quinta-feira, 9 de julho de 2009

Homem , conhece-te A ti mesmo !


Quando o Homem comum diz " eu sou feliz " , ou " eu sou infeliz " que é que ele entende com essa palavrinha " eu " ?
A imensa maioria dos Homens entende com esse " eu " a sua personalidade física , material , isto é , o corpo , ou alguma parte do corpo . " Eu estou com dor de cabeça . " " Ele morreu . " Um determinado sentimento de bem-estar do corpo é , por eles , chamado " felicidade " , assim como certo mal-estar físico é apelidado de " infelicidade " . Ora , esse sentir físico está , de preferência , nos nervos , que são os receptores e veículos de nossas sensações físicas . Quer dizer que o homem comum , quando fala de felicidade ou infelicidade , faz referências a um determinado estado vibratório de seus nervos . Se esse estado vibratório dos nervos lhe confere uma sensação agradável , ele julga feliz ; do contrário , tem-se por infeliz .
Ora , esse estado vibratório dos nervos nem sempre depende da vontade do homem ; depende , em geral , de fatores meramente externos , acidentais , alheios ao seu querer ou não-querer , quais sejam a temperatura , o clima , a alimentação , acidentes fortuitos , eventos imprevistos , a sorte grande , morte na família , etc . Todo homem que , por exemplo , diz " eu estou doente " identifica o seu " eu " com o seu corpo , e sobre esse erro fundamental procura erguer o edifício da sua felicidade .
É o que , no Evangelho , chama-se " edificar sobre areia " . Mas um edifício construído sobre areia vã não resistirá ao embate de enchentes e vendavais .
Também a humanidade nos pode fazer sofrer ou gozar . Mas nem as circunstâncias da natureza nem da humanidade podem nos tornar felizes ou infelizes . Felicidade ou infelicidade vem da nossa substância própria , e não de circustâncias alheias . " Eu sou o senhor de meu destino --- eu sou o comandante de minha vida ... "
Com esse critério inadequado , é claro , a felicidade ou infelicidade é algo que não depende do homem . Nesse caso , o homem não é " sujeito " , autor , de sua felicidade ou do contrário , mas tão-somente " objeto " ou vítima . Circunstâncias externas , fortuitas , incontroláveis , torna-lo-iam feliz ou infeliz .
Isso quer dizer que esse homem seria um simples joguete passivo dos caprichos do ambiente . Não poderia afirmar : I am the captain of my soul ( eu sou o comandante de minha alma ) ; porquanto não seria ele que marca o roteiro da barquinha de sua vida , que estaria inteiramente à mercê dos ventos e das correntezas alheias ao seu querer ou não-querer .
Como poderia ser solidamente feliz o homem que faz depender a sua felicidade de algo que não depende dele ?
Outras pessoas há que identificam o seu " eu " com a sua parte mental ou emocional . Dizem , por exemplo : " eu estou triste " , " eu estou alegre " , " eu sou inteligente " . Isso quer dizer que confundem o seu verdadeiro " Eu " com sua personalidade mental-emocional . Ora , como essa zona está incessantemente à mercê das influências da sociedade humana que nos cerca , segue-se que a felicidade ou infelicidade baseada nesse alicerce problemático depende do ambiente social , isto é , da boa ou má opinião que outros homens têm de nós ; enxergamo-nos tão-somente no reflexo da opinião pública . Se outros dizem que somos inteligentes , bons , belos , simpáticos , sentimo-nos felizes--- , mas , se disserem o contrário , sentimo-nos infelizes .
Isso quer dizer que , nesse caso , somos uma espécie de fantoches ou bonecos de engoço que reagem automaticamente ao impulso recebido pelos cordéis invisíveis , manipulados por algum terceiro , oculto por detrás do cenário de nossa vida . Esses fantoches humanos vibram com intensa felicidade quando , por exemplo , um jornal os cumula de louvores e apoteoses , embora totalmente gratuitos e quiçá mentirosos --- , mas sentem-se profundamente infelizes , talvez desesperados , quando alguém diz o contrário .
São escravos de fatores alheios à sua vontade --- escravos que ignoram a sua própria escravidão ! E como poderia um escravo ser feliz ?
Em resumo : tanto os da primeira classe --- os escravos do ambiente físico --- como os da segunda classe --- os escravos do ambiente social --- fazem depender a sua felicidade de algo que não depende deles . É , pois , evidente que não podem ser realmente felizes , porquanto a verdadeira felicidade não é uma " quantidade externa " , um objeto que o homem pode receber , mas uma " quantidade interna " , um estado do sujeito , que o homem crea dentro de si . A felicidade só pode consistir em algo que dependa de mim , algo que possa crear , independentemente de circunstâncias externas , físicas ou sociais . " O que vem de fora não torna o homem puro nem impuro --- só o que vem de dentro do homem é que o torna puro ou impuro " ( Jesus ) .
Alguns séculos antes de Cristo , vivia em Atenas o grande filósofo Sócrates . A sua filosofia não era uma teoria especulativa , mas a própria vida que ele vivia . Aos setenta e tantos anos foi Sócrates condenado à morte , embora inocente . Enquanto aguardava no cárcere o dia da execução , seus amigos e discípulos moviam céus e terra para o preservar da morte . O filósofo , porém , não moveu um dedo para esse fim ; com perfeita tranquilidade e paz de espírito aguardou o dia em que ia beber o veneno mortífero . Na véspera da execução , conseguiram seus amigos subornar o carcereiro , que abriu a porta da prisão . Críton , o mais ardente dos discípulos de Sócrates , entrou na cadeia e disse ao mestre :
--- Foge , depressa , Sócrates !
--- Fugir , por quê ? --- perguntou o preso .
--- Ora , não sabes que amanhã te vão matar ?
--- Matar-me ? A mim ? Ninguém me pode matar !
--- Sim , amanhã terás de beber a taça de cicuta mortal --- insistiu Críton --- Vamos , mestre , foge depressa para escapares à morte !
--- Meu caro amigo Críton --- respondeu o condenado --- , que mau filósofo és tu ! Pensar que um pouco de veneno possa dar cabo de mim ...
Depois , puxando com os dedos a pele da mão , Sócrates perguntou :
--- Críton , achas que isso é Sócrates ? --- e , batendo com o punho no osso do crânio , acrescentou : --- Achas que isto aqui é Sócrates ? ... Pois é isso que eles vão matar , este invólucro material ; mas não a mim . Eu sou a minha alma .
Ninguém pode matar Sócrates ! ...
E ficou sentado na cadeia aberta , enquanto Críton se retirava , chorando , sem compreender o que ele considerava teimosia ou estranho idealismo do mestre . No dia seguinte , quando o sentenciado já bebera o veneno mortal e seu corpo ia perdendo aos poucos a sensibilidade , Críton perguntou-lhe , entre soluços : --- Sócrates , onde queres que te enterremos ? --- Ao que o filósofo , semiconsciente , murmurou : --- Já te disse , amigo , ninguém pode enterrar Sócrates ... Quanto a esse invólucro , enterrai-o onde quiserdes . Não sou eu ... Eu sou a minha alma ...
E assim expirou esse homem que tinha descoberto o segredo da felicidade , que nem a morte lhe pôde roubar .
Conhecia-se a si mesmo , o seu verdadeiro Eu divino , eterno , imortal .

Texto : Huberto Rohden Deixe seu Comentário:



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