , ao imaginar que houve , um passado histórico real , um céu transpessoal na Terra , quando o que precedeu as pessoas não foram almas transpessoais , mas sim macacos pré-pessoais . O Éden foi , simplesmente , o período dos estágios subconscientes , pré-pessoais , pré-egóicos e largamente subumanos da evolução , até , e incluindo , os proto-humanos ( Australopithecus , Homo habilis e outros ) . Era paradisíaco , no sentido cru da palavra , porque proto-humanos , sendo pré-egóicos , não tinham capacidade para pensamento auto-reflexivo e , portanto , capacidade para ansiedade , dúvida ou desespero reais .
Assim , os mitos do Éden falam da passagem histórica do subconsciente para o autoconsciente e as consequentes culpa e ansiedade necessariamente envolvidas nesse processo . Na verdade , rastreei quatro estágios principais nessa transição : o arcaico , o mágico , o mítico e o racional . Complementamente , esses estágios permitiram-me equacionar a narrativa em concordância com os trabalhos históricos de eruditos tais como L . L . White , Jean Gebser , Erich Neumann e Julian Jaynes . O ponto final foi que , se a evolução havia conseguido mover-se da subconsciência para a autoconsciência , não havia nenhuma razão para que ela não pudesse continuar da autoconsciência para a superconsciência . E essas três fases gerais - do pré-pessoal , para o pessoal , para o transpessoal - combinavam perfeitamente com os trabalhos de Aurobindo , Berdyaev , Teilhard de Chardin e , mais importante , de Hegel . Retornei a um estado profundo e cuidadoso de Hegel e terminei mais impressionado com ele do que com qualquer outro filósofo ocidental . Recentemente , reuni todos esses estudos em um livro , Up from Eden ( Wilber , 1981 ) .
Este estudo antropológico e evolucionário ( Wilber , 1981 ) também me permitiu preencher algumas lacunas na cartografia apresentada em Spectrum . Naquele livro havia dado pouca atenção para os níveis mais baixos do ser , os níveis subumanos tais como matéria , planta , réptil e mamífero . Ao invés , havia começado a cartografia nos níveis da autocosciência ( persona , ego , centauro ) e continuado através dos níveis da superconsciência ( transpessoal , universal ) . Esses domínios continuavam válidos , mas agora podia incluir explicitamente os níveis da esfera subconsciente : matéria ( o pleroma ) , planta e animal inferior ( o uroboros ) , e mamíferos ( o tífon ) . Ao mesmo tempo , refinei minha compreensão da esfera transpessoal , subdividindo-a em quatro níveis gerais : o psíquico ( domínio dos estados transpessoais iniciais , siddhi etc . ) , o sutil ( morada dos arquétipos e da Divindade pessoal ) , o causal ( o Vazio não-manifesto ) e o supremo ( espírito , turiya , Svabhavikakaya ) . E , assim , eis um mais completo espectro da consciência ou Grande Cadeia do Ser : matéria-pleroma , réptil-uroboros , mamífero-corpo , persona , ego , centauro , psíquico , sutil , causal , supremo . Ou , na visão concisa da teologia ocidental , matéria para corpo , para mente , para alma , para espírito .
Então , o ponto central da evolução é que ela efetivamente segue a Grande Cadeia , iniciando no nível mais baixo e culminando no mais alto , exatamente como Aurobindo , Teilhard de Chardin e Hegel haviam afirmado . Retornando a The Atman Project , os problemas do desenvolvimento , que tanto haviam me confundido e pertubado , apresentavam-se agora perfitamente transparentes . Pois aquilo que chamamos crescimento , ou desenvolvimento , é a expressão , para os humanos , da evolução natural ou universal . A mesma " força " que produz seres humanos de amebas , produz adultos de crianças e os estágios de ambas as produções são essencialmente similares . Isto é , a ontogenia recapitula a cosmogonia e a filogenia , pelo menos num esquema mais abrangente .
Isto se tornou claro para mim de um modo marcante por uma frase de Piaget .
Descrevendo o período inicial da infância ( o estado de fusão neonatal ou identificação projetiva que tanto havia me confundido ) , ele afirmou que " aqui podemos dizer que o self é material " . Instantaneamente , o esquema completo tornou-se claro . Aquele estado inicial de fusão , que todos , desde Freud a Jung a Brown , haviam considerado um estado de " unidade com o mundo inteiro em amor e prazer " , nada mais é do que uma identidade com os níveis mais baixos da Grande Cadeia , em especial o nível material ( e o nível biológico via mãe ) . O bebê não é " um com o mundo inteiro " . Para começar , o bebê não é um com o mundo mental , com o mundo social , com o mundo sutil , com o mundo simbólico ou com o mundo linguístico , porque esses mundos sequer existem ou já emergiram . Os bebês não são unos com esses níveis ; eles são completamente ignorantes deles . Eles são basicamente unos , ou fundidos , com o ambiente material e a mãe biológica . Eles não conseguem distinguir o corpo físico do ambiente físico . Nesse estado primitivo de fusão não entram níveis mais elevados . ( Do mesmo modo , fui capaz de demonstrar a mesma coisa aplicada antropologicamente ao estado médio dos humanos primitivos . Eles realmente viveram em participação mística e unidade arcaica , mas era uma união de participação somente com os níveis mais baixos da Grande Cadeia - o material , o biológico e o animal ) .
Assim , é uma grande falácia referir-se a esse estado primitivo de fusão como " unidade com o mundo inteiro " , se por " mundo inteiro " entendemos nada mais do que a fusão primitiva biomaterial . Ainda mais que essa fusão primitiva simplesmente não pode ser igualada com o Self ou com a identidade do Self . Aí estava exatamente o problema com a visão transpessoal geral , que sustentava que esse estágio primitivo era uma identificação com o Self , identificação esta subsequentemente perdida no desenvolvimento e recuperada na iluminação . Pois o Self é a totalidade das estruturas psicológicas , não a estrutura psicológica mais baixa ; a totalidade ainda não se manifestou no bebê e é realmente impossível ser uno somente com um potencial ( ou , se você preferir considerar essa visão como uma metáfora , então terá que admitir que todos os níveis anteriores à iluminação também são unos com o Self de um modo inconsciente , mas aí não fará o menor sentido dizer que este estado inicial foi perdido no desenvolvimento subsequente ; de qualquer maneira , a visão é falaciosa ) .
Assim , o que é perdido no desenvolvimento subsequente é a inocência relativamente extática do estado de fusão material , subconsciente , pré-pessoal . Isto é , o bebê efetivamente rompe uma identidade , não com o Self , mas sim com o nível de ser material-urobórico . Agora , porque tanto as esferas pré-pessoal como transpessoal são , a seu modo , ambas não-pessoais , elas podem parecer idênticas à primeira vista , embora sejam totalmente diferentes , tais como a pré-escola e a universidade . Mas uma vez ocorrendo esta confusão , e porque a fusão pré-pessoal , subconsciente , é realmente perdida , ela , erroneamente , apresenta-se como uma perda da união transpessoal . Em outras palavras , a falácia pré-trans faz parecer que o desenvolvimento move-se do inconsciente transpessoal , para o consciente pessoal , para o consciente transpessoal , quando realmente ela se move do inconsciente pré-pessoal , para o pessoal , para o transpessoal . A falha em compreender esta distinção provoca exatamente o retorno em U que mencionei anteriormente : do transpessoal para o pessoal e de volta ao transpessoal , ao invés de pré-pessoal , para o pessoal , para transpessoal .
A matéria primordial ( materia prima ) dos alquimistas e gnósticos . ( N . T )
A serpente mítica que come sua própria cauda . ( N . T )
Figura mitológica , metade homem , metade serpente . ( N . T )

O Projeto Atman

Agora isto pode parecer um ponto trivial , mas era exatamente a distinção que precisava para conceituar o desenvolvimento humano mais adequadamente , conciliá-lo com a teoria evolucionária , com a Grande Cadeia do Ser , com Hegel , Aurobindo e outros .
Retornei , então , a The Atman Project e parti para os estágios estruturais de desenvolvimento - sub-auto-superconsciência - considerando a missão , os potenciais e conflitos de cada estágio de desenvolvimento . Embora Atman apresente ao todo cerca de vinte estágios/níveis , podemos usar , por conveniência , a versão mística ocidental mais simples : matéria para corpo , para mente , para alma , para espírito . O ponto é que o que denominamos desenvolvimento é um processo dinâmico de movimento hierárquico através desses estágios , de tal modo que cada estágio de consciência torna-se um nível de consciência no desenvolvimento subsequente . ( Esta é a noção de " individualidade composta " apresentada em Eden ; o indivíduo não é uma unidade isolada ; ao contrário , é composto por todos os estágios precedentes de evolução/desenvolvimento , estágios que agora fazem parte da sua individualidade composta e que expressam suas necessidades , e reproduzem suas próprias existências , por meio de trocas com os correspondentes níveis do ambiente . Em outras palavras , cada nível transcende mas inclui seus predecessores de um modo holístico , em forma de ninho : desenvolvimento que é envelopamento ) .
Tinha agora em minha mente uma imagem razoavelmente precisa das estruturas da consciência e do desenvolvimento dessas estruturas . Então , voltei-me mais uma vez para a dinâmica da consciência . À medida que comecei a rever a noção completa da dinâmica ( incluindo o que havia escrito anteriormente ) , ficou óbvio porque estava tão relutante em desistir da idéia de que o bebê existia em um estado de " totalidade perfeita " . As filosofias perenes e as tradições transpessoais unanimemente sustentam que a " dinâmica " , ou " força " da evolução e do desenvolvimento , é um impulso para realizar o potencial mais elevado de cada um - isto é , desenvolver a superconsciência ( natureza de Buda , natureza de Atman , Espírito , consciência de Deus , o termo que você preferir ) . Ao sustentar que o estado de fusão do bebê era uma forma inconsciente da unidade suprema , podia afirmar que todo o desenvolvimento subsequente era uma tentativa de recuperar a consciência de Atman , e poderia fazê-lo sem ter que invocar a noção de telos . Uma vez que a unidade suprema já existia no desenvolvimento do bebê , poderia apontar para uma condição passada , real , histórica e verdadeira , a partir da qual facilmente derivaria minha dinâmica ; não havia necessidade de telos .
Estava relutante em introduzir telos , não só porque isto significaria imediata rejeição da parte dos psicólogos ortodoxos , como também porque - mesmo sendo um psicólogo transpessoal e portanto , aos olhos dos ortodoxos , já bastante esquisito , oculto , ou suficientemente fantasmagórico - a idéia parecia bastante improvável até para mim.
Entretanto , todas as evidências apontavam inequivocamente para a noção de telos .
Em outras palavras , a dinâmica da consciência parecia não só uma pressão para afastar-se de um passado real , como também uma impulsão para realizar-se uma condição futura . A consciência não era só condicionamento , como sustentam os psicólogos ortodoxos , mas emergência criativa e esforço teleológico , nenhum dos quais pode ser explicado por teorias de reforço . Coloquemos da seguinte maneira : a teoria do condicionamento pode explicar o reforço de uma tendência após ter emergido pela primeira vez , mas não consegue explicar a própria emergência inicial . Ela pode dizer por que um comportamento se repete ou por que ocorre pela segunda vez , mas não por que ocorre pela primeira vez . Por outro lado , é na primeira aparição de um ato que está toda a novidade , toda a criatividade , toda a inovação , todo o crescimento , todo o desenvolvimento . Isto é , os aspectos mais importantes do comportamento são criativos e/ou teleológicos . Não são totalmente , nem mesmo predominantemente , circunscritos ao passado , e sim tendências criativas expressas em direção a potenciais ainda não realizados - em resumo , telos .
De qualquer modo , minhas dúvidas quanto a usar o conceito de telos desapareceram completamente após meu estudo de Hegel , Aristóteles , Aurobindo etc . Não somente telos passou a ser aceitável para mim ; comecei a entender que a rejeição de telos pela psicologia ortodoxa , bem como sua exclusiva confiança no condicionamento passado e na teoria do reforço , causou uma catástrofe intelectual de primeira magnitude , determinista , reducionalista e profundamente autocontraditória - uma teoria que não foi ( e ainda não é ) totalmente contestada . Embora tenham sido apresentadas críticas fatais a esta teoria de reforço da aprendizagem por filósofos como Whitehead , Hegel , Gregory Bateson , Hartshorne e Huston Smith , os psicólogos se mantiveram largamente ignorantes delas . A maioria dos psicólogos ortodoxos , ilusão de que são cientistas empíricos , acreditam que podem ignorar a filosofia , quando , de fato , sua " psicologia empírico-analítica " baseia-se extensivamente em sistemas de metafísica aculta e em hipóteses epistemológicas arbitrárias . No mínimo , metafísica oculta é má metafísica ( tal como motivação inconsciente é frequentemente patalógica ) . " Sou um cientista , não necessito de filosofia especulativa " é a declaração de um filósofo pragmático e logicamente positivista ; evidentemente , uma declaração bastante pobre em si mesma .
A superação da barreira do telos foi o último grande obstáculo para uma conceituação decente da dinâmica da consciência . Aceitando telos - especificamente , Atman-telos ou o impulso para realizar o Espírito - revi as motivações de , e em , cada estágio de desenvolvimento , sugerindo que eles fossem subconjuntos deste impulso último para a Unidade ( como haviam feito Whyte , Assagioli , Prigogine , Albert Szent-Gyorgyi , Fuller , Fantappie , Hegel ) . O ponto central do desenvolvimento é que o indivíduo procura a unidade em cada estágio de crescimento , mas ele ou ela deve continuamente abandonar as formas inferiores de unidade a fim de descobrir unidades mais elevadas , um processo que continua até que haja somente a Unidade . Vejamos alguns rápidos exemplos : é preciso desenvolver-se além da unidade pela comida ( fusão com o comer , a fase oral ) e da unidade pelo sexo ( união biológica , a fase fálica/edipiana ) , a fim de encontrar a unidade pela integração mental-social ( comunidade , a fase mental ) e , então , desenvolver-se além do ego-mental , a fim de atingir estágios superiores que culminam na unidade suprema ( comunhão divina em Deus somente , a fase transpessoal ) . Cada estágio é uma forma mais elevada e inclusiva de unidade e o desenvolvimento simplesmente continua até que haja somente Unidade e a alma esteja baseada naquela Fonte e Quididade que formaram o telos da sequência completa . Hegel :
[ O Absoluto ] é o processo do seu próprio vir-a-ser , o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito [ telos ] e tem seu fim no seu começo . Torna-se concreto ou real somente pelo seu desenvolvimento e através do seu fim . ( Coplestone , 1965 ) .
Note que a dinâmica geral ainda era a mesma em que havia originalmente pensado : a pulsão na direção da consciência de Atman , " o círculo que pressupõe seu fim como seu propósito . " Mas agora o objetivo não era conceituado como a recuperação de um estado infantil de fusão ( ou uma " versão amadurecida " daquele estado ) , mas , sim , como uma descoberta teleológica do estado de Atman , que é a condição suprema e o potencial radical de cada pessoa . ( É um paradoxo : Atman é , ao mesmo tempo , sua natureza presente e o resultado final do seu desenvolvimento ; é , ao mesmo tempo , o Objetivo de todos os estágios evolutivos e a realidade presente ou Essência de cada estágio ; é o mais alto grau da escala e a madeira de que toda a escada é feita . Se o Espírito fosse somente presente , você seria iluminado já ; se ele fosse somente um objetivo , não poderia ser onipresente - portanto , Ele é , ao mesmo tempo , Objetivo e Condição , " o processo de seu próprio vir-a-ser . " )
Do mesmo modo , a natureza da iluminação era como originalmente havia pensado e como todas as tradições mantêm - uma recuperação ou redescoberta de um estado anterior . Entretanto , o estado redescoberto não era o estado de fusão neonatal , que é anterior no tempo , mas o estado supremo de Atman , que é anterior em profundidade . A união com Atman é ainda uma " re-união " , mas , novamente , é uma junção não com um estado particular no tempo mas sim com aquele que é anterior ao tempo - anterior , de fato , ao tempo , espaço , self , desejo , memória , separação , mortalidade , identidade , mente , corpo e mundo . É uma " re-união " porque estamos constantemente abandonando aquele Estado Primordial ao adotar limites , self , separação , sofrimento ; e o desenvolvimento é simplesmente um retorno àquilo que já somos eternamente antes daquele abandono . Em resumo , desenvolvimento é uma tentativa de recuperar a consciência de Atman ( mas uma tentativa lenta e tortuosa , marcada por compensações , defesas , gratificações substitutas , avanços e recuo - e aí está o complicado amálgama do desenvolvimento ) .
Finalmente , observe que o desejo e o impulso para redescobrir a totalidade de Atman não tem nada a ver com o desejo de voltar ao estado neonatal de fusão ( como muitos teóricos supuseram ) . Em verdade , aquele desejo é simplesmente um impulso de regressão e auto-absorção narcisística , um puxão regressivo que deve ser superado com sucesso a fim de que possa ocorrer um maior desenvolvimento . De fato , uma falha em superar esse estado primitivo de fusão narcisística deixa-nos fixados em buscas pré-pessoais e tendências subumanas ( como relatou , por exemplo , Christopher Lasch , 1979 ) . E fixação pré-pessoal não tem absolutamente nada a ver com a verdadeira inclinação transpessoal . A última é evolucionária ou progressiva ; a primeira é involucionária ou regressiva .
Texto : Ken Wilber
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" Odisseia " Parte IV

Patologia

Esta mudança na ênfase também ajudou-me a conceituar mais adequadamente a forma do desenvolvimento propriamente dita : em cada estágio sucessivo de crescimento e desenvolvimento , o self diferencia-se desse dado estágio , transcende esse estágio para o imediatamente acima e , então , integra o inferior com o superior . Assim , cada estágio de desenvolvimento sucessivo transcende mas inclui seus predecessores . " Superar é , ao mesmo tempo , negar e preservar " , disse Hegel ( 1949 ) . Isto corresponde a dizer que , à medida que o desenvolvimento se move da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito , cada estágio mais elevado nega ( transcende ) mas preserva ( inclui ) seu predecessor numa unidade e síntese de maior ordem , e este processo continua até que haja somente Unidade . A transcendência final é a síntese final .
Entre outras coisas , com esse esquema ficou mais fácil para mim entender patologia . A descoberta central de freud foi que sintomas emocionais não são destituídos de sentido ou absurdos , como era assumido ; ao contrário , eles apresentam significado porque têm várias causas que repousam na história real do indivíduo . Assim , se o indivíduo consegue reconstruir ( lembrar-se ) esta história , então , o significado do sintoma torna-se transparente para ele ou ela e , portanto , perde seu domínio obsessivo na consciência .
em resumo; o significado de um sintoma pode ser descoberto via " causas na história " e , terapeuticamente , esse entendimento histórico ajuda a despir o sintoma de sua opacidade e poder .
Agora , " causas na história " significam realmente " eventos em desenvolvimento " . Isto é , doenças emocionais apresentam grande parte da sua etiologia em abortos no desenvolvimento - em tarefas não assumidas ou incompletas . Aspectos da experiência são excessivamente absorvidos ou excessivamente evitados e alineados . O resultado é que , à medida que níveis superiores emergem , os inferiores não são integrados e sim segregados . Ao invés de diferenciação há dissociação ; ao invés de transcendência , repressão . A dissociação e a alienação geram , na história subsequente , vários sintomas patológicos e desordens emocionais , evidências de falha na integração . Isto é , cada falha no desenvolvimento coloca em movimento uma subsequente relação de causa e efeito , um " retorno do reprimido " , e um retorno que aparece como sintomas , sonhos e projeções . Esta não é a única causa da patologia ( há , teleologicamente , uma falha para integrar os potenciais futuros e emergentes , para não mencionar o papel da neurobiologia ) , mas , certamente , é central em muitas desordens .
Por exemplo , se o desenvolvimento a partir da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito se processa mais ou menos normalmente , então , entre as idades de 1 a 2 anos , o self material inicial ( estágio 1 ) transforma-se-á no self corporal ( estágio 2 ) . Aí , por volta dos 4 a 7 anos , a mente ( estágio 3 ) começará a emergir e a diferenciar-se do corpo ( do mesmo modo que o corpo , previamente , havia se diferenciado do estado de fusão material ) . Agora , se ocorrerem repetidos acidentes graves de desenvolvimento durante esse período ( tais como traumas ou situações sem saída ) , simplesmente a mente não se diferenciará do corpo ; ela tenderá a dissociar-se do corpo . Esta dissociação mente-corpo , dependendo das circunstâncias , poderá gerar sérias repercussões . No extremo , ela produz aquilo que Laing chamou " o falso self " ; o indivíduo sente a mente como o self e o corpo como outro , uma síndrome ( de acordo com Laing , 1969 ) que está no âmago de desordens esquizóides e esquizofrênicas ( composta frequentemente por traumas múltiplos que ocorreram na transição anterior da fusão material para o self corporal ) . Em formas menos drásticas , ela está por trás de todas as várias repressões ( defesas ) descritas por Freud - as repressões do desejo e prazer corporais pelo ego/superego mental . Na sua forma mais suave , ela produz a mentalidade friamente racional , abstrata , anti-sensual e anti-emocional tão característica da típica mente ocidental ( não é de admirar que L . L White [1950] tenha chamado a separação mente-corpo de " a dissociação européia " ) .
Este entendimento também pareceu lançar luz num dos pilares do Freudianismo , o complexo de Édipo . Quando comecei a estudar esses assuntos , considerava a psicanálise em geral , e o complexo de Édipo em particular , a mais ridícula e absurda de todas as teorias psicológicas . Mas repetidamente ( muito contra minha vontade e perfeitamente ressentido do fato ) eu era levado de volta ao gênio de Freud ( pelo menos , com respeito aos níveis inferiores , uroboros , tífon , emocional-sexual , todos estágios corporais ) . Além desses níveis , não sou admirador de Freud ; neles , procurei em vão por um gênio maior .
Fui finalmente vencido pelo fato de que talvez o maior psicólogo da história ocidental acreditava que o complexo de Édipo/Electra estava no âmago da psique de cada indivíduo . Com certeza , havia pelo menos uma verdade muito importante contida na teoria de Freud , embora aparentemente bizarra à primeira vista .
Quanto mais estudava , mais aquela verdade parecia insinuar-se . Pois a essência do complexo de Édipo é que ele marca a transição dos desejos emocionais-sexuais para identificações mentais ( " identificações substituem escolhas de objetos " ) . Isto é , na sequência do desenvolvimento da matéria para o corpo , para a mente , para a alma , para o espírito , o complexo de Édipo localiza-se no ponto de transição e diferenciação do corpo para a mente . Ele marca a transição da busca de unidade através do corpo ( intercurso emocional-sexual ) para a busca de unidade através da mente ( intercurso comunicativo ) . Apresentar um " problema edipiano " significa simplesmente que esta transição falhou completamente . O indivíduo fica preso ao nível do corpo ( fixação ) ou alienado do nível do corpo ( repressão ) . Em qualquer dos casos , há uma falha para transcender e integrar o corpo ( ou impulsos emocionais-sexuais em geral ) e esses impulsos dissociados e alienados , isolados de participação na consciência , retornam agora sob formas mórbidas de sintomas , doenças , angústias . Assim , parece-me que Freud foi capaz de ver o complexo de Édipo como universal porque a transição do corpo para a mente é universal e o complexo de Édipo representa , por assim dizer , o fulcro dessa transição .
Obviamente , há outros pontos de transição além de Édipo . Na sequência da matéria para corpo , para mente , para alma , para espírito , Édipo marca a transição de corpo para mente ; a transição do self material para o self corporal ocorre antes nos estágios oral , sensório-motor e pré-edipiano . ( Isto é , a fase oral marca a transição do estado de fusão inicial , neonatal , material , para a fase do self corporal , separado , individual . Esta transição , na qual o bebê aprende a distinguir o self corporal do ambiente material em geral e da mãe pré-edipiana em particular , foi intensamente investigada por Mahler , Klein , Fairbairn e a importante escola da teoria de relações com o objetivo em geral ) . No caso das transições superiores ( mente para alma e alma para espírito ) a teoria freudiana falha totalmente ( como também a psicologia ortodoxa em geral ) . Portanto tentei esquematizar em The Atman Project as características dessas transições mais elevadas , dando especial ênfase aos paralelos com as transições oral e edipiana . Isto não significa que essas transições mais elevadas sejam " impulsos edipianos sublimados " . Ao contrário : o complexo de Édipo é uma das formas mais baixas da dinâmica transicional .
Mas todas essas transições , altas ou baixas , compartilham a mesma forma de desenvolvimento ( diferenciação , transcendência , integração ) e a mesma forma de possível mau desenvolvimento ou patologia ( dissociação , alienação , separação ) . E essas semelhanças entre níveis constituíam o que especialmente me interessava .
Uma das conclusões dessa linha de estudo foi que o mais importante e difundido complexo hoje em dia não é o complexo de Édipo - ou a dificuldade de transformação do corpo para a mente - mas aquele que podemos chamar de complexo de Apolo - uma dificuldade de transformação da mente para a alma ou de domínios pessoais , mentais , egóicos para domínios transpessoais , sutis e supra-egóicos . O complexo de Vishnu , a dificuldade de transformação da alma para espírito , ocorre em um nível tão elevado que aflinge somente meditadores avançados ( como explicarei brevemente ) .

Prática de Meditação 

A natureza desses complexos mais elevados , tais como o de Apolo  e o de Vishnu , tornou-se dolorosamente óbvia para mim através da minha própria meditação . Ao terminar de escrever No Boundary ( Wilber , 1979 ) , minha prática de meditação , embora não exatamente avançada , não estava mais na fase de um iniciante . A dor nas pernas ( devida à postura de lótus ) estava suportável e minha conscientização , aumentando na capacidade de manter uma postura alerta embora relaxada , ativa embora neutra . Mas , como dizem os budistas , minha mente era igual à um macaco : compulsivamente ativa , obsessivamente motivada . E , então , fiquei face a face com meu complexo de Apolo , a dificuldade em transcender da esfera mental para a esfera sutil . A esfera sutil ( ou a " alma " , como chamada pelos místicos cristãos ) é o início dos domínios transpessoais ; como tal , é supramental , transegóica e transverbal . Mas para atingir-se essa esfera , deve-se ( como em todas as transformações ) " morrer " para a esfera inferior ( neste caso , a mental-egóica ) . A falha ou a incapacidade de consegui-lo é o complexo de Apolo . Do mesmo modo que a pessoa com complexo de Édipo mantém-se inconscientemente ligada ao corpo e ao seu princípio de prazer , a pessoa com complexo de Apolo mantém-se inconscientemente presa à mente e ao seu princípio de realidade .
( " realidade " aqui significa " realidade institucional , racional , verbal " , a qual , embora por convenção seja suficientemente real , é , todavia , uma mera descrição da Realidade verdadeira ; se nos ativermos a ela , em última instância , isso evitará a descoberta da Realidade autêntica . )
A luta com meus pensamentos obsessivos/compulsivos - não pensamentos obsessivos particulares como na neurose específica ( o que frequentemente é indicação de uma fixação no complexo de Édipo ) , mas o próprio fluxo de pensamentos em si mesmo - foi uma árdua tarefa . ( Um excelente depoimento dessas batalhas iniciais foi prestado por Walsh , 1977 , 1978 ) . Fui afortunado em fazer algum progresso , em finalmente ser capaz de elevar as flutuações das contrações mentais e descobrir , embora de maneira incipiente , um domínio incomparavelmente mais profundo , mais real , mais saturado de ser , mais aberto à lucidez . Este domínio era simplesmente o sutil , que é descoberto , por assim dizer , após desgastar o complexo de Apolo . Neste domínio , não é que o pensamento necessariamente cessa ( embora isso aconteça muitas vezes , especialmente no início ) ; é que , quando o pensamento surge , ele não se afasta desse fundo mais abrangente de lucidez e conscientização ( vide , por exemplo , o relato cristalino de John Welwood desse " terreno transpessoal " ) . No nível sutil , não se fica mais " perdido em pensamentos " , ao contrário , pensamentos entram e saem da consciência como nuvens atravessam o céu ; com suavidade , graça e clareza . Nada gruda , nada raspa , nada atrita .
Chuang Tsé : " O homem perfeito usa sua mente como espelho . Não absorve nada ; não recusa nada ; recebe mas não retém . "
Entretanto , durante a meditação , as experiências do domínio sutil podem ser ( e usualmente são ) verdadeiramente extraordinárias , maravilhosas , profundas . Porque este é o reino dos arquétipos e da divindade arquetípica - o confronto com aquilo que é sempre numinoso , como ressaltado por Jung . Este foi um período muito real e muito intenso para mim ; foi minha primeira inequívoca experiência direta da sacralidade do mundo , este mundo que , como disse Plotino , emana do Um e representa uma expressão Dele . Anteriormente , havia tido breves e iniciais vislumbres do domínio sutil - e mesmo do causal , além dele - mas efetivamente ainda não tinha sido apresentado , ou iniciado , àquele domínio . Um mestre zen uma vez disse que a resposta apropriada ao primeiro Kensho forte ( pequeno satori ) não é rir , mas chorar , e foi exatamente isso o que fiz , por horas , me pareceu . Lágrimas de gratidão , de compaixão , de indignidade e , finalmente , de maravilhamento infinito . ( Isto não é falsa humildade ; nunca encontrei ninguém que não se sentisse indigno desse domínio . ) Gargalhadas - grandes gargalhadas - vieram depois ; neste ponto inicial seria sacrilégio .
Mais uma visão da fase " Wilber-I " , posteriormente reformulada . Por exemplo , em The Eye of Spirit ( Wilber , 1997 ) : " Neste uso , Jung é definitivamente culpado da falácia pré-trans . Simplesmente , ele não diferencia com suficiente clareza as situações pré-racionais e transracionais , e , assim , tende a elevar infantilismos pré-racionais a glórias espirituais , simplesmente porque ambos não são racionais . Este uso para " arquétipo " , porque ainda é o mais comum e o mais largamente associado ao nome de Jung , é o que mais tenho criticado . Nele , os arquétipos são encontrados nos estágios primitivos da evolução , filogenética e ontogenética . Assim , tenho assinalado que essas imagens " arquetípicas " arcaicas deveriam realmente ser chamadas de " protótipos " , porque são formas pré-racionais , mágicas e míticas e não formas sutis , transracionais e pós-pós-convencionais ( que é o modo como arquétipos são usados na Filosofia Perene , de Plotino a Garab Dorje , a Asanga e Vasubandhu ) . " ( N . T )
A seguir , em minha prática meditativa , fiz um " tour " pelo domínio sutil . Minha descrição favorita deste domínio é a de Dante e asseguro-lhes que o que ele descreve é literalmente verdadeiro .
Fixando meu olhar na Luz Eterna , vi nas profundezas ,
Embrulhadas juntas amorosamente em um pacote ,
As folhas espalhadas de todo o universo . . . Na profunda subsistência luminosa 
Daquela Excelsa Luz , vi três círculos 
De três cores , embora de uma dimensão .
E o primeiro parecia refletido no segundo 
Como o arco-íris é pelo arco-íris , e o terceiro 
Parecia fogo respirado igualmente por ambos .
Nessa época descobri os trabalhos de Kirpal Singh , que muito me ajudaram a esclarecer minhas experiências nesse domínio ( Singh , 1975 ) . Em minha opinião , Singh é o mestre insuperável dos domínios sutis , e sem a sua liderança ( mesmo que apenas por livros ) duvido seriamente de que pudesse passar tão facilmente e rapidamente por alguns desses domínios , como aparentemente fiz . O ponto central de Singh é que há nos domínios sutis uma hierarquia de iluminações audíveis cada vez mais sutis , ou " chakras " shabd , além dos chakras ( como o ajna e o sahasrara ) considerados por escolas de ioga mais antigas e menos sofisticadas como os derradeiros . Toda sua abordagem era hierárquica , desenvolvimentista e dinâmica , o que casava perfeitamente com minha própria filosofia , de modo que não tive que perder tempo para aprender ou discutir sua posição . Simplesmente a usei .
Estava , então , tendo um gosto dos níveis mais sutis , uma introdução a arquétipo , a divindade , a yidam ( o termo budista ) e ishtadeva ( o termo hinduísta ) . Sem dúvida , essas eram as mais profundas experiências por que jamais havia passado . E mais importante , pelo fato de estar bastante familiarizado ( na teoria e na prátrica ) com as experiências que podem ser produzidas por impulsos subconscientes , todas as imagens " mágicas " e " alucinatórias " descritas por Freud e outros , não fui levado pela falácia de confundir experiências superconscientes com renascimentos subconscientes . Na minha opinião , qualquer pessoa que tenha estudado cuidadosamente e intimamente esses diversos domínios reconhecerá imediatamente as profundas diferenças entre exposições pré-pessoais , subconscientes e instintivas em comparação àqueles que são transpessoais , superconscientes e arquetípicas . As escolas orientais são muito explícitas quanto às diferenças entre pranamayakosha ( exposições emotivo-sexuais ) e anandamayakosha ( intuições arquetípicas ) .
Na tradição tântrica os chakras ( centros de energia sutil ) são sete : muladhara , svadhisthana , manipura , anahata , vishuddha , ajna e sahasrara . ( N . T )
Texto : Ken Wilber
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" Odisseia " V

Os Limites da Experiência

Mas à medida que essas experiências superconscientes progrediam , comecei a entender o que elas realmente eram - meras experiências . Porque , por definição , experiência é algo que tem um começo e um fim ( estritamente temporal , estritamente relativo ) .
Quanto mais me aprofundava na natureza da experiência , tanto mais me tornava profundamente desiludido com ela . Admito que esses domínios , de um modo especial , eram mais reais que os planos material , corporal ou mental , pelo menos como os conhecia , porém o ponto era que essa exposição experiencial poderia continuar para sempre . Poderia ser apresentado a experiências cada vez mais sutis ad infinitum .
Há uma citação , penso que de Hans Sachs , segundo a qual a psicanálise termina quando o paciente compreende que ele pode durar para sempre . O mesmo tipo de compreensão , por assim dizer , começou a curar-me da fixação do nível sutil , o complexo de Vishnu .
Pois o complexo de Vishnu é precisamente a dificuldade em mover-se da alma sutil para o espírito causal . As experiências sutis são tão extasiantes , tão maravilhosas , tão profundas , tão salutares , que nunca se quer abandoná-las , nunca perdê-las ; ao contrário , deseja-se banhar para sempre em sua glória arquetípica e libertação imortal - e aí está o complexo de Vishnu . Se o complexo de Apolo é o veneno dos meditadores iniciantes , o complexo de Vishnu é o grande sedutor dos praticantes intermediários .
Mas meu treinamento Zen , meu entendimento ( embora ainda superficial ) de Krishnamurti , de Shankara e de Sri Ramana Maharsi , de São Dionísio a Eckhart - tudo me dizia que o estado supremo não era uma experiência ( um ponto que coloquei em " The Ultimate State of Consciousness " [ Wilber , 1975-1976 ] . Não era uma experiência particular entre outras experiências , mas a própria natureza e essência de todas as experiências , superiores ou inferiores . Era aquele vasto background ou Abismo ( Ruysbroeck ) de onde emanam as inúmeras realidades experienciais . Assim , em si mesma , não era absolutamente experiencial ; não tinha nada a ver com mudanças de estado , em saber isto ou aquilo , em ver isto ou aquilo , esse ou aquele sentimento , porque era anterior a tudo isso , a natureza verdadeira deste e de cada momento antes que eu possa compreendê-lo . O estado supremo é o que sou antes de ser qualquer outra coisa , é o que vejo antes de ver qualquer coisa e o que sinto antes de sentir qualquer coisa . É por isso que se diz que o Tao está além do saber ou não-saber , do certo ou errado .
Chao-Chou perguntou , " O que é o Tao ? "
Mestre Nan-chuan respondeu . " O Tao é sua consciência comum . "
" Mas como se pode viver em concordância com ele ? "
" Ao tentar concordar você já se desviou . "
" Mas sem tentar , como vou conhecer o Tao ? "
" O Tao " , disse o Mestre , " é anterior ao conhecer ou não-conhecer . Conhecer 
é falso entendimento ; não-conhecer é simples ignorância . Se você realmente 
compreende o Tao antes de duvidar , é como o céu vazio . Por que mudar o
rumo da conversa para certo e errado ? "
                                                                                             [ Citado em Watts , 1975 ]
Explica-se isto assim : o Upanishads diz que Brahman não é um entre muitos , mas um sem um segundo ; não um objeto particular , mas a realidade de todos os objetos . E mesmo assim , estava tentando captar o Todo como uma experiência particular - por certo uma  Grande Experiência , mas , de qualquer modo , uma experiência - e era exatamente isso que não permitia a descoberta ( porque uma experiência é um saber ou não-saber e não algo que precede a ambos ) . Por isso o Zen chama todas as experiências superiores por um nome pejorativo : makyo ou " ilusões sutis " . E de acordo com o Zen , muitas outras tradições confundem makyo com o estado supremo , simplesmente porque essas extraordinárias experiências são , na verdade , mais reais do que os estados comuns .
Todavia , todas as experiências , superiores ou inferiores , ficam aquém da consciência não-dual e , assim , cedo ou tarde , devem ser superadas .
O ponto é que todas as experiências , sagradas ou profanas , superiores ou inferiores , baseiam-se na dualidade entre sujeito e objeto , observador e observado , experienciador e experienciado . Mesmo na esfera da alma , incomparavelmente mais real do que os níveis inferiores da matéria , corpo e mente , trata-se meramente de um sujeito mais sutil e de um objeto mais extraordinário . A testemunha desses estados divinos ainda se mantém intacta . Entretanto , o despertar verdadeiro é a dissolução da própria testemunha e não uma mudança de estado naquilo que é testemunhado .
Por isso é que sempre se afirmou que formas de indagação do tipo " Quem sou eu ? " , " Quem canta o nome de Buda ? " , " Quem deseja libertação ? " são o caminho básico , talvez o único caminho , além da testemunha ( e do complexo de Vishnu ) . Não " Eu devo sempre estar consciente da minha respiração . " mas sim " Quem deve ? " . Não " Eu captei o sentido do Koan . " , e sim " Quem captou ? " . O efeito dessas perguntas é libertar a atenção das telas objetivas da consciência e excitar a consciência em si mesma . Mais precisamente , esse tipo de indagação faz com que a atenção se volte para a própria atenção , para a verdadeira natureza da atenção , e sua natureza é de sutil contração ou resistência . Qualquer atenção é exclusiva , porque ela se liga nisso e ignora aquilo . Em outra palavras , é dualística , e isso inclui a " atenção passiva " e qualquer outra conscientização sutilmente motivada . Todas são meras contrações subjetivas no Campo da Consciência . Mas com esse tipo de pergunta , esta contração subjetiva que é atenção torna-se o objeto da atenção . Isto é , o sujeito transforma-se no objeto de modo que a fronteira entre eles é rompida e ambos desaparecem como entidades exclusivas e separadas . Então , resta apenas a consciência inicial , radiante , imanente , desobstruída , que não é nem subjetiva nem objetiva , simplesmente total .
A primeira vez que isto se tornou óbvio para mim , embora de um modo fugaz , foi em um sesshin ou retiro Zen intensivo . No quarto dia apareceu , por assim dizer , o estado da testemunha , a testemunha transpessoal que , de maneira firme , calma e clara , testemunha todos os eventos emergentes , momento a momento . Mesmo sonhando , meramente se testemunha : pode-se ver o sonho começar , prosseguir e terminar ( o que Charles Tart chamou de " sonhos translúcidos " ) . Entretanto , Roshi ficou totalmente impassível diante de todo aquele " makyo " . " A testemunha " , disse ele , " é a derradeira cidadela do ego . 
Nesse ponto , a postura da testemunha desapareceu completamente . Não havia nenhum sujeito em nenhuma parte do universo ; não havia nenhum objeto em nenhuma parte do universo ; havia apenas o universo . Tudo estava surgindo momento a momento e estava surgindo em mim e como eu ; por outro lado , não havia nenhum eu . É muito importante compreender que esse estado não foi uma perda das faculdades , mas uma amplificação delas ; não foi um transe vazio e sim perfeita claridade ; não despersonalizado mas transpersonalizado . Nenhuma das faculdades pessoais - linguagem , lógica , conceitos , habilidades motoras - foi perdida ou enfraqueceu-se . Ao contrário , pela primeira vez pareceu-me que todas elas funcionavam em radical abertura , livres das defesas impostas pela sensação de um self separado . Esse estado radicalmente aberto , indefeso e perfeitamente não-dual foi , ao mesmo tempo , incrível e profundamente comum , tão extraordinariamente comum que nem mesmo foi notado . Não havia ninguém lá para compreendê-lo até que eu saísse dele ( acho que cerca de três horas depois ) .
Em outras palavras , enquanto naquele estado , que não era absolutamente nenhuma experiência , havia somente aquele estado , que era a totalidade de tudo surgindo momento a momento . Eu não observava ou experienciava nada , simplesmente era tudo .
Não podia ver , porque era tudo visto ; não podia ouvir , porque era tudo ouvido ; não podia saber porque era tudo sabido . Daí porque ele é , ao mesmo tempo , o grande mistério e o perfeitamente óbvio . Mas foi somente quando de que estava naquele estado que realmente não estava mais nele . O seu reconhecimento ou experiência é muito , muito menos que o estado em si mesma . Para experienciar aquele estado livre que me separar dele ( isto é , destruí-lo ) .
Daí em diante , tornei-me profundamente desconfiado dos transpersonalistas que falam dos estados superiores como " realidades experienciais " , apesar de ter feito o mesmo em Spectrum . Também vi a perfeita inadequalibilidade do paradigma de " estados alterados " , extremamente útil em outros casos , para tratar do derradeiro domínio espiritual , porque esse domínio , esse " não-domínio " , é , em verdade , o que todos os estados têm em comum , e o que todos os estados têm em comum não é , em si mesmo , outro estado , do mesmo modo que o alfabeto não é outra letra .
Mas todo esse período , percorrendo os domínios sutis , lutando com o complexo de Vishnu e penetrando no Dharmakaya - embora de maneira parcial , inicial e incompleta - proporcionou-me , pelo menos , uma introdução em primeira mão , razoavelmente sólida , às várias esferas mais elevadas da consciência . Com essa experiência , fui capaz , com maior facilidade , de retornar à literatura das tradições transpessoais e desenvolver uma classificação bastante exaustiva dos vários domínios superiores , muito frequentemente condensados e chamados de " transpessoais " , " transcendentes " ou " místicos " . Como mencionei anteriormente , foi aí que subdividi o domínio transpessoal em pelo menos quatro ou cinco níveis baseados em análises estruturais . Com essas subdivisões do espectro , além daquelas provenientes de Eden , finalmente senti que chegara a uma cartografia mais completa da consciência , uma que , longe de ser perfeita e , ocasionalmente , ainda escorregadia , pelo menos tinha o mérito da abrangência . Os refinamentos poderiam vir ao longo dos anos ; por enquanto , essa cartografia foi apresentada em The Atman Project , com extensas tabelas de referência mostrando como as principais psicologias orientais e ocidentais se encaixavam nela .
No Budismo Mahayana , é o último domínio ( causal ) antes da transcendência final . Para maiores detalhes vide The Atman Project . ( N . T )

Um Modelo de Meditação

Este período também ajudou-me a montar um modelo experimental da natureza e função da meditação , um modelo baseado tanto na prática pessoal quanto no estado teórico . A maioria dos modelos ocidentais de meditação cai em um de dois campos : a escola fisiológica/neurológica/padrões-cerebrais e a escola cognitiva/psicológica . A primeira vê a meditação como redução sensorial , lateralização hemisférica , uma resposta ao relaxamento , variáveis ergotrópicas/trofotrópicas , padrão cerebral alterado ou metabolismo reduzido . A segunda vê a meditação como uma dessensibilização super-Wolpiana , regressão a serviço do ego , desautomatização , alteração cognitiva ou estratégia de auto-regulação .
Acho que cada uma dessas teorias tem o seu mérito , mas o que todas tendem a não considerar é precisamente , para mim , o âmago , a própria essência da meditação .
Consideremos qualquer importante sistema de meditação : os detalhados estágios dhyana/prajna de Buda ; os oito passos dos Yoga Sutras de Patanjali ; a contemplação Taoísta hierárquica de Lao Tsé ; o abrangente sistema de meditação Zen representado pelos estágios do pastoreio do boi ; o curso multinível de contemplatio de Hugo de São Victor ; os estágios específicos ensinados por Santa Tereza d' Ávila e São João da Cruz ; a tradição completa da ioga kundalini/tântrica . O que todos têm em comum é uma visão da meditação , não como uma resposta ao relaxamento , ou uma privação sensorial , ou uma estratégia de auto-regulação , mas sim como um desenrolar hierárquico de sucessivas estruturas superiores de consciência . Para ser preciso , eles a vêem como um processo de desenvolvimento , composto de estágios especificáveis , de tal modo que cada estágio engloba uma estrutura distinta de consciência .
( Anteriormente , mencionei que havia pelo menos cinco dessas estruturas ou níveis mais elevados , porém muitas cartografias tradicionais contêm até vinte e cinco estágios/níveis de consciência meditativa ) . Desde os estágios dhyana/prajna de Buda até os estágios de sublimação dos chakras do kundalini , o ponto central é que são estágios de desenvolvimento . Em verdade , esses tradicionalistas não foram somente os primeiros estruturalistas ; foram também os primeiros verdadeiros psicólogos do desenvolvimento .
Minha opinião é que na presa de fazer uma ponte entre as psicologias ocidental e oriental , olhamos absolutamente para tudo , exceto para a psicologia desenvolvimentista/estrutural . Assim , uma vez que a essência das tradições orientais é uma visão fenomenológico/desenvolvimentista/estrutural dos domínios superconscientes e que a psicologia ocidental possui uma bem detalhada visão subconsciente , a ponte mais imediata e indolor seria simplesmente adicioná-las , exatamente como são . Bem , de qualquer modo , esta foi a abordagem que segui em The Atman Project .
A necessidade para esta abordagem multidimencional torna-se completamente óbvia quando compreendemos que não existem somente vários níveis de consciência meditativa , mas também diversos caminhos diferentes para atngir-se cada nível . Isto porque todos os níveis mais elevados de consciência possuem diferentes componentes ou dimensões ( que em breve chamarei de " estruturas superficiais " ) , do mesmo modo que suas contrapartes mais baixas - componentes tais como motivação , cognição , identidade , afeição e despertar . Então , como sugerido por Tart , diferentes práticas meditativas podem atingir diferentes dimensões ou componentes . Por exemplo , a Ioga Kundalini atinge o nível sutil-superior via exercícios hiperintensivos e técnicas de despertar do afeto , enquanto a Meditação Transcendental aproxima o mesmo nível através de relaxamento profundo , mas alerta , e da sublimação do pensamento . O ponto é esse , mesmo que você assuma que há somente cinco níveis superiores com quatro componentes cada , você já tem vinte abordagens meditativas com diferenças significativas , um fato que torna ridícula tais ingenuidades como " meditação é uma resposta ao relaxamento . "
Na famosa sequência de pinturas zen-budista conhecida como " A série do pastoreiro do boi " encontramos um exemplo clássico da cronologia dos estágios espirituais . Na primeira das suas dez imagens ( às vezes , há doze ) vemos uma pessoa que busca ansiosamente por um boi , símbolo da sua alma ou natureza primordial . Mas , infelizmente , ela não sabe onde encontrá-lo . Nas outras pinturas , ela avista o rastro do boi e começa a procurá-lo nas montanhas e nas planícies deste mundo . Finalmente , vê o boi e , após uma luta , o domestica . Na etapa seguinte , tanto o boi quanto a pessoa que o buscava deitam-se juntos , em harmonia , debaixo de um salgueiro , e no quadro seguinte , ambos desaparecem em um momento de morte do ego e rompem em direção a domínios mais elevados da consciência . No último estágio , a pessoa que buscava é ressucitada e retorna para a feira livre do mundo , onde ajuda outras pessoas a encontrarem o seu próprio caminho espiritual . " ( Transcrito do livro Os Cinco Estágios da Alma de Harry R . Moody e David Carrol ) ( N . T ) 
Todavia , é importante ressaltar que , subjacente a esses complexos conjuntos de dados ( " vinte diferentes técnicas de meditação " ) , existe um padrão essencialmente simples .
Isto tornou-se especialmente aparente para mim com Eden , porque lá se apresentou uma imensa quantidade de dados interculturais que , aparentemente , desafiavam qualquer simplificação . Modificando consideravelmente o significado de alguns termos da linguística transformacional , comecei , simplesmente , a diferenciar estruturas profundas e estruturas superficiais . Como usado em Atman e Eden , a estrutura profunda é a forma definidora de um dado nível de consciência , enquanto a estrutura superficial é qualquer variável ou componente daquele nível .
Por exemplo , Piaget mostrou que o desenvolvimento cognitivo se dá através de quatro estágios/níveis  básicos : sensório-motor , pré-operacional , operacional concreto e operacional formal . Cada um deles é uma estrutura profunda , um conjunto especificável de operações que , holisticamente , governa as atividades de cognição do respectivo nível . Entretanto , a estrutura profunda não especifica , e não pode , o conteúdo de um pensamento particular do nível . Esses particulares são estruturas superficiais . Assim , as estruturas superficiais são restringidas pela forma da estrutura profunda , porém , no interior desse limite , elas são variáveis ( exceto , obviamente , na medida em que forem condicionadas por outras estruturas superficiais : os pensamentos que tive ontem afetam e condicionam os pensamentos que tenho hoje , mas ambos são igualmente restringidos pela estrutura profunda do meu nível de desenvolvimento presente ) .
Sem repetir toda a argumentação , o ponto é que este tipo de análise estrutural permite-nos traçar um número discreto de superfícies profundas subjacentes a variados fenômenos superficiais , e isto simplifica em muito o quadro não só da meditação , como também do desenvolvimento da consciência como um todo . O que fazemos em pesquisa da meditação ( ou pesquisa da consciência em geral ) é olhar para conjuntos de dados , ou grupos de fenômenos específicos , que , embora aparentemente diferentes , são , na realidade , estruturas superficiais compartilhando uma mesma estrutura profunda .
Definimos as várias estruturas profundas especificando sua forma holística e/ou padrões operativos . A seguir , arrumamos hierarquicamente as estruturas profundas de acordo com uma das três regras gerais : ( 1 ) acesso - uma estrutura mais elevada tem acesso total a uma mais baixa , mas não vice-versa ; ( 2 ) desenvolvimento - quanto mais elevado o estado , mais tarde ele tende a emergir numa sequência de desenvolvimento ( isto é verdadeiro em todas as tendências evolucionárias , plantas após pedras , animais após plantas , humanos após animais , e assim por diante ) ; ( 3 ) caixa chinesa - um estado mais elevado contém todas as funções ou capacidades de um mais baixo , mas não vice-versa ( por exemplo , uma planta contém minerais , porém minerais não contém plantas ) , e o estado superior possui capacidades não disponíveis no mais baixo . Uma vez estabelecida essa hierarquia , ela pode ser apresentada de duas maneiras básicas , como ressaltado por Schumacher ( 1977 ) : se o estado mais baixo é A , o próximo é A+B , o seguinte A+B+C e assim por diante ; se o estado mais elevado é A o seguinte mais baixo é A-B , o seguinte A-B-C e assim por diante . Em ambos os casos , simplesmente especifica-se detalhadamente os parâmetros de A , B , C . . .
Esta foi a abordagem utilizada tanto em Eden como em Atman . Ela ajudou-me a entender que técnicas de meditação bem diversas podem conduzir ao mesmo nível básico dos domínios superconscientes ; ou que , por exemplo , o yidam do Budismo , o ishtadeva do Hinduísmo e o arcanjo do Cristianismo , embora com formas exteriores muito diferentes , compartilham , na verdade , da mesma estrutura profunda básica ( aquela do domínio sutil superior ) ; ou que sábios místicos como Cristo , Krishna e Buda descobriram o mesmo domínio causal-espiritual mas o expressaram através de diferentes estruturas superficiais ( o que atrasou a compreensão de que há , nas palavras de Schuon , " uma unidade transcendente das religiões " - não unidade de estrutura exotérica/superficial , mas unidade de estrutura esotérica/profunda ) .
Tudo isso , finalmente , levou a uma sugestão que me parece absolutamente fundamental : na minha opinião , estruturas superficiais são aprendidas , condicionadas , historicamente contigenciadas e culturalmente relativizadas , enquanto estruturas profundas , uma vez emersas , são interculturais , universais e largamente invariantes . Para dar um exemplo simples , a estrutura profunda do corpo humano é a mesma em qualquer lugar : duzentos e seis ossos , duas pernas , um coração , dois rins etc . , mas o que se faz com o corpo - suas estruturas superficiais de trabalho , lazer , atividades aceitáveis etc . - é moldado e condicionado culturalmente . Você não aprende a ter um corpo , mas você aprende a jogar beisebol com ele - estruturas profundas são dadas , estruturas superficiais são condicionadas .
Assim , a força do estruturalismo está em apontar as estruturas profundas ou níveis básicos da consciência que são largamente interindividuais , interculturais e invariantes .
Entretanto , o estruturalismo clássico tem muito pouco a nos dizer sobre as estruturas superficiais . Portanto , é necessário suplementar a psicologia das estruturas profundas com disciplinas das estruturas superficiais , disciplinas que tratam do condicionamento histórico real e da moldagem daqueles componentes psicológicos que são variáveis e contingenciáveis . A eese respeito , teorias de reforço mostram-se de excelente utilidade , do mesmo modo que a teoria sistêmica e o funcionalismo . Outra é a hermenêutica ou ciência da interpretação . A hermenêutica é profundamente importante porque o significado das estruturas psicológicas superficiais não pode ser determinado empiricamente ; significado , como definido por Husserl , é intenção e interpretação mentais e nenhum teste empírico-sensorial irá esclarecê-lo ( por exemplo , dê-me uma prova empírico-científica do significado da produção mental chamada Hamlet ) . E mais , estruturas superficiais sempre existem em contextos históricos específicos ; assim , como a hermenêutica salienta a importância de compreender-se os contextos históricos a fim de determinar-se significados particulares , ela é idealmente apropriada para a pesquisa das estruturas superficiais .
Sobre religião exotérica e religião esotérica , vide , por exemplo , Grace and Gril ( Wilber 1991 ) : " A religião exotérica ou " exterior " é religião mítica , religião que é terrivelmente concreta e literal , que realmente acredita por exemplo , que Moisés abriu o Mar Vermelho , que Cristo nasceu de uma virgem , que o mundo foi criado em seis dias , que , um dia , literalmente choveu maná do céu , e assim por diante .
Em todo o mundo , religiões exotéricas consistem desses tipos de crenças . Os hindus acreditam que a Terra deve estar apoiada em algo ; assim , crêem encontrar-se sobre um elefante que , também necessitando de suporte , está sobre uma tartaruga ; esta , por sua vez , encontra-se sobre uma serpente . E quando surge a pergunta " Em que a serpente está apoiada ? " , a resposta dada é " Mudemos de assunto " . Lao Tsé nasceu com novecentos anos , Krishna acasalou-se com quatro mil vacas , Brahma nasceu da quebra de um ovo cósmico etc . Isto é religião exotérica , uma série de estruturas de crenças que tentam explicar os mistérios do mundo em termos míticos ao invés de termos testemunhais ou de experiência direta . . . A religião esotérica não pede que você acredite em nada na base da fé ou que engula obedientemente qualquer dogma . Ao contrário , a religião esotérica é um conjunto de experimentos pessoais conduzidos cientificamente no laboratório da sua própria consciência . Como toda boa ciência é baseada na experiência direta , não em simples crenças ou desejos , e pode ser verificada e validada por outras pessoas que também tenham executado o experimento . O experimento é a meditação . " ( N . T )
Desse modo , minha abordagem global foi usar a psicologia fenomenológico-desenvolvimentista e o estruturalismo para determinar as estruturas profundas da consciência , e a teoria sistêmica/funcionalismo , além da hermenêutica histórica , para elucidar as estruturas superficiais . Em minha opinião , o ponto é que a mesma abordagem básica se aplica ao estudo da meditação , porque meditação é , simplesmente , desenvolvimento de níveis superiores .
Essa abordagem para a meditação , além de produzir seus próprios resultados positivos , alivia-nos de diversos juízos falsos . Refiro-me especialmente a duas predominantes e difundidas estratégias de pesquisa . Uma é a busca de " mecanismo que produzem os efeitos da meditação " e a outra é a busca de " correlações fisiológicas específicas dos estados meditativos " . Com certeza , essas são noções importantes , mas se consideradas isoladamente , têm como efeito a depreciação da validade fenomenológica dos estados de meditação em si . De fato , em muitos casos , o uso de abordagens como a da correlação fisiológica tem como consequência invalidar o desenvolvimento meditativo em si mesmo ( um prelúdio para a conclusão , " Bem , vocês sabem , esses estados místicos são simples padrões cerebrais anormais ; eles não são realmente transpessoais - são apenas alterações no sistema nervoso do indivíduo . " )
Quando Piaget descobriu que as pessoas passam por uma importante transformação cognitiva , do pensamento pré-operacional para o operacional concreto , não houve grande exigência para buscar evidências de uma igualmente drástica mudança na fisiologia cerebral . Quando Kohlberg descobriu seis grandes estágios de desenvolvimento moral , ninguém gritou por " um mecanismo que produzisse tais efeitos . " A razão é que tais transformações podem ser demonstradas - e provadas - pelas ciências desenvolvimentistas , fenomenológicas , estruturais e interpretativas ( foi precisamente isso que Piaget e Kohlberg fizeram ) . O mesmo deve ser aplicado a meditação e transcendência . Estudos fisiológicos , mecanismos , reforços comportamentais e ondas cerebrais podem assumir importantes papéis , embora secundários e subsidiários . Por outro lado , aqueles transpersonalistas que exegeticamente abraçam os paradigmas da psicologia personalista ( auto-regulação comportamental , fisiologia mecanicista ) numa tentativa de serem aceitos por seus pares ortodoxos , simplesmente correm o risco de não só violar a fenomenologia do seu próprio campo ao reduzi-la a dimensões personalistas , como também de induzir a psicologia ortodoxa a pensar que as preocupações transpessoais podem ser absorvidas ( e portanto dispensadas ) pelos seus próprios paradigmas personalistas . Isto já aconteceu com as abordagens fisiológicas e as abordagens de alteração de comportamento ; se esta tendência continuar , em breve teremos uma ridícula psicologia transpessoal pessoal .
Naturalmente , meu sentimento é que a psicologia transpessoal negará e preservará a psicologia personalista ; aqueles que somente negarem ou somente preservarem , terão muito pouco a oferecer .
Minha peregrinação pelos domínios moral , intelectual e contemplativo continua . Quanto a meus escritos , se irão mostrar-se úteis a outras pessoas ou meras tagarelice subjetiva , pelo menos têm dado à minha vida um significado , um contexto , uma direção , uma sanção . Continuo a trabalhar , a estudar , a escrever , a contemplar ; em resumo , continuo o caminho , o " processo que admite seu fim no seu começo " . Costumava pensar que se adota um caminho exclusivamente para atingir-se um objetivo . Aprendi algo melhor : o verdadeiro caminho é , em si mesmo , o objetivo supremo . Como o Dogen Zenji se referiu ao estado supremo : " Não resta nenhum vestígio de iluminação , e essa iluminação sem vestígio continua para sempre . " Assim , todos nós ainda somos , e sempre seremos , os peregrinos .
Texto : Ken Wilber 
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