segunda-feira, 23 de julho de 2012

" TOMANDO PERSPECTIVA "

A humanidade que nós conhecemos não é , de forma alguma , " feita à imagem e semelhança de Deus " , a que se refere o Gênesis . Nem mesmo a humanidade ocidental , com quase 2000 anos de Cristianismo . Ninguém pode ver no homem a coroa da creação - nesse animal bípede ligeiramente intelectualizado do pescoço para cima , cuja inteligência , aliás , o tornou a mais perigosa das feras que habitam o nosso planeta . A intelectualização do instinto fez do homem um monstro de ganância e agressividade , cujas garras e dentes se aperfeiçoaram em forma de metralhadoras , bombas atômicas e aviões de bombardeio ; fez dele uma repugnante caricatura de sexualismo desbragado e um inferno de doenças físicas e mentais , que nenhum animal selvagem conhece
Verdade é que , de longe , aparece algum homem individual que lembra um reflexo da Divindade - mas esses homens esporádicos não representam 1% , nem sequer 1/1000% da humanidade total .
Devemos então admitir que as Potências Cósmicas falharam quando diziam " façamos o homem à nossa imagem e semelhança " ? Devemos supor que a tal serpente astuta tenha derrotado os Elohim ? E que tenha até frustrado a obra do Cristo Redentor , que parecia ter vindo para reintegrar a humanidade no seu grande destino ?
Se não podemos ver no homem a coroa da creação , e se , por outro lado , não podemos admitir uma falência da Divindade e do Cristo , só nos resta recorrermos a uma terceira alternativa .
Deus creou o homem o menos possível , para que o homem se possa crear o mais possível " .
Estas palavras geniais de um pensador moderno significam que as Potências Creadoras , a que se refere o Gênesis , não tinham , de início , a intenção de colocar aqui na terra uma espécie tura divinamente perfeita ; mas lançaram à terra uma espécie de semente humana dotada de uma creatividade inédita , que , através de milênios futuros , pudesse desenvolver-se numa creatura diferente e superior a todas as creaturas já existentes na face da terra .
Toda vez que o Gênesis narra o término de um dos seis yom da creação , diz ele : " E os Elohim viram que era bom " .
Mas quando eles encerram o último período creador , que se refere ao homem , diz o Gênesis : " E os Elohim viram que era muito bom " .
Bom é o mundo das creaturas creadas , muito bom é o mundo da creatura creadora , o homem . Muito bom é o homem , apesar de poder ser muito mau - é esta a sabedoria paradoxal dos Elohim . Grande é um artífice capaz de fazer uma máquina de alta precisão - genial seria um artífice que fosse capaz de inspirar à matéria-prima a possibilidade de produzir por impulso intrínseco , uma máquina de alta perfeição .
Ao crear o homem , as Potências Cósmicas o dotaram de uma parcela da genialidade creadora da própria Divindade , para que ele , em virtude dessa creatividade , se pudesse fazer melhor e maior do que Deus o fez .
Nesta creação indireta se revelou o Creador maior do que em todas as suas creações diretas . Todas as creações eram boas - muito boa , porém , é a creação do homem .
Mas , se o homem tem a intrínseca possibilidade de se fazer melhor do que o Creador o fez , possui também a possibilidade de se fazer pior do que Deus o fez . Se não houvesse duas alternativas opostas , não haveria livre arbítrio .
Uma única creatura auto-realizável reverte em maior glória do Creador do que milhões de creaturas alo-realizadas .
De maneira que o plano das Potências Cósmicas não foi frustrado por um poder adverso . Esse poder adverso era necessário para que o homem fizesse de si algo maior do que dele fizera o Creador . O aparente caráter adverso da serpente era , na realidade , um fator complementar para atualizar a potencialidade creadora do homem embrionário . A aparente anti-dromia dos Elohim revela a maior genialidade creadora , que delegou à creatura humana uma parcela da sua creatividade divina .
Também Paulo de Tarso parece ter vislumbrado esta verdade quando escrevia : " Onde abundou o pecado superabundou a graça " . E o hino pascal do Exultet enaltece a " culpa feliz " e o " pecado necessário " que culminou em tão " glorioso redentor " . E não advertiu o próprio Cristo : " Por Moisés foi dada a lei , mas pelo Cristo veio a verdade e a graça " ? A lei é a imperfeição do ego adâmico , a verdade e a graça são a perfeição do Eu crístico .
Os intérpretes exotéricos não são capazes de compreender a genialidade esotérica do Creador ; a sua visão unilateral interpreta erroneamente a visão onilateral  das Potências Creadoras , que sabem escrever direito por linhas tortas . O homem de visão míope enxerga apenas as linhas tortas da humanidade , e não vê o plano direito da visão cosmorâmica da Divindade .
A evolução , sobretudo a do homem , vai com passos mínimos em espaços máximos , e as leis cósmicas são essencialmente elitizantes , e não massificantes . Não se interessam por perpetuar massas quantitativas , mas visam tão-somente a realização de uma elite qualitativa . O Verso do Universo está a serviço o Uno ; as massas quantitativas convergem para uma elite qualitativa ; as horizontalidades culminam numa verticalidade . As leis cósmicas não pretendem " salvar " a humanidade , mas sim " realizar " o homem . Toda a tendência do Universo é ascensionalmente evolutiva e hierarquizante .
Todos os livros sacros , desde o Gênesis até ao Apocalipse , são esotéricos , que não podem ser compreendidos pelos exotéricos profanos , mas tão-somente pelos esotéricos iniciados .
Quanto mais o homem se concentra no Uno da implosão intuitiva tanto mais compreende ele o Verso da explosão analítica do Universo - seja do macrocosmo sideral , seja do microcosmo hominal .
A nova humanidade , depois de se expurgar das escórias da velha humanidade , através de milênios de luzes e trevas , de altos e baixos , de verdades e erros , voltará ao seu habitáculo original , ao mais belo dos planetas do nosso sistema solar envolto na feérica gaze azul da atmosfera , como o descrevem os cosmonautas lunares .
E só então , depois de haver um " novo céu " , haverá também uma " nova terra " - e então o Reino dos Céus será proclamado sobre a face da terra .
Ninguém pode imaginar o que será dum bloco de mármore amorfo , enquanto algum Miguel Ângelo o desbasta com violentas marteladas ; somente o próprio escultor conhece a efígie futura - algum Moisés , algum Pietá - porque essa efígie já existe em sua mente de artista antes de emergir da matéria bruta .
Na humanidade de hoje existe a imagem e semelhança de Deus , não atualmente , mas potencialmente . Muitas marteladas são necessárias até que o " Filho do Homem " latente no " filho de mulher " apareça em sua glória .
Sócrates , o genial filósofo que nunca escreveu filosofia , era também um exímio escultor . Foi encarregado pelo Prefeito de Atenas de esculpir uma ninja , de um bloco de mármore branco de Paros . E , quando a formosa entidade emergiu do bloco amorfo , todos felicitaram Sócrates pela obra-prima do seu engenho . O filósofo , porém , recusou os elogios , porque , dizia , não fora ele que fizera essa ninfa ; ela estava escondida no bloco de mármore ; ele apenas removeu o que impedia a sua visão aos olhos do público . Sócrates já via a ninfa antes de ela ser visível aos olhos corpóreos .


* * *

. . . Nas seguintes páginas , tentaremos focalizar a sapiência paradoxal da anti-dromia cósmica dos Elohim , que se servem das trevas para realçar a luz e repartem com o homem a sua creatividade , para que ele se faça maior do que eles o fizeram .

QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM DO CRISTO À HUMANIDADE

A mensagem do Cristo , segundo o Evangelho , não tem caráter 
- ritual ,
- nem moral ,
- nem intelectual ,
- nem social .
A mensagem do Cristo é essencialmente 
- metafísica ,
- ontológica ,
- real ,
- cósmica .
Mas , como esta mensagem incidiu num ambiente humano de baixa compreensão , foi ela , de início , condicionada e contagiada pela atmosfera circunjacente . O conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus contenedores humanos .
Dos mistérios pagãos do Império Romano herdou o Cristianismo o seu colorido ritualista-sacramental , segundo o qual a salvação do homem consiste em certas práticas mágicas e ocultistas , relacionadas com determinados objetos , fórmulas , gestos , etc .
O judaísmo contemporâneo afetou o Cristianismo nascente com a idéia da redenção pelo sangue , consoante a cerimônia do " bode expiatório " que se realizava anualmente em Jerusalém , e que foi sublimada por um ex-rabino judaico convertido ao Cristianismo , iniciando a concepção bárbara do sangue de Jesus a lavar os pecados da humanidade .
Mais tarde , nos primórdios da Renascença , a mensagem do Cristo foi interpretada intelectualmente , projetada sobre o fundo duma análise da letra da Bíblia , e num ato de fé fiducial no sangue de Jesus .
Por fim , em nossos dias , o Cristianismo foi identificado com filantropia social , obras de caridade e altruísmo , relacionados com a idéia evolutiva de reencarnações sucessivas .
Todas estas versões podem , até certo ponto , ser aceitas como fenômenos concomitantes e subsequentes - mas nenhuma delas representa o centro e cerne da autêntica mensagem do Nazareno .
Ritos , sacrifícios , estudos , crenças , altruísmos - tudo isto pertence ainda à velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico-mental-emocional , conceito que o Cristo transcendeu totalmente . Para ele , o homem não é esse seu invólucro , nem mesmo na forma mais sublimada , que ele chama " remendo novo em roupa velha " ; o homem não é a sua persona ou personalidade , mais sim o seu Eu interno , a sua profunda e divina individualidade , a sua alma ou espírito que o Cristo chama o " Pai " , a " Luz " , o " Reino " , o " Tesouro oculto " , a " Pérola preciosa " .
Esta concepção que o Nazareno tem do homem e que forma a quintessência de toda a sua mensagem , é profundamente metafísica , ontológica , realista , cósmica .
A mensagem do Evangelho não visa , em primeira linha , a transformação do homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso , que Jesus rejeita com " remendo novo em roupa velha " ; mas convida o homem a descobrir a sua realidade divina , já existente nele , mas ainda inconsciente ; convida-o a tirar a sua luz divina de baixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no candelabro da sua consciência ; convida o homem a conscientizar o Pai , a Luz , o Reino , o Tesouro , a Pérola , que o homem é por natureza , mas que ignora ser ; o Cristo convida o homem àquilo que os filósofos orientais e , ultimamente , também os psicólogos ocidentais denominam " auto-conhecimento " , e que no Evangelho aparece com o nome do " primeiro e maior de todos os mandamentos " .
A mensagem do Cristo não se refere , primariamente , a algo que o homem deva fazer , mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente ; e deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontâneamente o fazer do segundo mandamento da ética - a vivência ética da fraternidade universal é , para ele , o irresistível transbordamento da experiência , mística da paternidade única de Deus . Auto-conhecimento místico produz auto-realização ética .
Numa palavra : a mensagem do Cristo gira inteiramente em torno da Realidade Metafísica do homem cujo centro e cerne é Deus , o Absoluto , o Infinito , o Eterno .
Quando o homem se identifica ainda com o seu ego humano , e procura fazer desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom , anda ele no " caminho estreito " e passa pela " porta apertada " do dever compulsório  , sempre difícil e sacrificial ; mas , depois de despertado para a consciência da realidade do seu Eu divino entra na zona do " jugo suave e do peso leve " do querer espontâneo ; passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da compreensão , e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa - e só então encontra ele " repouso para sua alma " .
Quando Mahatma Gandhi escreveu que " a Verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro " , compreendeu ele que a dureza diamantina do tu deves se pode associar à delicadeza flórea do eu quero - eu quero espontâneamente o que devo necessariamente - suposto que o meu ego virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente .
Neste ocaso do segundo milênio da era cristã , e quase na alvorada do terceiro milênio , encontramos , em todas as partes do mundo , uma elite de homens que estão começando a suspeitar - a " farejar " , como diz J . W . Hauer - que a mensagem do Nazareno encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do que , geralmente , lemos e ouvimos no ocidente cristão . Estamos começando a descobrir a alma do Evangelho . Entretanto , para esta compreensão é necessário que o homem transcenda a sua intelectualidade analítica e ingresse na nova dimensão de uma consciência intuitiva - que o homem parcial de hoje passe a ser o homem integral de amanhã .
Texto : Huberto Rohden ( do livro Entre Dois Mundos págs . 11 a 19 )
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