domingo, 2 de novembro de 2014

" A DOMA DO TOURO "

Os Dez Quadros de Iluminação Através do Zen

11- Caminhos da Iluminação 

Há inúmeras formas ou meios de tornar-se Iluminado e assim ver simultaneamente extinguir-se a ignorância , raiz de toda experiência vital dos Universos e do sentimento de separatividade , que individualiza e egocentriza as forma viventes .
Vencer a dualidade é atingir a transcendência , é conscientizar-se da unidade da Vida , é integrar-se no Todo , sabendo com todas as partes do ser , que é o co-participante e herdeiro da Luz Inata .
Não há padrões mágicos para atingir-se tal estado de consciência . A Medicina proclama que não há propriamente doenças , mas doentes . Também os Mestres julgam que cada ser humano é um mundo particular , um centro do Universo . E daí se infere a validade do axioma hermético : " O centro está em toda a parte e a circunferência em nenhures " .
Por ser o exclusivo centro de sua intransferível Iluminação , cada um deve auscultar suas próprias aspirações , seus ideais , suas possibilidades e capacidades reais a fim de que o caminho escolhido seja verdadeira e seguramente o seu .
Por mais maravilhosa que seja a Trilha seguida por um Iluminado , ela lhe pertence tão completamente , que não poderá jamais ofertar ou compartilhá-la com outrem , mesmo com o discípulo mais amado .
É por esse motivo que se ensina ser o genuíno guia o apontador do Caminho , o alento nos momentos de crise , o incentivador de seu aluno . O modelo , o é somente como alguém capaz de perscrutar , a fundo , a alma do discípulo , avaliar suas legítimas potencialidades na ocasião , vigiar seus desfalecimentos , dissipar suas dúvidas . Não é um programador de robôs , nem o estêncil do qual o mimeógrafo extrai " n " cópias idênticas xeroquizadas .
A atuação do mentor , por mais direta que pareça aos olhos do discípulo , é sempre a de uma mãe que coloca suas mãos ao redor do corpo do filhinho , mas o deixa aprender a caminhar apoiado unicamente em suas frágeis e bamboleantes perninhas .
Um ato natural deve ser desempenhado naturalmente por quem o deve efetuar sem ajuda O apoio fictício é necessário , muitas vezes , para que o pequenino se sinta seguro , amparado pelas mãos capazes de prever e evitar a queda inibidora de novas experiências . Essas lhe pertencem , são o privilégio e a herança da raça , devem ser realizadas na hora oportuna ; exatamente como o eclodir da Iluminação .
Há uma gravura antiga muito expressiva , que exemplifica visualmente o presente postulado . Representa uma alta montanha , cujo topo resplandece de Luz branca e ofuscante . Há várias trilhas e atalhos contornando-a e ligando algumas partes do trajeto até um determinado ponto já bem próximo do cume . Até aí , os caminhantes realizam a escalada em trilhas diversificadas , representativas dos ensinamentos das diferentes doutrinas praticadas no Planeta . Ao atingir o citado ponto , há uma convergência de todos os atalhos e um só caminho leva os que o atingiram , ao cimo iluminado , como se fossem afluentes provindos de lugares diversos para desaguar em um mesmo rio .
É a tomada integral da Luz que faz com que os praticantes de todos os sistemas e cultos demonstrem uma identidade completa ao impregnar-se do sentido profundo e divino de sua fé agora lúcida , despida de personalismo egoísta , de vanglória , de sentimentos de superioridade e de elitismo . É ela , é a fé que lhes permite compreender que a beleza , a harmonia , a perfeição , a Luz são o denominador comum a unir todas as religiões dignas de assim serem chamadas por provocarem a união , o religamento à Fonte Original universalizada e divina .
A coexistência pacífica , o ecumenismo leal , a aceitação plena da diversidade na Unidade fazem de um Buddha , um Cristo-Jesus , um Maomé , um Ramakrishna , um Inayat Khan , um Francisco de Assis , um Tomás Merton , um Mestre Eckart , um D. Suzuki um vero Enviado Divino , aquele que vem trazer a Verdade , acender a Luz em si mesmo e irradiá-la para todos os Homens , naqueles que podem ostentar , em sua humildade modesta e sincera , honesta e genuína o H maiúsculo antes do nome indicador de sua condição existencial cósmico-terrestre .
Cristãos comungando a hóstia-pão e meditantes unificados com a Consciência Cósmica durante a Meditação se equivalem em termos de fé e realização espiritual . A diferença é marcada pela capacidade individual de poder ou não desligar-se de intermediário e de rito tangível entre a própria pessoa e a Luz , o que se liga a uma série de circunstâncias kármicas , ao grau de evolução conquistado através de inúmeros renascimentos , ao meio familiar e social , a predisposição inatas , ao desejo de apoio inter-humano , ao temor de heresia e até à preguiça mental .
Todos os sistemas religiosos admitem a possibilidade devocional da entrega do ser ao Mestre ( Bhakti Yoga ) como um encontro unificador com a Base Divina , precursor do estado máximo da consciência em que o Princípio Divino é procurado e achado interiormente . Os ensinamentos da Terra Pura contém , ao lado dos preceitos iluminatórios de Buddha , a crença no encontro da libertação por meio da recitação do mantra Amida Butsu .
Baseiam-se os seguidores de tal seita no cumprimento de uma promessa formal de um Dhyani Buda ( Jina ) que jurou só atingir a Perfeição Suprema depois de libertar consigo todos os seres que O evocassem . Como naturalmente é Perfeito , sua promessa deve continuar válida .
Óbvio é , entretanto , que nosso estudo se relaciona inteiramente com o despertar da intuição discriminadora ( conhecimento intrínseco da realidade última - Jñana ) através da qual se pode transferir o centro de gravidade do mundo manifestado para o próprio coração do homem .
É o apontar direto para sua natureza intima , para o centro onde a tomada da Luz implica uma visão realística final do relacionamento homem-Cosmos , uma nova ideia do que seja participar do poder de manifestação e um desfazer-se da confusão reinante entre tal poder e a Base Imutável .
Apesar de o calcar sobre os comentários relativos à conquista do Touro , nosso ensaio visa a realçar o ponto comum e inseparável de todas as doutrinas ocultas tão difundidas no início da Era de Aquário : a ênfase sobre a revelação da Luz Interior .
Atingir , viver , saber e ser Gota no Oceano da Luz ( conhecer-se como Imanência Divina ) , com plena certeza de que há o Oceano a considerar em sua Totalidade Transcendental , é ser Iluminado de sua própria Luz e captador da Luz Cósmica Única .


12- A Unidade no Diverso    

" Só Shiva é Guru " . " Todos os seres viventes são aptos para a kulachara " .
Que palavras´chave de extremada sabedoria e ânimo consolador !
Saber de uma tal possibilidade é perceber e sentir a esperança de algum dia infalivelmente chegar à Iluminação implícita nas duas proposições .
Quem ou o que é Shiva ? Ao familiarizar-se com o sentido dos termos sânscritos , o aluno compreende que somente os termos da Absoluta Realidade lhe podem ser atribuídos , Shiva é Aquilo , o Imutável , o Incognoscível , o Uno , a Testemunha , Brahmam , o Todo-Poderoso . São apenas nomes inadequados , imperfeitos , incompletos , humanos tentando designar o Inominável .
Assim somos obrigados a fazer , pois nos movemos dentro do Universo Manifestado , que é , em si mesmo e em cada um de nós , Verbo , Som , Vida , Mutável , Conhecido , Isso .
O Todo-Poderoso ( Shiva ) é impensável . Para poder ser pensado é necessária a implicação óbvia de Seu Poder ( onipotência volitiva ) a Mãe dos Dez Mil Nomes ( Shakti - Fogo Criador - o Espírito Santo ) . " Os dois tal como são neles mesmos são UM " .
Mas nós , em nosso Universo dual , não temos condições de conceber o aspecto estático da Realidade Ultérrima sem seu aspecto de movimento , sua inteligência ativa . Somos parte ínfima dessa Manifestação Vital , nela vivemos , atuamos , pensamos , nos movemos É dela que nos vem a Energia e a forma humana , é com ela , nela , através dela que podemos ir além do pensamento material e chegar ao limite extremo , ao domínio da Impensável Imutabilidade Onipotente , do Todo do qual tudo pode ser retirado sem que sua Totalidade seja tocada .
Atingir a Iluminação é libertar-se do poder da limitação ( Maya ) , da ignorância da natureza real do Todo-Poderoso , sempre associado a seu poder de Manifestação , a sua Shakti . É a Identificação máxima e perfeita com a Fonte , o reabsorver-se , reintegrar-se no Imutável Todo , restando então a única Realidade .
Afirmar que Shiva é o único Guru é reconhecer e confirmar o ato final da Iluminação , o incomparável , perfeito , supremo contacto com o cerne em que todos os ensinamentos , todos os mestres , todos os " dados " tornaram-se supérfluos , dispensáveis . É o coroamento do longo processo de evolução centrípeta durante o qual a criatura se debateu em incertezas , desviou-se reintegrou-se , necessitou vitalmente da presença , assistência , ensinamentos , vigilância de um guia espiritual , humano ou intuído ( astral ) .
Anunciar também que , a todos os seres viventes , está destinada tal realização é a mais sublime esperança e certeza que podem ser despertadas em nossa existência , cuja tônica é a falta de discernimento de seu verdadeiro ser , de sua essência final , de tudo quanto a recobre e oculta .
O mistério dos mistérios é essa contingência cósmica em que o ser humano se encontra e permanece mergulhado por Kalpas imensos . A razão do aprisionamento no ciclo contínuo de nascimentos e mortes terrenos , na indiscriminação e na ignorância do Princípio só é do conhecimento do Misterioso dos Misteriosos .
Toda e qualquer especulação a esse respeito representa perda , desgaste inútil de energia . Tudo o que nos é dado saber é da possibilidade de transcender da atividade , de " forma particular do Ser " e retomar nosso genuíno e perfeito estado do Ser em si mesmo , de Repouso ( Vazio ) .
O escapar da dualidade , por incrível que isso soe a nossos ouvidos incrédulos , é realizável em vida terrena . Muitos são os que alcançaram tal estado de consciência . O interessante é que tais " compreendedores " da Verdade Suprema apresentam , entre si , um elo de ligação : todos , sem exceção , místicos ou não , ocidentais ou orientais , pela meditação bem efetuada , pela fé expectante , pela força de vontade chegaram ao mesmo estado natural de compreensão simples e espontânea .


13- Os Obstáculos    

Todos também experimentaram uma dificuldade insuperável ao tentar traduzir em palavras esses estados íntimos .
Não importa qual seja o caminho trilhado , sempre a descrição , apesar de todos os seus inúmeros pontos comuns , idênticos , é decepcionante para quem ouve o relato desses estados . Dizer que atingiu a " tranquila serenidade da alegria indizível " não satisfaz nem ao relator que imediatamente acrescenta " não é só isso " , há algo mais inexprimível , imensurável . Há , no entanto , uma ressalva feliz : um Mestre verdadeiro percebe e confirma ao discípulo que ele é um Iluminado autêntico . Para tais guru , cada discípulo é um caso à parte , exigindo toda a atenção e devotamento de seu instrutor .
O método varia de Mestre para Mestre , mas subentende sempre um período de isolamento durante o qual o discípulo deve encontrar-se com seu próprio Ser , buscando , ou deixando de fazê-lo , a aprovação ou confirmação após o término de sua Meditação solitária .
Existem vários estados preliminares ; o discípulo é incentivado a ir ainda mais além apesar de ter tido a impressão de haver atingido o objetivo magno .
Mesmo no Zen , os exercícios preparatórios podem prolongar-se por longos períodos , dependendo sua duração do próprio aspirante . O momento da Iluminação , voltamos a insistir , é sempre eclosivo e abrupto . Independe de todos os preparativos , alguns dos quais são bastante originais , senão excêntricos e , às vezes , bem longos .
No Budismo tibetano , o candidato é submetido a uma série de provas iniciatórias programadas por seu Mentor . Indagado como justifica tal paradoxo , o Mestre simplesmente dá de ombros , alegando que tudo não é necessário , pois tudo deve ser abandonado como inútil e improfícuo no momento em que o praticante , deixando a sós consigo mesmo , penetra no imo do próprio Ser e então passa a iniciar-se sozinho , sem o auxílio de nenhuma muleta .
O despertar verdadeiro apresenta semelhanças com o insight descrito no processo ensino-aprendizagem normal . O professor oportuniza todos meios cabíveis ao caso , cria situações propícias , utiliza material variado , mas quem experimenta o " Estalo " indicador de que houve mudança no padrão de comportamento ( sinal de aprendizagem efetiva ) é o aluno . Ninguém aprende por ninguém . Cada qual é o único agente de sua educação .
Temos continuamente necessidade de apelar para metáforas , comparações , símiles para procurar explicar o que seja o pleno desabrochar do Ser .
Isso é bastante temerário e perigoso , assim o reconhecem todos os instrutores antigos e atuais .
Os discípulos têm a tendência de " agarrar o dedo que aponta " e não olhar a Lua . A dependência do Mestre , mesmo ao mais insignificante instrutor , se torna danosa e impede o progresso de ambos .
Outro obstáculo surge no aparecimento de certos estados de percepção paranormal , manifestados durante a Meditação e que , em si mesmos , carecem de significação , nada adicionando ao processo de auto-iluminação .
É evidente que nos movemos em um mundo povoado : cada criatura humana , constituindo uma unidade-síntese em si e por si mesma , não sobrevive o convívio , o auxílio , a interação cooperativa de seres de sua espécie . O " Inferno é o outro " , proclamou Sartre , pois como ninguém , ele compreendeu que o espelho de outrem nos mostra nossa verdadeira face , a que , muitas vezes , abominamos e não desejamos ostentar sem para nós próprios .
Todos os espiritualistas ampliam seu universo humano , admitindo a existência de seres viventes atuando em mundos ou planos paralelos , alguns imbricados totalmente no nosso plano físico .
Esse ato de existir não se limitará a uma observação telescópica ou microscópica daquilo que lhes for permitido ou possível perceber em nosso ambiente . A interferência também é uma possibilidade admissível em circunstâncias propiciadas pelos seres viventes terrestres.
O estado de Meditação é , sem dúvida alguma , uma dessas situações peculiares .
Visões luminosas , cores de fulgurações diferentes em tom e intensidade do espectro habitual , aparecimentos de seres benévolos , sons variados , suaves , estridentes , melodiosos ou não podem ser , entre outras manifestações menos agradáveis , percebidos pelo praticante . 
A estes chamados poderes ( siddhis ) se ajuntam as imagens fantásticas emanadas da própria mente do discípulo incauto ( animismo ) , desejoso quase sempre de intensificar ou provocar fenômenos extra-sensoriais . " Imaginazione " , alertava Ouespenky , ao escutar o relato de tais experiências . Se algumas provêm realmente de um universo paralelo , a maior parte se origina na fantasia criadora , desenfreada , às vezes , do praticante desavisado .
Não nos esqueçamos , porém , de recordar o que é afirmado em alguns tratados ocultistas : " Nada é pura ficção , pois tudo o que perpassa pela imaginação humana é apenas um reflexo de algo , uma réplica existente em outro plano formal não denso " .
Se assim é , o que convém aconselhar é o seguinte : o praticante não se deve deixar empolgar nem seduzir pelo fenômeno , o qual se esvaece e dissipa em seguida , caso não seja bem acolhido e alimentado pela mente consciente do aprendiz .
Em que termos nos cumpre cortar radicalmente ou desautorizar tais informações feitas de boa fé e que talvez marquem o estágio probatório vivenciado pelo discípulo ? É uma pergunta para a qual nos falta a adequada resposta .
Procuramos somente contornar e refrear o exagero prejudicial , mas nos guardamos bem de tudo condenar , por que quem jamais pode verdadeiramente penetrar na consciência alheia e demarcar os limites entre uma experiência meditativa de ordem superior e um simples exagero de uma imaginação criativa ?
Somente podemos julgar e avaliar o que sentimos e provamos , deixando aos legítimos e sábios instrutores o poder de decisão final . O que nos compete , em tais casos , é controlar os ensinamentos propostos , talvez não inteiramente adequados ao nível das pessoas que de nós se acercam para receber instruções básicas destinadas a auxiliá-las na procura da sua própria Luz Interior .
Aí a humildade e a auto-análise rigorosa e objetiva do professor devem estar vigilantes . Evitar que as metáforas usualmente empregadas se transformem em falsas experiências concretas , muitas vezes absurdas ou irrealizáveis , é nosso dever primeiro .
Sem magoar ou criticar acerbamente , com paciência e jeito , talvez possamos contornar o excesso de fantasia , o personalismo exagerado , mostrando que um símbolo não é a realidade abstrata .
É um elo ligando o pensamento objetivo a sua outra face imaterial , é o apoio visível para o invisível .
Na realidade abstrata não há produção de sons , luzes , imagens , projeções , os quais fazem parte integrante do plano fenomênico , do universo egóico que deve ser ultrapassado , se houver a intenção de fazer fulgurar a Luz Interior , não nela permanecer , usufruindo suas manifestações agora dispensáveis em confronto com o fim em vista .
Também Luz Interior , adverte o Bhagwan , constitui " um símile poético " , uma outra metáfora para o Indizível . Por não dispor de outro meio a não ser a " poesia religiosa " , temos de contentar-nos em transmitir o intransmissível , nomeando este estado transcendente de Luz Inata , Infinita , Eterna ou ainda , no pleonasmo reforçador , de Luz Divina .
Não é possível impedir que , em face de certos movimentos inéditos , o candidato pense que já atingiu todos os degraus , sinta-se Luz . Aí entra o aviso de bom-senso , a chamada à vida concreta , a orientação segura a indicar que a transfiguração , quando parcial , é intelectualizada , produto da mente . Convém acalmar o vôo da imaginação , esperar que exista na experiência não somente a autoconfirmação almejada , como também a fase de disciplina espiritual transparecendo , impregnando todos os atos da vida quotidiana .
À exaltação , mesmo a genuína , deve seguir-se a busca intensa que conduz a " permanecer em pé no alto da montanha em perfeita harmonia e completa solidão " ( Kevalya ) até obter a segurança interior , prenúncio do ideal de trabalhar para salvar todo ser humano , sem o mínimo anseio de aplauso , complacência , reconhecimento de mérito ou satisfação própria .
É então que-enfim-Shiva é o único Guru .
O Mestre humano ou astral desaparece ; seu lugar é agora ocupado pela Voz Interior , a " luz do único Mestre , a única , eterna Luz dourada do Espírito " , isto é , a própria Luz do candidato .
Assim fala a Voz do Silêncio : " Vê ! tornaste-te aluz , tornaste-te o som , és o teu Mestre e o teu Deus . Tu próprio és o objeto da tua busca . . . "
A consciência plena dessa experiência jamais deve ser objeto de relato confidencial ou público . É tão maravilhosa em sua integral transcendência , tão cósmico-pessoal , tão intensa e tão absoluta , que comunicá-la a outro ser humano é retirar-lhe a sublimidade .
Alvo de chacota , dúvida , comiseração , suspeita de desequilíbrio mental , a afirmação torna-se falsa , ridícula , incompleta , inoperante . . . 


14- A Solidão Construtiva 

A solidão do instante supremo é inseparável do secreto , do mistério que ele encerra . O fato dos circunstantes o reconhecerem ou deixarem de fazê-lo é totalmente irrelevante . É , para quem o vive , o grande momento impartilhável . Até o espelhar-se no outro , para certificar-se de sua humana , não oferece mais o mínimo interesse . Até então dependíamos dos outros para que eles autenticassem nossas tentativas bem , mal ou parcialmente sucedidas no Caminho que sentíamos estar a percorrer . Doravante até isso é abandonado como inutilidade ou empecilho .
Não se cogita , é claro , da solidão-espantalho , que apavora e deprime as almas imaturas , ainda incapacitadas ao confronto com elas mesmas , com receio de detectar a imperfeição reinante no âmago de sua realidade .
É a solidão-chamamento para a consecução do instante da plenitude da Luz . Por ele , com ele , para ele , a vida terrena com todas as suas implicações e ausência de sentido , seu absurdo irremovível , sua imposição a um existencialismo pragmático , ao hedonismo revela-se o que verdadeiramente é : uma maravilhosa aventura , uma busca incessante , um episódio único no desenrolar do drama cósmico , do qual cada ser é um participante insubstituível , um protagonista sem doublé , um ator , um diretor e espantosamente o próprio autor .
Consciente de seu papel , entregue a seu desempenho com uma visão agora inteiramente diferente , impessoal , o homem-espectador não mais se inquieta , angustia ou desespera . Não mais formula perguntas irresponsáveis , não mais se julga marionete , robô , um amaldiçoado .
Sente-se como a onda , sem a qual a existência do Oceano seria um despropósito . Na crista da onda ou em seu movimento descendente , entrega-se à Vida Una sem preocupar-se com o fluxo e o refluxo . Com eles se confunde e identifica de forma tão completa , que o Universo é sua pátria , o Cosmos , sua verdadeira dimensão , o Um , seu destino e sua eternidade .
Os ensinamentos da Nuvem Branca , atribuídos pelo Bhagwan ao próprio Buddha , apontam , de forma insofismável , para este estado natural de plenitude do existir : flutuar , deixar-se levar pelo vento sem revoltas inúteis , inquirições sem respostas viáveis , embates perdidos de antemão . Vogar ao sabor do vento é modelar a vida diária sem tensões , sem desesperos , sem bloqueios , sem frustrações , sem complexos de culpa , permitindo-se que a Verdade essencial do Universo , que se situa além do domínio do intelecto discriminador , jorre no indivíduo .
O Universo jorra jovialmente sem propósito definido a não ser a Vida , o existir perpétuo em causa , tempo , espaço , perenemente transmutáveis em novas energias até a inevitável reabsorção na Fonte onde desaparecem todos os conceitos de causa , efeito , tempo , espaço . " Esse jorrar jovial " encerra o mistério maior : é aí que se pode buscar o sentimento de alegria de viver sem cogitar de encontrar um sentido onde não há sentido algum , uma finalidade prática no que escapa a toda medida humana , uma contingência cientifica na Natureza , única legisladora de seus próprios fenômenos .
Somente consegue impregnar-se dessa espécie peculiar de sentimento quem ultrapassa o desejo de qualquer tipo de felicidade mundana permanente , de glória e sucesso perenes , quem se identifica , de corpo e alma , com a Origem do Ser .
A dimensão humana se esvai diante da expansão cósmica , estado de consciência no qual se efetiva a auto-realização capaz de tornar o ser novamente " criança " . O retorno à infância não implica alienação da existência tangível , do cumprimento exato dos deveres inerentes ao meio social . Trata-se de uma interdifusão natural , um viver espontâneo e fluente que tem no vôo do pássaro e no nadar do peixe seu exemplo mais significativo .
Nem ave , nem peixe preocupam-se com a dimensão infinita do espaço a percorrer e menos ainda em traçar objetivos rígidos e angustiantes a ser atingidos em determinado tempo . Voam e nadam libertos de qualquer condicionamento externo , simplesmente , naturalmente vivos , executando atos de Vida , deixando-se levar pelo fluir da existência no gozo inefável e integral de participar da Energia Una , donde provieram e na qual " são " . A verdade da ave é voar , a do peixe é nadar . A verdade do homem é conhecer-se como Luz Imanente e irradiá-la para seu mundo , sem sobressaltos , apegos , desamor a si mesmo .
Para o homem que deixou de preocupar-se em procurar , longe de seu próprio centro , a solução para o mistério indecifrável de seu peregrinar ainda agora terreno , findaram-se as miragens e sua observação minuciosa , que as impedem de ser tomadas pelo que verdadeiramente são .
Ouvindo o apelo para que olhe primeiro para dentro de si , o " observador e fabricante de ilusões " está apto para saber que é ele , somente ele , " a fonte " das ilusórias aparências a seu próprio respeito ( antropocentrismo ) , quem deve ser observado e conhecido . Não é fácil , não é agradável , não é cômodo realizar tal cometimento sem o amparo , a ajuda , a guia de um líder religioso , um psicanalista , um Guru providencial , um pai zeloso .
" Resta saber se o caminho do autoconhecimento é largo bastante para nele caber mais alguém , além do próprio interessado " . ( L.C. Lisboa ) 
A resposta já está pronta há séculos : os exemplos do " fio da navalha " , " da porta estreita " , " do furo de agulha " estão ao dispor de todos .
Para o ser liberto das autolimitadoras contradições íntimas , de aparente falta de um sentido para a vida e seu fatal termo na morte do corpo , da insegurança provocada pela transitoriedade e impermanência , para esse tipo de autoconhecedor , torna-se clara a positividade e a vitalidade do Vazio donde brotam todas as coisas sem cessar e para onde elas refluem continuamente .
Desaparecido todo o sentimento de separação ou oposição dualista , há o " absorver do Universo " , a entrada na consciência da natureza - Buda fulgurante , a glória infinita de sentir a Eternidade do Eu Supremo no Aqui e no Agora , na transitoriedade e no amargor inerentes à condição existencial . É ser homem e saber-se divino .
Esse explodir de realização-satori acarreta inevitavelmente uma nova vivência de fraternidade e de responsabilidade para com a família , a comunidade , a raça humana , abrangendo todo o meio natural com seus três reinos .
O egoísmo retrocede pela presença atuante do altruísmo , o mal cessa pela prática espontânea do Bem , a personalidade continua a viver , mas seus laços , com toda a Humanidade são reais e interativos . Humanidade não é mais uma simples palavra oca , vazia de sentido , uma abstração em nome da qual se esquece , tortura , menospreza o homem comum . É uma unidade-síntese da qual cada ser é uma parte componente , um elo indissolúvel e vital , uma gotícula entre as incontáveis gotas sem as quais não haveria Oceano , uma luzinha a unir seu brilho a onifulgurante Luz ; e captar e projetar a Energia para o Planeta e amor para além de todos os limites da nossa galáxia .
Quando um pequeno , obscuro e insignificante ponto humano começa a tornar-se um foco irradiador de sua própria Luz , todos os homens , todo o Planeta , todo o Cosmos faz-se um Sol radiante , a enviar seus Raios em todas as direções , doando Vida para tudo e para todos .
Tornar-se não é ser " como " um Iluminado , é em verdade e derradeiramente " ser " um Iluminado . Então não há mais necessidade de seguir um outro Iluminado , seja ele quem for . Amá-lo , somente amá-lo , unificar-se a Ele pelo Amor e pela Luz , identificar-se com Ele na Harmonia e na Paz , sendo no entanto , seu próprio e único Mestre , sem intermediários , sem medianeiros , sem muros , sem véus entre si mesmo e a Divindade . Isso é " ver diretamente " , " viver diretamente " , " luzir diretamente " .

Texto : do livro ( A Doma do Touro ) Ramanadi 
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