domingo, 11 de setembro de 2011

" Passeio Socrático "

Ao viajar pelo Oriente , mantive contatos com monges do Tibete , da Mongólia , do Japão e da China . Eram homens serenos , comedidos , recolhidos em paz nos seus mantos cor de açafrão .
Outro dia , eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo : a sala de espera cheia de executivos dependurados em telefones celulares ; mostravam-se preocupados , ansiosos e , na lanchonete , comiam mais do que deviam . Com certeza , já haviam tomado café da manhã em casa , mas como a companhia aérea oferecia um outro café , muitos demonstravam um apetite voraz .
Aquilo me fez refletir : Qual dos dois modelos produz felicidade ? O dos monges ou o dos executivos ?
Encontrei Daniela , 10 anos , no elevador , às nove da manhã , e perguntei : " Não foi à aula ? " Ela respondeu : " Não ; minha aula é à tarde " . Comemorei : " Que bom , então de manhã você pode brincar , dormir um pouco mais " . " Não " , ela retrucou , " tenho tanta coisa de manhã . . . " " Que tanta coisa ? " , indaguei . " Aulas de inglês , balé , pintura , piscina " , e começou a elencar seu programa de garota robotizada . Fiquei pensando : " Que pena , a Daniela não disse : ' Tenho aula de meditação ! ' "
A sociedade na qual vivemos constrói super-homens e supermulheres , totalmente equipados , mas muitos são emocionalmente infantilizados . Por isso as empresas consideram que , agora , mais importante que o QI ( Quociente intelectual ) , é a IE ( Inteligência Emocional ) . Não adianta ser um super executivo se não se consegue se relacionar com as pessoas . Ora , como seria importante os currículos escolares incluírem aulas de meditação ! Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha , em 1960 , seis livrarias e uma academia de ginástica ; hoje , tem sessenta academias de ginástica e três livrarias ! Não tenho nada contra malhar o corpo , mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito .
Acho ótimo , vamos todos morrer esbeltos : " Como estava o defunto ? " . " Olha , uma maravilha , não tinha uma celulite ! " Mas como fica a questão da subjetividade ? Da espiritualidade ? Da ociosidade amorosa ? Outrora , falava-se em realidade : análise da realidade , inserir-se na realidade , conhecer a realidade . Hoje , a palavra é virtualidade . Tudo é virtual . Pode-se fazer sexo virtual pela internet : não se pega aids , não há envolvimento emocional , controla-se no mouse . Trancado em seu quarto , em Brasília , um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio , sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra ! Tudo é virtual , entramos na virtualidade de todos os valores , não há compromisso com o real ! É muito grave esse processo de abstração da linguagem , de sentimentos : somos místicos virtuais , religiosos virtuais , cidadãos virtuais . Enquanto isso , a realidade vai por outro lado , pois somos também eticamente virtuais . . .
A cultura começa onde a natureza termina . Cultura é o refinamento do espírito .
Televisão , no Brasil - com raras e honrosas exceções - , é um problema : a cada semana que passa , temos a sensação de que ficamos um pouco menos cultos .
A palavra hoje é ' entretenimento ' ; domingo , então , é o dia nacional da imbecilidade coletiva . Imbecil o apresentador , imbecil quem vai lá e se apresenta no palco , imbecil quem perde a tarde diante da tela . Como a publicidade não consegue vender felicidade , passa a ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres : " Se tomar este refrigerante , vestir este tênis , usar esta camisa , comprar este carro , você chega lá ! " O problema é que , em geral , não se chega ! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo , que acaba precisando de um analista . Ou de remédios . Quem resiste , aumenta a neurose .
Os psicanalistas tentam descobrir o que fazer com o desejo dos seus pacientes . Colocá-los onde ? Eu , que não sou da área , posso me dar o direito de apresentar uma sugestão . Acho que só há uma saída : virar o desejo para dentro . Porque , para fora , ele não tem aonde ir ! O grande desafio é virar o desejo para dentro , gostar de si mesmo , começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globocolonizador , neoliberal , consumista .
Assim ,  pode-se viver melhor . Aliás , para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis : amizades , auto-estima , ausência de estresse .
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno . Se alguém vai à Europa e visita uma pequena cidade onde há uma catedral , deve procurar saber a história daquela cidade - a catedral é o sinal de que ela tem história . Na Idade Média , as cidades adquiriam status construindo uma catedral ; hoje , no Brasil , constrói-se um shopping center . É curioso : a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas ; neles não se pode ir de qualquer maneira , é preciso vestir roupa de missa de domingos .
E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca : não há mendigos , crianças de rua , sujeira pelas calçadas . . . Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno , aquela musiquinha de esperar dentista . Observam-se os vários nichos , todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo , acolitados por belas sacerdotisas .
Quem pode comprar à vista , sente-se no reino dos céus . Se deve passar cheque pré-datado , pagar a crédito , entrar no cheque especial , sente-se no purgatório . Mas se não pode comprar , certamente vai se sentir no inferno . . .
Felizmente , terminam todos na eucaristia pós-moderna , irmanados na mesma mesa , com o mesmo suco e o mesmo hambúrguer de uma cadeia transnacional de sanduíches saturados de gordura . . . Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das lojas : " Estou apenas fazendo um passeio socrático , " Diante de seus olhares espantados , explico : " Sócrates , filósofo grego , que morreu no ano 399 antes de Cristo , também gostava de descansar a cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas . Quando vendedores como vocês o assediavam , ele respondia : " Estou apenas observando quanta coisa existe de que não preciso para ser feliz . "
Texto : Carlos Alberto Libânio Chisto
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