sábado, 5 de outubro de 2013

SOBRE A MENTE E O PENSAMENTO

Diálogo com o prof. David Bohm em Brockwood Park , em 14 de Setembro de 1980 .


Krishnamurti : Bem , a pergunta então é : Existirá algo situado além deste caos , algo que não tenha sido jamais tocado pelo pensamento humano , pela mente ?
David Bhm : Sim , é um ponto difícil ; não tocado pela mente humana , mas a mente poderia ir além do pensamento .
K : Isso é o que eu quero descobrir .
DB : Então o que o senhor quer dizer - por mente o senhor entende apenas o pensamento , o sentimento , o desejo , a vontade , ou muito mais ?
K : Não , para nós , até agora , a mente humana , é isto .
DB : A mente agora é considerada como algo limitado .
K : Enquanto a mente humana permanecer presa a isso , continuará limitada .
DB : Sim , mas a mente humana tem potencial .
K : Um grande potencial .
DB : O que no momento ela não percebe , mantendo-se presa ao pensamento , ao sentimento , ao desejo , à vontade , etc .
K : Concordo .
DB : Podemos então afirmar que tudo o que se encontra além disso não é tocado por essa espécie limitada de mente . Agora , o que queremos dizer quando falamos na mente que está além desse limite ?
K : Antes de mais nada , senhor , existe essa mente ?
DB : Sim , esta é a primeira questão .
K : Existirá uma mente que , de uma forma real , não de uma forma teórica ou romântica , e todas as tolices semelhantes , tenha mesmo dito : " Eu passei por tudo isto ? " 
DB : O senhor quer dizer , por todo este material limitado .
K : Sim . E ter passado por isso quer dizer ter posto um fim a isso . Existe uma mente assim ? Ou será que , por que ela pensa que acabou com isso , ela cria a ilusão de que há algo mais ? Não vou aceitar isso . Como um ser humano , uma pessoa , ou " X " , afirma : " Compreendi isso , enxerguei a limitação que há nisso , vivi isso , e cheguei ao fim de tudo isso . " E essa mente , tendo chegado ao fim disso , não é mais a mente limitada . E haverá uma mente que seja totalmente ilimitada ?
DB : Sim , e isso levanta outra questão : como pode o cérebro ser capaz de entrar em contato com uma mente assim ? Qual a relação entre essa mente ilimitada e o cérebro ? 
K : Vou chegar lá . Em primeiro lugar , quero deixar claro este ponto - será bastante interessante , se o examinarmos . Essa mente , o seu todo , toda a natureza e estrutura da mente , inclusive as emoções , o cérebro , as reações , as resposta físicas , têm vivido em um turbilhão , no caos , na solidão , e compreendeu , fez uma grande descoberta acerca de tudo isso . E o fato de ter feito essa grande descoberta iluminou o campo . Essa mente não é mais aquela mente .
DB : Sim : não é mais a mente original e limitada com que começou .
K : Sim , não é mais a mente limitada , a mente danificada . Vamos usar a palavra danificada DB : Mente danificada , e também cérebro danificado - o trabalho da mente danificou o cérebro .
K : Sim , perfeito . Mente danificada significa emoções danificadas , cérebro danificado .
DB : As próprias células não estão em perfeita ordem .
K : Correto . Mas quando ocorre a descoberta e , portanto , a ordem , esse dano se desfaz . Não sei se concorda .
DB : Sim , pode-se ver , pelo raciocínio , que isto é bastante possível , porque se pode afirmar que o dano é causado por pensamentos e sentimentos desordenados que sobreexcitam as células e as desintegram . E agora , com a descoberta , isso cessa e tem início um novo processo .
K : Sim , é como uma pessoa que caminha durante cinquenta anos numa direção e que , de repente , descobre que aquela não é a direção certa , e todo o cérebro muda .
DB : Ele muda na essência e , então , a estrutura errada é desmanchada e curada . Como o senhor disse , isso pode levar tempo .
K : É verdade .
DB : Mas a descoberta . . .
K : . . . é o fator que irá mudá-lo .
DB : Sim , e a descoberta não leva tempo , mas indica que houve uma mudança na origem de todo o processo .
K : É verdade . Aquela mente , a mente limitada , com toda a sua consciência e conteúdo , afirma que esse papel terminou . Mas , se tiver mesmo ocorrido que aquela mente limitada , pelo fato de ter feito uma descoberta acerca da limitação , ultrapassou esses limites , não será , na verdade , este acontecimento algo de incrível poder revolucionário ? Concorda ? Logo , não é mais a mente humana . Desculpe-me por essa palavra .
DB : Bem , acho que temos de esclarecer isso : o que entendemos por mente humana .
K : A mente humana com a sua consciência limitada .
DB : Sim , consciência limitada que é condicionada , e não livre .
K : Isso terminou .
DB : Sim , de modo que tudo isso se passou com a consciência geral , isto é , não se restringe a indivíduos , mas ocorreu por toda parte .
K : Sim , é claro , não falo de um indivíduo ; isso seria uma grande tolice .
DB : Sim , mas acredito que discutimos isso , que o indivíduo é o resultado da consciência geral , é mais um resultado em particular do que algo independente . O senhor sabe , essa é uma das dificuldades .
K : Sim , é uma das confusões .
DB : A confusão é que tomamos a mente individual como sendo a realidade concreta . Já discutimos antes a necessidade de considerar a mente geral como sendo a realidade da qual se forma a mente individual .
K : Sim , isso é muito claro .
DB : Mas agora o senhor declara que ultrapassamos até mesmo a mente geral ; e o que significa isso ?
K : Sim , ultrapassamos a mente geral e a particular .
DB : E a mente particular .
K : Bem , mas se alguém na verdade a tiver ultrapassado então , o que é a mente ?
DB : Sim , e o que é a pessoa , o que é o ser humano ? Certo ?
K : O que é um ser humano ? E qual é a relação entre essa mente , que não é feita pelo homem , e a mente feita pelo homem ? Não sei se fui claro .
DB : Bem , já concordamos em chamar isso de mente universal , ou o senhor prefere não fazê-lo ?
K : Não gosto da expressão mente universal ; inúmeras pessoas já a utilizaram . Vamos usar palavras mais simples .
DB : Bem , é a mente que não foi feita pelo homem .
K : Acho que isso é mais simples ; vamos manter assim , uma mente que não foi feita pelo homem .
DB : Nem individualmente nem em geral .
K : Geral ou individualmente , ela não é feita pelo homem . Mas , senhor , eu lhe pergunto , pode alguém na verdade observar , em profundidade , sem nenhum tipo de preconceito , ou algo parecido ? Será que existe uma mente assim ? Compreende o que estou tentando dizer?
DB : Sim , vejamos o que significa observar . Acho que temos aqui alguns problemas de linguagem , porque , veja , dizemos que é preciso observar , e coisas desse tipo , ao passo que . . .
K : Eu observo isto , eu observo .
DB : Quem observa ? O senhor vê , este é um dos problemas que surgem .
K : Já abordamos isso . Não existe divisão na observação . Não existe o eu que observa ; existe apenas a observação .
DB : A observação acontece .
K : Sim .
DB : O senhor diria que ela ocorre num cérebro particular , por exemplo , ou que um cérebro particular toma parte na observação ?
K : Percebo a armadilha que há nisso . Não , senhor , ela não ocorre em um cérebro particular 
DB : Sim , mas parece que um cérebro particular pode responder .
K : É claro , mas não é o cérebro de Krishnamurti .
DB : Não , não quero dizer isso . O que quero dizer com as palavras cérebro particular é que , devido às particularidades da localização de determinado ser humano no espaço e no tempo , ou qualquer que seja a sua forma , mesmo sem lhe dar um nome , podemos afirmar que ele se distingue de qualquer outro que pudesse estar ali .
K : Veja , senhor , vamos deixar bem claro este ponto . Vivemos em um mundo feito pelo homem ; a mente foi feita pelo homem ; nós somos o resultado de mentes feitas pelo homem , bem como nossos cérebros , com todas as suas respostas e tudo o mais .
DB : Bem , o cérebro , propriamente dito , não é feito pelo homem , mas foi condicionado , pelo condicionamento feito pelo homem .
K : Condicionado pelo homem ; certo , é isto que quero dizer . Agora , pode esta mente descondicionar-se de forma tão completa que chega ao ponto de não ser mais feita pelo homem ? Eis a questão - vamos mantê-la neste nível simples . Pode esta mente , mente feita pelo homem - tal como é agora - pode ela ir até este ponto , libertar-se por si mesma de si mesma , e de forma tão completa ?
DB : Sim , é claro , trata-se de uma afirmação um tanto paradoxal .
K : Exato . Paradoxal , mas é real , é assim . Vamos começar de novo . É possível observar que a consciência da humanidade é o seu conteúdo . E seu conteúdo é todo ele de coisas feitas pelo homem - ansiedade , medo , e tudo o mais . E isto não é apenas particular ; isso ocorre em geral . E , tendo feito uma descoberta acerca disso , ela se livrou desse conteúdo .
DB : Isso significa que , potencialmente , a consciência da humanidade sempre foi maior do que isso e que a descoberta permitiu que ela se liberasse disso . Foi esta a sua afirmação ? 
K : Esta descoberta - eu não diria que é potencial .
DB : Bem , há uma certa dificuldade de linguagem . Se o senhor diz que o cérebro , ou a mente , fez uma descoberta acerca do seu próprio condicionamento , então o senhor praticamente afirma que ela se transformou , que não é mais a mesma .
K : Sim , eu afirmo isso ; afirmo . A descoberta transforma a mente feita pelo homem .
DB : Certo . E então ela deixa de ser a mente feita pelo homem .
K : Não é mais a mente feita pelo homem . Fazer essa descoberta significa varrer todo o conteúdo da consciência . Correto ? Não um pedaço de cada vez , mas a totalidade dele . E a descoberta não é resultado do esforço do homem .
DB : Sim ; mas então surge outra questão : de onde vem essa descoberta ?
K : Perfeito . De onde ela vem ? Sim , do próprio cérebro , da própria mente .
DB : De qual : do cérebro ou da mente ?
K : Da mente ; refiro-me à totalidade dela . Espere um minuto , senhor . Vamos devagar - isto é muito interessante , mas vamos devagar . A consciência , geral e particular , é feita pelo homem . E , através da lógica e da razão , podemos ver as limitações . A mente , então , terá avançado muito . E , então , ela chega a um ponto em que diz " Tudo isto pode ser varrido de uma só vez , de um só golpe , com um movimento ? " E esse movimento é a descoberta , o movimento da descoberta . Está ainda na mente . Mas não é mais fruto daquela consciência . Não sei se me faço entender .
DB : Sim . Então o senhor afirma que a mente tem a possibilidade , o potencial de ir além da consciência .
K : Sim .
DB : Mas nós , na verdade , não achamos isso importante .
K : É claro . Este tem de ser um papel do cérebro , um papel da mente .
DB : O cérebro , a mente pode fazer isso , mas em geral não o tem feito .
K : Sim . Mas agora , tendo feito isso , existirá uma mente que não seja feita pelo homem , que o homem não pode conceber , não pode criar , e que não é uma ilusão ? Existe uma mente assim ? Não sei se fui claro .
DB : Bem , acho que o que o senhor está dizendo é que , tendo-se libertado , a mente . . .
K : Do geral e do particular . . .
DB : . . . se libertou da estrutura geral e particular da consciência da humanidade , de seus limites , e a mente agora está muito maior . Agora o senhor diz que a mente levanta uma questão .
K : Sim , a mente levanta uma questão .
DB : Qual é ?
K : Em primeiro lugar , estará essa mente livre da mente feita pelo homem ? 
Eis a primeira questão .
DB : Isso pode ser uma ilusão .
K : Ilusão - é a isso que quero chegar ; precisamos ser muito claros . Não , não se trata de uma ilusão , porque ela enxerga a mensuração como ilusão ; ela conhece a natureza das ilusões e sabe que onde há desejo deve haver ilusões . E que as ilusões devem criar limitação , e assim por diante . Ela não só compreendeu ; ela já ultrapassou isso .
DB : Ela se libertou do desejo .
K : Está livre do desejo . Essa é a natureza . Eu não quero afirmar isso de forma tão brutal . Livre do desejo .
DB : Mas está repleta de energia .
K : Sim , e então essa mente , que não é mais geral ou particular e , portanto , não é mais limitada - a limitação foi quebrada com a descoberta - não é mais a mente condicionada . Então , o que é esta mente ? Estando consciente de que ela não continua mais presa a uma ilusão .
DB : Sim , mas , segundo o senhor , ela perguntava se existe ou não algo muito maior .
K : Sim , e é por isso que eu faço essa pergunta .
DB : O que quer que aquilo possa ser .
K : Sim . Existirá uma mente que não seja feita pelo homem ? E , se existir , qual a sua relação com a mente feita pelo homem ? Isso é muito difícil .
O senhor vê , todo tipo de afirmação , todo tipo de declaração verbal não pode ser a mente não feita pelo homem certo ? Daí perguntamos se existe uma mente que não seja feita pelo homem . E acredito que só há sentido em se fazer esta pergunta quando a outra mente , quando as limitações estiverem varridas ; caso contrário , seria apenas uma pergunta tola .
DB : Dá no mesmo . . .
K : Seria uma perda de tempo . Quero dizer : isso se tornaria teórico , sem sentido .
DB : Seria parte da estrutura feita pelo homem .
K : Claro , claro . Então precisamos estar absolutamente , a pessoa deve estar . . . 
DB : Eu acho que a palavra absoluto só pode ser usada nesse contexto se tivermos bastante cuidado .
K : Muito cuidado , sim . Absolutamente livre de tudo isso . Só então o senhor pode fazer essa pergunta : existirá uma mente não feita pelo homem e , se existir , qual a sua relação com a mente feita pelo homem ?
Bem , mas , em primeiro lugar , existe uma mente assim ? É claro que existe . É claro , senhor . Sem ser dogmático ou pessoal , afirmo que existe .
Mas não é Deus .
DB : Certo , bom .
K : Porque Deus - já falamos a respeito .
DB : É parte da estrutura feita pelo homem .
K : Que produziu o caos no mundo . Então , ela existe . A próxima pergunta , portanto , é : se existe essa mente , e alguém afirma que existe , qual a relação dela com a mente feita pelo homem ?
DB : Sim , a geral .
K : A particular e a geral . Haverá alguma conexão aí ?
DB : Bem , trata-se de uma questão difícil ; poderíamos dizer que a mente feita pelo homem vive permeada de ilusão ; a maior parte do seu conteúdo não é real .
K : Não , e isso é real .
DB : Verdadeira , ou o que quer que seja .
K : Usaremos a palavra real no sentido de verdadeira , isto é , mensurável , confusa - terá esta alguma relação com aquela ? É evidente que não .
DB : Bem , eu diria que tem uma relação superficial , no sentido de que a mente feita pelo homem tem algum conteúdo verdadeiro num certo nível , num nível técnico , digamos , o sistema da televisão , e assim por diante .
K : Bem . . . 
DB : Nesse sentido poderia haver uma relação nesta área ; mas , como o senhor dizia , esta é uma área bastante pequena . Porém , fundamentalmente . . . 
K : A mente feita pelo homem não tem relação com a mente não feita pelo homem ; mas aquela [ a mente não feita pelo homem ] tem uma relação com esta [ a mente feita pelo homem ] .
DB : Sim , mas não com as ilusões da mente feita pelo homem .
K : Espere um pouco , vamos ser claros : minha mente é a mente feita pelo homem . Ela tem ilusões , desejos e tudo o mais . E existe aquela outra mente que não tem , que está além de todas as limitações . Essa mente ilusória , a mente feita pelo homem , está sempre buscando a mente não feita pelo homem .
DB : Sim , este é o seu principal problema .
K : Este é o seu principal problema . É medir , é avançar , chegar mais perto , mais , e todo o resto . E essa mente , a mente feita pelo homem , está sempre em busca da mente não feita pelo homem , e , portanto , cria mais e mais logros , confusão . Esta mente feita pelo homem não tem relação com a mente não feita pelo homem .
DB : Sim , porque qualquer tentativa de alcançar a mente não feita pelo homem é uma fonte de ilusão .
K : Claro , claro , evidente . Bem , mas terá a mente não feita pelo homem alguma relação com a mente feita pelo homem ?
DB : Bem , o que eu estava sugerindo é que deve haver uma relação pois , se tomarmos todas as ilusões que se encontram na mente feita pelo homem , tais como os desejos , o medo , e assim por diante , a mente feita pelo homem não tem nenhuma relação com a mente não feita pelo homem porque , de qualquer forma , essas ilusões são invenções .
K : Sim , está entendido .
DB : Mas a mente não foi feita pelo pode ter uma relação com a mente feita pelo homem na compreensão de sua verdadeira estrutura .
K : Está dizendo , senhor , que a mente não foi feita pelo homem tem uma relação com a mente humana no momento em que supera suas limitações ?
DB : Sim , ao compreender essas limitações , ela as supera .
K : Sim , ela as supera . Então , existe uma relação .
DB : Então ela tem uma relação genuína com aquilo que a mente limitada é de fato , não com as ilusões do que ela pensa que é .
K : Vamos ser mais claros .
DB : Bem , precisamos usar as palavras com exatidão - a mente que não é limitada , certo , a mente que não é feita pelo homem , não pode ter relação com as ilusões que se encontram na mente feita pelo homem .
K : Perfeito . Concordo .
DB : Mas ela tem que ter uma relação com a fonte , por assim dizer , com a verdadeira natureza da mente feita pelo homem , que está por trás da ilusão .
K : Ou seja , em que se baseia a mente feita pelo homem ?
DB : Bem , em tudo isso sobre o que falamos .
K : Sim , que é a sua natureza . Portanto , como pode a mente não feita pelo homem ter um relacionamento com a mente feita pelo homem , mesmo em termos básicos ?
DB : A única relação consiste em compreendê-la , de maneira que alguma comunicação se torne possível , o que poderia terminar em . . . poderia comunicar-se para a outra pessoa . . .
K : Não , eu estou questionando isso .
DB : Mas o senhor disse que a mente que não é feita pelo homem pode se relacionar com a mente limitada , e não o inverso .
K : Eu questiono até mesmo isso .
DB : Isso pode ou não ser assim , isso é o que o senhor está dizendo ao questioná-lo .
K : Sim , eu questiono isso .
DB : Muito bem .
K : Qual é então a relação entre o amor e o ciúme ? Existe alguma ?
DB : Não com o ciúme , propriamente , que é uma ilusão , mas pode haver com o ser humano ciumento .
K : Não , estou considerando o amor e o ódio - duas palavras ; amor e ódio ; ódio e amor não têm relação alguma um com o outro .
DB : Não , na verdade não .
K : Nenhuma , nenhuma mesmo .
DB : Eu acho que o amor é capaz de compreender a origem do ódio .
K : Ah , poderia - sem dúvida , poderia .
DB : Nesse sentido , eu acho que pode haver alguma relação .
K : Percebo , compreendo . O senhor afirma que o amor pode compreender a origem do ódio , como surge o ódio , e tudo o mais . Será que o amor compreende isso ?
DB : Bem , eu acho que , num certo sentido , ele compreende a sua origem na mente feita pelo homem , que tendo enxergado a mente feita pelo homem e toda a sua estrutura , e tendo se afastado dela . . . 
K : Estamos dizendo , senhor , que o amor - usaremos esta palavra por enquanto - que o amor tem uma relação com o não-amor ?
DB : Apenas no sentido de dissolvê-lo .
K : Não tenho certeza , não tenho certeza ; precisamos ter muito cuidado aqui . Ou será ele o fim do próprio ódio . . . ?
DB : Não entendi .
K : O fim do ódio ; o outro existe ; o outro não tem relação com a compreensão do ódio .
DB : Sim , bem , precisamos então perguntar como ele começa .
K : Isso é muito simples .
DB : Não , mas eu quero dizer : suponhamos que tenhamos ódio .
K : Eu tenho ódio . Suponha que eu tenho ódio . Posso ver a sua origem .
Porque você me ofendeu .
DB : Bem , esta é uma noção superficial da origem ; refiro-me à origem mais profunda , ou seja , o que leva alguém a se comportar de modo tão irracional .
Veja , não há nada real - se você apenas diz " você me ofendeu " , pergunto : por que o senhor responderia ao insulto ?
K : Porque todo o meu condicionamento é nesse sentido .
DB : Sim , é isso o que entendo por compreensão da origem . . . 
K : Compreendo isso , mas será que o amor me ajuda a compreender a origem do ódio ?
DB : Não , mas eu acho que alguém tomado de ódio , ao compreender sua origem e ultrapassá-la . . .
K : . . . aí , então , o outro existe . O outro não pode ajudar este movimento de afastamento .
DB : Não , mas a pergunta é : suponha que uma pessoa , se o senhor prefere assim , tem esse amor e o outro não o tem , pode o primeiro comunicar algo que irá dar início ao movimento do segundo ?
K : Isso significa : A pode influenciar B ?
DB : Influenciar não , mas talvez pudesse provocar uma pergunta do tipo , por exemplo : por que falar disso ?
K : Isso é outra coisa - o problema é outro . Não , senhor ; a questão é : poderá o ódio ser dispersado pelo amor ?
DB : Não , não é isso , não .
K : Ou será que , havendo a compreensão do ódio e o fim dele , o outro existe ?
DB : Certo , mas , se dissermos que em A o amor agora está presente - certo ? A alcançou aquela mente .
K : Sim .
DB : A ama , e ele vê B . . .
K : B atingiu o outro .
DB : Bem , mas dizíamos , o que ele irá fazer , percebe ? Essa é a questão .
K : Qual a relação entre os dois ?
DB : É a mesma pergunta .
K : Sim , a mesma pergunta .
DB : O que ele irá fazer é uma outra forma de fazer a pergunta .
K : Eu acho que - espere um momento , senhor . Eu tenho ódio , o outro tem amor . Minha mulher ama e eu odeio . Ela pode falar comigo , pode me mostrar isso , a irracionalidade disso , e assim por diante , mas o amor dela não irá modificar a fonte do meu ódio .
DB : Está muito claro , sim , mas o amor dela é a energia que está por trás do diálogo .
K : Por trás do diálogo , sim .
DB : Não é como se o próprio amor aparecesse por ali e dissolvesse o ódio .
K : É claro que não - esta é uma afirmação romântica . Então o homem que odeia e tem uma idéia clara acerca da origem desse ódio , acerca da causa disso , do seu movimento , e acaba com ele , tem o outro .
DB : Sim , eu acho que podemos dizer que A é o homem que enxergou tudo isso e que agora tem energia para passar isso para B - mas depende só de B o que venha a acontecer .
K : É claro . Eu acho que deveríamos explorar mais este assunto .
Texto : ( do livro SOBRE A MENTE E O PENSAMENTO pags. 83 a 98 ) KRISHNAMURT
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