quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

" Os talentos " ( Mt 25 , 14-30 ; Lc 19 , 11-28 )

Os cinco talentos . Acontecerá como a certo homem que estava prestes a partir para terras longínquas . Chamou os servos e lhes confiou seus bens . A um deu cinco talentos , a outro dois , ao terceiro um , a cada um segundo a sua capacidade . E partiu imediatamente .
Ora , o que recebera cinco talentos , logo entrou a negociar com eles , e ganhou mais cinco . Do mesmo modo , o que recebera dois talentos ganhou mais dois . Mas o que recebera um talento foi-se e enterrou o dinheiro do seu senhor .
Passado muito tempo , voltou o senhor daqueles servos e os chamou a contas . Apresentou-se o que tinha recebido cinco talentos , trouxe mais cinco talentos e disse : Senhor , entregaste-me cinco talentos ; eis aqui mais cinco talentos , que ganhei .
Muito bem , servo bom e fiel - respondeu-lhe o senhor - , já que foste no pouco constituir-te-ei sobre o muito ; entra no gozo de teu senhor .
Apresentou-se o que tinha recebido os dois talentos e disse : Senhor , entregaste-me dois talentos ; eis aqui mais dois talentos , que ganhei .
Muito bem , servo bom e fiel - respondeu-lhe o senhor - , já que foste fiel no pouco constituir-te-ei sobre o muito ; entra no gozo de teu senhor .
Apresentou-se por fim o que recebera um talento e disse : Bem te conheço , senhor , és homem rigoroso , colhes onde não semeaste e ajuntas onde não espalhaste . Pelo que tive medo de ti e fui enterrar o teu talento ; aí tens o que é teu .
Respondeu-lhe o senhor : Servo mau e preguiçoso ! sabias que colho onde não semeei , e junto onde não espalhei ; devias , por conseguinte , colocar o meu dinheiro no banco , e eu , na minha volta , teria recebido com juros o meu capital . Tirai-lhe , pois o talento , e entregai-o a quem tem os dez talentos . Porque , ao que tem dar-se-lhe-á , e terá em abundância , mas ao que não tem , tirar-se-lhe-á até aquilo que possui . A esse servo inútil , porém , lançai-o às trevas de fora ; aí haverá choro e ranger de dentes .


Apoteose do poder creador do livre-arbítrio


O Reino dos Céus é semelhante a um homem que , em vésperas de empreender longa viagem , chamou seus servos e lhes distribuiu o seu dinheiro para negociarem com ele , em sua ausência .
Ao primeiro servo entregou 5 talentos . Talento era uma moeda grega que equivalia a cerca de 10 mil cruzeiros nossos ; quer dizer , o primeiro servo recebeu cerca de 50 mil cruzeiros para negociar .
Ao segundo servo deu 2 talentos , cerca de 20 mil cruzeiros .
Ao terceiro servo deu 1 talento , ou 10 mil cruzeiros nossos .
Deu-lhes ordem que negociassem com esses cabedais até que ele voltasse da viagem .
E partiu .
Depois de muito tempo , regressou da viagem e chamou à conta os três servos . O primeiro se apresentou prontamente e disse : " Os teus cinco talentos renderam cinco ; eis aqui dez talentos " . Respondeu-lhe o senhor : " Muito bem , servo bom e fiel , porque foste fiel no pouco constituir-te-ei sobre o muito ; entra no gozo do teu senhor " .
Aparece o servo que recebera 2 talentos e apresenta 4 , repetindo quase as mesmas palavras , e ouve do seu senhor a mesma resposta .
Finalmente aparece o terceiro servo , que recebera apenas um talento , e faz um longo discurso sem entregar nada de seu , mas devolvendo apenas o talento recebido . O discurso futil dele é o seguinte : " Bem te conheço , senhor ; tu és um senhor severo , colhes o que não semeaste e ajuntas o que não espalhaste ; por isso tive medo de ti e enterrei o teu talento - aqui o tens " .
Este servo recebeu de Deus a sua creaturidade , como os outros , enterrou-a , e devolveu-a tal qual , sem lhe acresentar nada da sua creatividade humana ; devolveu o que recebera de Deus , sem nada lhe acresentar de seu próprio . E é terrível a resposta do senhor : " Servo mau e preguiçoso ! Com tuas próprias palavras eu te condeno ; se tu sabias que eu colho o que não semeei e ajunto o que não espalhei , por que não fizeste frutificar o talento que te dei , para que eu o recebesse com juros ? Tirai-lhe o talento que tem , porque quem tem receberá mais e terá em abundância ; mas quem não tem perderá até aquilo que tem " .
Assim diz literalmente o texto grego . Mas o tradutor da Vulgata Latina diz : " Quem não tem perderá aquilo que parece ter " ( quod videtur habere ) . Evidentemente , o tradutor achou por demais absurda a frase " quem não tem perderá até aquilo que tem " , e suavizou o texto dizendo " que parece ter " que é o sentido oculto , embora não seja o texto explícito . Esta modificação foi feita no texto de Mateus ; mas no texto paralelo de Lucas , o tradutor reproduziu exatamente o texto grego : " Quem não tem perderá até aquilo que tem " . Ninguém possui realmente aquilo que recebeu , mas somente aquilo que ele mesmo creou .
Aqui poderíamos citar , como equivalente , as conhecidas palavras de Goethe : " Was du ererbt von deinen Vaetern , erwirb es , um es zu bezitzen " ( o que herdaste de teus pais adquire-o para o possuíres ) .
De fato , não possuímos realmente o que apenas herdamos ou recebemos de outrem ; só possuímos realmente aquilo que adquirimos ou conquistamos com o poder creativo do nosso livre-arbítrio . A nossa creaturidade nos foi dada por Deus , e por isso não é realmente nossa ; somente é nosso , profundamente nosso , aquilo que creamos com o poder do nosso livre-arbítrio , com a nossa genuína e autêntica creatividade humana .
Os dois primeiros servos não devolveram ao senhor apenas a creaturidade , que dele haviam recebido ; mas ofereceram-lhe algo genuinamente deles , o produto da sua própria creatividade . E é por isto que são chamados " servos bons e fiéis " , e entram no gozo de seu senhor . Estes dois servos se auto-realizaram , como diríamos em linguagem moderna . Os segundos cinco e dois talentos não são do senhor , mas são desses servos auto-realizados . O que os teólogos chamam " salvação " tem de ser transformado hoje em dia em " auto-realização " ; não existe alo-redenção , só existe auto-redenção , auto-realização , que é o despertar das potencialidades latentes na alma humana até a sua total atualização .
O terceiro servo , que devolveu apenas a sua creaturidade , sem um vestígio de creatividade , é chamado " servo mau e preguiçoso " e , pior de tudo , perdeu aquilo que tinha recebido , mas não era seu a sua creaturidade . Perdeu a sua potencialidade creativa , porque não a atualizou em Realidade creadora . Perdeu o seu livre-arbítrio , a sua natureza humana , que sem livre-arbítrio deixa de ser humana . Degradou-se a um infra-homem , deixou de ser homem . Sucumbiu à " morte eterna " da sua individualidade humana . Quem tem creaturidade humana , mas não a transforma em creatividade pelo poder de seu livre-arbítrio , esse perderá até a sua creaturidade humana . As leis eternas da Constituição Cósmica ( ou Divina ) não dão potencialidade a um ser que não as trasforme em atualidades , durante o ciclo total da existência da creatura , ciclo evolutivo que , certamente , não compreende apenas os poucos decênios da vida terrestre . Se o homem , durante o ciclo total da sua existência , terrestre e extraterrestre , não se realizar ele se des-realiza ; se não se integrar no Infinito , ele se desintegra , perde a sua individualidade .
Os dois primeiros servos foram " fiéis no pouco " , nas suas potencialidades creaturais , e por isto receberam " o muito " , o resultado das suas realidades creadoras .
Neste sentido , escreveu um filósofo europeu de nossos dias : " Deus creou o homem o menos possível , para que o homem se possa crear o mais possível " .
Esta parábola é uma apoteose da onipotência do livre-arbítrio humano . O homem , quando sai das mãos de Deus , não é realizado , mas apenas realizável . Está aqui na Terra , ou em outros mundos , para realizar plenamente a sua natureza realizável . Se realizar-se , é servo bom e fiel e entra no gozo do seu senhor , integra-se na Divindade pela imortalização individual . Se não realizar a sua natureza realizável , neste ou em outros mundos , acaba por se des-realizar ou aniquilar .
A parábola dos talentos pode ser considerada como sendo a quintessência da metafísica cósmica do Evangelho do Cristo . Há quase 2000 anos que a mensagem do Cristo é mencionada pelas igrejas como se fosse uma teologia , quando , na realidade , é a maior Filosofia Univérsica que já apareceu sobre a face da Terra .
Há quem negue a possibilidade de o homem sucumbir à morte eterna , a uma extinção definitiva , porque , dizem , a alma é imortal .
Entretanto através de todo o Evangelho consta essa possibilidade .
A alma não é imortal , mas é imortalizável . A imortalidade potencial é um presente de berço , mas a imortalidade atual é uma conquista da conciência . A alma imortalizável se imortaliza pelo poder creador do livre-arbítrio .
É esta a grandiosa mensagem da parábola dos talentos .
Texto : Huberto Rohden
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