quinta-feira, 2 de julho de 2009

Deixa que o outro Seja o que é !

Fonte abundantíssima de infelicidade brota da mania que muitas pessoas têm de querer " converter " outros ---- não para Deus , mas para seu próprio ego . Isso acontece sobretudo entre casados . A mulher quer obrigar o marido a pensar como ela ---- e ele , por seu turno , faz a mesma tentativa . E assim andam os dois num eterno círculo vicioso , que se chama discórdia , infelicidade .
É que cada um de nós vive na ilusão tradicional , inspirada por nosso inveterado egoísmo , de que nossa opinião é a mais perfeita , talves a única verdadeira e capaz de salvar a humanidade ; se todos os outros pensassem e agissem como nós , a humanidade seria definitivamente feliz ... E por isso tentamos impor e impingir as nossas idéias e caprichos aos outros , sobretudo às pessoas que conosco vivem sob o mesmo teto .
Uma das nossas revistas ilustradas pediu a seus leitores que definissem o sentido de certas palavras da gíria popular , entre elas o termo " boboca " . Uma leitora definiu essa palavra do modo seguinte : " Boboca é toda a pessoa que não pensa como eu " . É essa a opinião de todo egoísta incorrigível : quem não pensa como eu é boboca .
Mulher , deixa teu marido tão selvagem como encontraste da primeira vez ! Não procures domesticá-lo ! Não tentes amansa-lo , modifica-lo , reduzi-lo a um fantoche que obedeça automaticamente ao impulso dos cordéis dos teus caprichos femininos e das tuas predileções pessoais ! O homem é selvagem por natureza , e selvagem ficará para sempre ...
Também , que coisa monótona seria se teu marido fosse um boneco de engoço , uma dócil marionete que sempre dissesse " sim " quando tu dizes " sim " , e dissesse " não " quando tu dizes " não " ? ... Se tal coisa conseguisses do teu companheiro de vida , estou certo de que amanhã terias saudades dos tempos felizes , multiformes e multicores , em que ele era ainda " ele mesmo " , aquele " ele " autêntico , não-falsificado , não-domesticado , fascinantemente selvagem , e não insipidamente monotonizado como o fizeste ...
Homem ! por que queres reduzir a tua Eva a um punhado de argila amorfa , a ser manipulada por ti segundo os teus gostos e caprichos masculinos ? Não vês que é muito mais interessante que ela continue a ser o que é , sempre foi e sempre será ? Quando a encontraste , moça independente e original , naquele baile , naquele piquenique , naquela viagem ---- lembras-te ? ---- ela era uma florzinha natural que florescia feliz à beira do caminho , um tanto empoeirada , talvez , mas autêntica e genuinamente " ela mesma " . Deixa que ela , sob o seu teto , continue tão original e única como a encontraste , na alvorada primaveril do teu amor . Não faças da tua poética florzinha natural uma prosaica flor artificial de papel ! Embora essa flor de papel tivesse exatamente a forma e a cor que lhe queres impingir , ela deixaria de ser aquela que encontraste naquele dia feliz ; seria obra tua , feita à tua imagem e semelhança , mas não já " ela mesma " . É melhor a mais humilde florzinha natural e viva do que a mais deslumbrante flor artificial de papel inerte .
Mas , exclamará o leitor , a leitora , se ele continuar " selvagem " como foi , se ela continuar " original " como naquele tempo ---- poderá haver paz e harmonia em nosso lar ? Como poderão concordar entre si dois elementos tão heterogêneos , como o autor parece estar advogando ?
É precisamente aqui que está o grande erro ?
Harmonia não é caos ---- mas também não é monotonia . Harmonia supõe diversidade de gênios e gostos . Essa diversidade tem de continuar a existir . Ninguém deve deixar de ser o que é . Extinguir o modo individual e característico de pensar e sentir dele ou dela seria o mesmo que decretar a mais insípida monotonia , criar um clichê ou chavão , que ninguém suportaria por muito tempo .
Entretanto , manter essa diversidade não quer dizer viver em conflitos e discórdias . Não aceitar as opiniões da outra parte , discordar sempre , contradizer em tudo , rejeitar qualquer sugestão , seria reduzir a sociedade conjugal a um caos e um inferno .
Todo o segredo da harmonia ---- equidistante da monotomia e do caos ---- está na integração , em saber adaptar o seu próprio caráter e gênio ao caráter e gênio do outro , fazer de si um complemento do outro . Integrar não quer dizer identificar , como não quer dizer destruir , é completar .
Há no organismo humano enorme variedade de células , servindo cada grupo a uma função peculiar . O grupo A é diferente do grupo B , que é diferente do grupo C . Se A fosse idêntico a B a C , não seria possível o funcionamento orgânico do corpo . Se A guerreasse com B , e B com C , não seria possível a vida orgânica . Mas o segredo do organismo não está na identificação dos elementos vários , nem na sua destruição ou conflito mútuo , mas sim numa completa integração de cada grupo no todo e na colaboração dos diversos grupos entre si , resulta esse maravilhoso equilíbrio rítimico que é a vida e o bem-estar do organismo .
Toda a natureza se baseia no princípio da bipolaridade complementar : nada é igual e nada é contrário ---- tudo é complementar . O pólo positivo da eletricidade não é o contrário do negativo , mas lhe é complementar . Se um fosse o contrário , os pólos se destruiriam reciprocamente , e não teríamos luz , calor e força , que são a complememtaridade dos pólos . No átomo , o pólo positivo próton não é contrário ao pólo negativo elétron , mas é complementar .
Se o masculino fosse o contrário do feminino , teríamos total destruição ; se fossem idênticos , não teríamos vida em séries , mas estagnação e nulidade .
Imagine-se que todas as flores da natureza tivessem a mesma forma e cor ! Que todas fossem rosas , ou lírios , ou cravos ! Que insuportável monotonia seria essa !
Unidade na variedade , e variedade com unidade ---- é essa a característica da natureza , é esse o segredo da harmonia , beleza e felicidade .
Deixa , pois , mulher , de querer converter teu marido para os teus gostos pessoais ! Acrescenta os gostos dele aos teus ! Enriquece-te com o que ele tem de bom e positivo , e verás que tua vida fica mais bela e abundante do que se eliminasses tudo o que é dele e só ficasses com o que é teu .
Desiste , ó homem , de querer uniformizar tua companheira com tuas opiniões ! Permita-lhe que seja o que é e deve ser , e acrescenta às tuas boas qualidades dela !
Quanto aos aspectos negativos de cada um , os defeitos e deficiências ,convém recordar aquilo que o grande Mestre disse do " argueiro no olho do próximo e a trave no olho próprio " . Neste setor , como já lembramos , há uma técnica maravilhosa que nunca falha , e consiste no seguinte : Atribuir a teu próximo as virtudes que descobres em ti ---- e atribuir a ti as faltas que descobres no próximo . Pode ser que essa técnica falhe de vez em quando ; mas o fato é que pelo menos em 90% dos casos dá certo .
O egoísmo é duro , inflexível , quebradiço como vidro .
O altruísmo , o amor , é resistente , mas flexível e adaptável como mola de aço .
Deus não creou mercadorias em série . Todas as obras de Deus são originais , inéditas . Não há cópias e repetições na natureza ; cada planta , cada inseto , cada animal , cada ave , até cada flor e cada folha é uma obra de arte original , que nunca será repetida da mesma forma .
Sobretudo , cada ser humano é único no seu modo de ser . Por isso , ninguém deve exigir de A que seja como B . Deus não creou gente . Deus creou indivíduos , personalidades , diferenciadas umas das outras . Não vamos , pois , nivelar o que Deus diferenciou . Uma sociedade que constasse de gente amorfa , e não de indivíduos multiformes e multicores , seria monótona e intolerável . Mas cada um desses indivíduos , em vez de ser individualista e separatista , deve cooperar com os outros indivíduos , a fim de formar o maravilhoso mosaico ou esplêndido organismo da vida abundante .
Entretanto , tudo o quanto aqui vai exposto não passa de uma ligeira indigitação , teórica e vaga ; se o leitor quer saber mesmo como é na realidade , terá de praticar durante algum tempo o que acabamos de dizer ; porque , em última análise , saber não quer dizer ter lido ou ouvido ; saber é viver , experimentar , saboriar .
Quem vive aquilo que acabamos de expor saberá que é verdade , e nunca se arrependerá dessa vivência .
Onde há boa vontade , aí há um caminho aberto .
A vontade sincera e sadia de querer servir , em vez da mania mórbida de querer ser servido , é a chave da compreensão e da felicidade .
As almas mesquinhas querem ser servidas ---- as almas grandes querem servir ...


Texto : Huberto Rohden
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