domingo, 1 de julho de 2012

" O MAL EM NOSSO TEMPO "

Os acontecimentos dos últimos decênios proporcionam , nada mais e nada menos , do que um comentário visível às mensagens que profetas inspirados como Jesus , Krishna e Buda tiveram o privilégio de transmitir . Os tempos sem precedentes que vivemos provam tão-só , com fatos terríveis , o que esses homens pregaram com palavras . Provam que a descrença religiosa e a tendência materialista de toda uma geração , o duro ceticismo que lhes degradou os valores e lhes pôs a nu os instintos , oferecem uma base demasiado insegura para a vida humana .
O materialismo - e com essa palavra pretendemos designar não só a doutrina abertamente confessada e grosseiramente óbvia que corre sob esse nome , mas também as suas formas inconscientes e disfarçadas - tem sido a desgraça do nosso tempo . A impressão total de todas as formas que ele assumiu - e elas podem ser encontradas nas esferas científicas , políticas , educacionais , literárias , artísticas , eclesiásticas e legais também - é horrível . O fim de tudo isso é a figura aterradora e a capacidade vulcânica de destruição da bomba atômica .
E a consequência natural da crença na supremacia final do pensamento intelectual levado aos seus extremos lógicos e não equilibrado pela intuição espiritual . Na guerra , o mal humano sempre aparece em sua pior forma e os seus efeitos em sua forma mais difundida . Com o descobrimento da bomba atômica , o caminho que conduz à completa autodestruição de uma grande parte da civilização está agora escancarado . Nada na história se compara a essa terrível situação .
Não basta compreender o trágico e , ao mesmo tempo , histórico significado desses acontecimentos que sacodem o mundo . Precisamos também compreender-lhes o significado religioso , metafísico e filosófico implícito . E , como já ficou dito , isto não pode ser feito adequadamente se não projetamos sobre eles a luz de doutrinas , como a da inevitabilidade da evolução espiritual e a da fatalidade  da lei da recompensa .
Pois sem elas é muito difícil explicar por que a sociedade está como está . A situação psicológica , criada pela crise e pela guerra e que se expressa na trágica situação física , só pode ser convenientemente compreendida à luz destas e outras verdades correlatas . Os iníquos pensamentos e emoções , as más paixões e ações da humanidade precisam quinhoar da responsabilidade . A sua civilização recebeu , sem dúvida , as recompensas de um egoísmo míope , pois viu tantas coisas materiais , que lutou por conseguir , bem como tantos ideais , que lutou por atingir , desmoronados em suas mãos .
A maioria das pessoas presume que só o bem tem o direito de mostrar-se ativo na terra . Portanto , a presença de tanto mal lhes desconcerta a mente . Parece que esse mal , abundante demais e continuo demais , não se ajusta adequadamente a um plano de inspiração divina . O crime e a violência dos últimos tempos , o horror e o choque da história recente levaram muita gente que antes a ignorava a meditar sobre a questão do mal . Uma geração que ouviu uma propaganda iníqua , que presenciou iníquas atrocidades e observou movimentos inescrupulosos tendentes à dominação do mundo , teria de ter o cérebro muito mole para não concluir que alguma influência maligna está operando nos assuntos humanos e que forças malignas estão manifestando , no meio dessa geração , as suas conturbadoras atividades . A existência - não menos que o poder - do mal patenteou-se tão abertamente , e tão selvagemente , e tão insistentemente aos seus olhos nos últimos tempos que aqueles que , influenciados por extravagantes teorias otimistas , outrora fechavam os olhos para ele , viram-se forçados a abri-los e a reconhecê-lo . Um ato assim , retardado e perplexo , é penoso .
A concepção materialista do mal considerava-o como um subproduto dos meios físicos e das circunstâncias temporárias , que seria corrigido pela simples correção dessas coisas físicas .
Mas o tipo de mal que tanto prevalece em nosso tempo , glorifica a brutalidade por amor da própria brutalidade , justifica a opressão por amor do opressor , exalta a cobiça , ridiculariza a religião e escarnece da consciência , tanto pelo prazer que lhe proporcionam tais atividades quanto pelas suas recompensas . Os homens que o praticam amam-no tão intensamente quanto os santos amam a Deus . Já não se pode sustentar sensatamente , como até aqui têm sustentado os materialista dialéticos e racionalistas , que as circunstâncias externas , sozinhas , são suficientes para explicar o caráter desagradável dessas criaturas perniciosas . Evidencia-se , pelo contrário , que a iniquidade da conduta humana se origina do fato de ser o mal um elemento real nos seres humanos , independente do meio e das circunstâncias humanas . É deplorável mas , infelizmente , é também exato que esse elemento se faz valer com maior facilidade e maior frequência do que o bem . A perversidade histórica da natureza humana , a sua constante inclinação para o mal , desalenta o filantropo .
A filosofia não encara o problema com indiferença , como alegou o colaborador do Times de Londres que fez a crítica de The Wisdom of the Overself ( A Sabedoria do Eu Supremo ) , senão com seriedade . Nada que se escreveu naquele livro levava a intenção de negar a horrível realidade do mal , a constante atividade do mal , a terrível devastação que ele provocou na história humana e a sua pavorosa realidade nas vidas humanas .
Que se permitisse à humanidade cair nas suas medonhas profundezas parece indicar uma falta de bondade na divina idéia do mundo . Os homens não devem ser censurados por contestar a bondade divina e duvidar da divina sabedoria .
Eles fazem , frequentemente , a seguinte pergunta a si mesmos : Por que há de o Poder Superior ( que eles chamam Deus e que , na realidade científica , é a Mente Universal ) , tão universalmente considerado como benéfico , permitir que esses males e esses horrores ameacem a humanidade ? Mas deveriam formular também a si mesmos a pergunta seguinte , a saber , se a Idéia Universal poderia ter realizado completamente o seu elevado propósito em relação à humanidade sem permitir tais experiências ? Se ela tenciona trazer toda entidade humana à plenitude da autoconsciência moral , intelectual e espiritual , a esfera de experiências , que a entidade deve poder percorrer com toda a liberdade , terá de ser suficientemente ampla e , portanto , suficientemente contrastante , para atingir a sua meta . Se se tivesse limitado essa esfera à ausência do mal , se se houvessem restringido as espécies de experiência apenas ao que nós conhecemos como o bem , teria sido impossível a plena consecução da autoconsciência humana . Afinal de contas , isto é uma questão não só de moral , mas também de conhecimento . Não há , com efeito , outro modo capaz de propiciar à humanidade todas as condições necessárias ao desenvolvimento de todas as suas faculdades . O simples fato de permitir a Mente Universal a existência do mal deveria mostrar que este tem um lugar temporário , inevitável , na economia das coisas .
Nenhum modo de vida consciente poderia ter sido inventado que proporcionasse a felicidade perfeita e a bondade sem mistura e ensejasse , ao mesmo tempo , as variadas experiências e os diversos estados necessários ao desenvolvimento dos conhecimentos , da inteligência , do caráter e da espiritualidade do ser humano .
Se bem que algumas facetas desse desenvolvimento pudessem ter sido obtidas por uma monotona experiência unilateral , propiciando apenas o aprazível desfrutar da vida , partes importantes da psique teriam ficado , necessáriamente , não tocadas por ela .
Somente ministrando um curso de experiências mutáveis , que palmilhassem um caminho mais amplo e mais variado e também incluíssem os opostos do sofrimento e do mal , poderia conseguir-se a plena e completa evolução do homem . A lembrança da treva passada de ignorância lhe acentua a apreciação da luz atual do conhecimento . O vívido contraste entre as duas condições torna-o muito mais consciente do significado e do valor da condição superior . Sem a experiência de ambas para se complementarem , ele não distinguira o bem do mal , a bem-aventurança do sofrimento , a realidade da aparência , a verdade da falsidade . Como se lhe poderia , por exemplo , lograr a ampliação espiritual da consciência sem as condições produtoras do sacrifício e da abnegação ? O bem só se torna significativo em contraste com o mal , que é , na realidade , a negação do bem . A consciência do som como som precisa estar sempre acompanhada da consciência do seu oposto e diferenciador , o silêncio . Não poderia existir manifestação alguma de um universo sem esse jogo de contrários . Assim que o Um se fez Dois , começou . Daí que o nascimento e a morte apareçam em toda parte no universo , o prazer e a dor no homem !
Heráclito de Éfeso comentou judiciosamente que Homero errara ao dizer : " Oxalá desaparecesse essa luta entre deuses e homens " , pois não vira que estava realmente desejando a destruição do universo e que , se a sua prece fosse atendida , todas as coisas teriam perecido . Todo biologista cujos estudos foram além da superfície das coisas conhecidas sabe o que todo metafísico deveria saber , isto é , que o processo do mundo , inevitávelmente , é uma atividade e uma luta entre forças criativas e forças destrutivas . O cosmo não poderia estar continuamente vivo se não estivesse também morrendo continuamente . A luta dessas forças opostas é um eterno movimento , que se reflete no nascimento de estrelas majestosas e na morte de minúsculas células . Somente um universo estático e imóvel teria podido evitá-lo . Para que o homem não fosse um robô mecânico , foi preciso que ele tivesse uma vontade livre , dentro dos limites impostos pela sua natureza e pelo propósito universal . Foi preciso que se lhe outorgasse o poder de escolha . E para que ele pudesse ter liberdade para escolher o bem , era mister que também tivesse liberdade para escolher o mal . Que ele agiria mal , que entraria em conflito com os seus semelhantes , e que chegaria a contrapor a sua insensatez à sabedoria de Deus , estava previsto desde o princípio : era , com efeito , uma decorrência inevitável do haver ele iniciado a sua vida consciente presa da ignorância e do desejo . Através da experiência , acabaria aprendendo a agir corretamente e essa fase escura da sua carreira desapareceria . Somente pela experiência com o mal é que o valor do bem poderia ser adequadamente compreendido .
Deus deu ao homem liberdade suficiente para elaborar o seu destino , e visto que existem , ao mesmo tempo , o bem e o mal misturados em sua natureza , quando o volume do mal assume proporções agigantadas e a sua força cresce , produz inevitavelmente consequências como as que hoje o ameaçam .
Entretanto , esta não pode ser a única e bastante explicação da sua situação atual . Uma vez que o seu livre arbítrio não pode operar no interior do vácuo , é preciso que haja outras forças em ação dentro do seu meio , modificando-o influenciando-o , e até , por fim , dirigindo-o . Há de haver um tipo qualquer de modelo grosseiro no universo , a que as suas próprias atividades , finalmente , se ajustarão . A menos que topemos com algum vislumbre desse modelo , não seremos capazes de compreender suficientemente por que tantos milhões de pessoas , aparentemente boas e decentes , devam estar expostas ao sofrimento e às afições resultantes das perversas atividades de outros homens .
Mais ainda , quando a própria civilização está tão sombriamente ameaçada por tais atividades .
Que o próprio livre arbítrio do homem foi o criador de tão grande parte dos males e das aflições do mundo , é óbvio .
Que com o seu aprimoramento moral essa deplorável situação se aprimoraria é igualmente óbvio . Mas a própria situação não poderia ter surgido senão pela permissão e dentro da concepção da Mente Universal . Onde haverá uma liberdade mais do que parcial para o homem quando , desde o começo , ele é obrigado a aceitar , sem possibilidade de escolher , certa raça , certo país , determinada família , determinado status econômico , um estado de saúde ou de doença e uma abundância ou uma falta de energia , de intelecto , de vontade e de intuição ?
Dessa maneira , grande parte do curso e uma parte do fim da sua vida são ditadas pela Natureza , pelo destino , por Deus .
Nenhuma entidade humana determinará o seu curso com inteira liberdade . Nenhuma entidade humana se desviará do plano cósmico com absoluta independência . A liberdade de todas as entidades humanas é limitada , como é dependente o seu poder . O homem nunca possuiu , não possui agora e nunca possuirá o livre arbítrio absoluto . Acima da sua própria vontade flutuante está a inexorável vontade cósmica . Todo o seu desenvolvimento individual é apenas parte do plano evolutivo para o próprio cosmo , e é controlado por esse plano . Não cabe ao seu capricho interno nem ao acaso externo a decisão acerca do resultado desse desenvolvimento .
Se todo o cosmo é uma emanação da Mente Divina , que , embora misteriosamente transcendente , também é significativamente imanente , não poderá haver força nem entidade dentro dele que não esteja fundamentalmente arraigada na beneficência , na sabedoria e na serenidade da divindade . Ela pode ter a sua origem obscurecida , pode parecer , pensar e agir iniquamente , mas só o fará com a permissão e o consentimento de Deus . Por conseguinte não é apenas o emprego ignorante e iníquo , feito pelo homem , do seu livre arbítrio que explica o mal humano e o sofrimento humano , mas também a própria Ideia cósmica . E isto é alguma coisa que lhe foge ao controle e está além da operação da sua vontade . Os males e a dor que lhe ensombram a existência foram sancionados e incluídos no método do seu desenvolvimento interior .
Este é o mundo de Deus ; não poderia ser de mais ninguém .
Há de ser , finalmente , uma expressão da sabedoria de Deus .
Por conseguinte , quando encontramos nele coisas e pessoas , acontecimentos e espetáculos que nos afrontam porque são mais diabólicos do que divinos , a reação de instintiva repugnância é bem humana , mas a deficiência está em nossa faculdade visual , o desprazer está na limitação do nosso entendimento e não pode estar em nenhum outro lugar . Em toda parte há sinais de que o poder divino trabalha em nosso meio . Mas é claro que olhos que não estejam espiritualmente abertos não poderão vê-los . Fora melhor que lastimássemos a presença da nossa cegueira do que a ausência da atividade de Deus . O que podemos ver no estado atual do mundo e na história passada depende do que somos dentro em nós mesmos . Se formos moralmente tortuosos , consideraremos tortuosas também quase todas as pessoas que conhecemos . Se não pudermos encontrar nenhum significado mais profundo em nossa natureza , nenhum propósito mais alto em nossas vidas , não veremos propósito nem significado no mundo que nos rodeia . O descobrimento de um eu divino em nosso coração será um dedo apontado para a presença de uma mente divina por detrás de todo o universo a que pertencemos .
À medida que a entidade humana evolui em conhecimento e em consciência , modifica a sua concepção do que é ou não é o mal , assim como modifica a sua concepção do que é ou não é desejável . À proporção que vai colocando as diversas peças do mosaico do padrão universal em seus lugares , de modo que o todo se torne cada vez mais significativo , à proporção que , a princípio , controla as emoções pessoas negativas e , mais tarde , delas se desfaz , à proporção que desenvolve uma vida interior calma e impessoal , a sua própria atitude para com os males da vida se modifica . À mudança se faz vagarosa e relutantemente mas , no fim , a entidade já não é capaz de resistir-lhe à feitura .
Pois na medida em que deserta a pequenez do ego e responde à direção do eu superior em outros assuntos , assim deve responder aqui . A sua modificação mais alta resulta do descobrimento do seu divino eu , quando a relatividade do mal se torna perfeitamente clara e a evanescência do ego no fundo de quadro da eternidade se torna perfeitamente visível .
Se , apenas do ponto vista alto possível , o mal é uma ilusão e o bem é o oposto do mal , haverá quem pergunte se o próprio bem , nesse caso , não será uma ilusão também .
A resposta é que existem dois " bens " . Existe um bem relativo , que , sendo o verdadeiro contrário do mal , é ilusório . Existe um bem absoluto , que é uma qualidade do Poder Vital Uno e Infinito ; esse é o verdadeiro bem . O mal , por si mesmo , não tem existência eternamente real . Em nossa vida humana comum encontramos contraditada essa afirmativa . Com a nossa mentalidade humana comum achamo-la incrível . Para torná-la aceitável faz-se mister uma vida de solidão quase tibetana .
O que temos de aprender , conquanto seja tão difícil de aceitar , é que o pensamento divino do universo não é apenas perfeito e bom em seu primeiro e em seu último estágios , mas o é também em seu estágio atual . Se vemos o mundo numa confusão de tragédias e sofrimentos , de caos e de pecado , a confusão , na realidade , está em nossa visão , em nossa maneira peculiar de encarar as coisas . Se for difícil compreender esse enunciado , será proveitoso chegar à compreensão pelo confronto da experiência da realidade do mal por que passa a humanidade com a experiência de um pesadelo por que passa o homem adormecido . As medonhas ou odiosas figuras que lhe surgem no pesadelo estão , indiscutivelmente , presentes diante dele , os tormentos e terrores que o acometem são , de fato , muito reais para ele . Entretanto , ao despertar , vê-os a todos como realmente são , reconhece-os como eram no próprio pesadelo - simples ideias . Do ponto de vista prático imediato não há dívida de que o mal é um fator real , difundido , poderoso , mas limitado , na existência humana . Sem embargo , do ponto de vista filosófico final , não é o que parece ser . Existe , por certo . Mas a existência é relativa ao corpo humano com o seu pensar finito . Não se pode negar-lhe a presença mas , ao mesmo tempo , existe um fator mais alto por detrás dele , como existe um fator mais alto por detrás do corpo humano .
Desde o princípio se atribuíram papéis tanto ao mal quanto ao sofrimento no desenvolvimento humano . Eles não apareceram por acaso nem em virtude de alguma " queda " inesperada .
Não foram introduzidos , contra a vontade divina , por algum poder satânico . O cair em pecado e o experimentar a dor fazem parte da Ideia cósmica . Não são acidentes cósmicos nem erros cósmicos . A sabedoria divina trabalha tanto neles quanto em tudo o mais . A falha está na percepção humana , na impaciência humana , na limitação humana . É a sua qualidade e o seu grau de consciência que fazem um homem perceber apenas o mal onde outro percebe o mal e o bem , e compreende que o mal humano é a consequência , ao mesmo tempo , do livre arbítrio humano e do custo da evolução humana .
É difícil defender as crueldades da Natureza . A destruição que ocorre no fervilhante reino animal , e que não desperta a atenção , sobrepuja a destruição que se verifica no reino humano durante uma guerra mundial , que desperta a atenção do mundo inteiro . Mas o nascimento de formas vivas em nosso plano tem de ser seguido pela morte deles naquele plano .
Esses dois pólos da Natureza , o positivo e o negativo , são o corolário inevitável da manifestação cósmica . Se o intelecto só pode justificar as crueldades da Natureza divorciando-se de todas as mais belas emoções , não nos esqueçamos de que ele só lida com o nível físico . A intuição , que opera em nível diferente , descobre que por detrás de todas as formas exteriores há o espírito interior da Natureza e que uma presença viva e amante se encontra além do pensamento do homem . Onde o intelecto encara com amargura a Natureza , a intuição permanece suave e serena . Conclui , e não pode deixar de fazê-lo , que , a existir tamanha bondade no coração oculto da Natureza , deve de haver algum bom propósito na superfície das coisas .
Todos os erros e todos os males aparentes tem um lugar racional na ordem cósmica , tanto os sofrimentos quanto as alegrias . A ordem não é menos divinamente controlada por causa da sua existência . Eles não são o resultado de um acidente no funcionamento universal , nem são a consequência de um equívoco no divino planejamento .
O cosmo é apreendido como totalidade única na consciência infinita da Mente Universal . Esta última , em seu infinito conhecimento , previu todos os cursos prováveis e todas as possíveis consequências da conduta humana . Mas também sabe que a corrupta humanidade de hoje será , num distante amanhã , a humanidade enobrecida . Estaríamos justificados em denunciar o pensamento divino como inteiramente perverso e absolutamente impiedoso se o fim da existência humana fosse como esta sua atual fase transitória , ou fosse um jogo incerto e arriscado . Mas o fim é glorioso , a sua consecução , uma certeza , o processo , meritório . Pois é um autêntico desdobramento , vindo de dentro , de atributos , capacidades e estados de consciência , que refletem algo do divino .
Se existe tão-só um único princípio supremo de Ser no cosmo , se todas as coisas e todas as criaturas emanaram dele , o que nas atividades desse cosmo denominamos mal , e o que denominamos sofrimento , devem também ter emanado dele .
Mas sendo esse Princípio Supremo o único que sempre existiu , disso se segue que o mal e o sofrimento em indivíduos são apenas aparências transitórias , destinadas a viver intermitentemente e , depois , a dissipar-se de todo . Não existe dor , nem mal , nem tribulação na própria essência eterna das coisas , na unidade absoluta da vida , como observou com justeza Mary Baker Eddy . Só quando aparecem os processos de manifestação do tempo e só quando se diferenciam seres inumeráveis , é que a existência deles se torna possível . Pois só então principia a dualidade dos contrários . Nada pode ser trazido à realidade sem trazer , necessariamente , a possibilidade do seu contrário . Só podemos formar ideia da luz formando , ao mesmo tempo ideia da escuridão . Se a luz possibilita a treva o amor possibilita o ódio , a alegria possibilita a dor e o bem possibilita o mal . Quando se permite aos seres manifestados que possuam desejos e exercitem a vontade - como é preciso que aconteça para que não sejam robôs - permite-se também , inevitavelmente , a luta potencial com finalidades egoístas . Sempre haverá o mal num ponto qualquer do cosmo manifestado , porque sempre haverá uma sombra na luz do sol . Não havendo sol , não há sombra ; não havendo bem , não há mal . Essas coisas são pressupostas e negativamente presentes em seus contrários . Não poderemos ter um cosmo manifestado se não tivermos também essa perpétua relação entre eles .
Mas porque a mudança está impressa na manifestação , nunca é o mesmo mal que vemos , senão uma nova ilustração dele . As suas velhas formas são convertidas em bem pelo tempo e pela evolução . Assim , malgrado seu , o mal aparente pode produzir uma mudança que redunde em bem real e o sofrimento temporário pode , finalmente , resultar em felicidade estável . O princípio obstrucionista , a força adversa , o peso morto da inércia , contra os quais precisam lutar todos os esforços do homem para elevar-se , lá estão porque a resistência a eles enseja a ocasião para desenvolver o bem . A luta para a qual o homem é convocado , contra os elementos que lhe resistem , por prolongada que seja , conduz ao seu progresso . Uma das tarefas atribuídas às chamadas forças do mal consiste em experimentar-lhe a tempera estorvando-lhe o crescimento , em pôr-lhe à prova o caráter espicaçando-lhe os desejos e em mostrá-lo como realmente é opondo-se aos seus esforços de autodesenvolvimento . Que é este poder oponente , essa força adversa , afinal de contas , senão o ego pessoal do homem , a parte inferior e mais baixa dele mesmo com correspondências no mundo externo mas invisível ? A sua presença na vida dele o instiga a vencer ou a capitular . No primeiro caso , levou-o a trabalhar pelo próprio aperfeiçoamento ; no segundo , levou-o a reconhecer a própria fraqueza . Mais cedo ou mais tarde , as consequências desagradáveis dessa fraqueza o induzirão a atracar-se com ele e a desenvolver o seu poder de vontade . Esta é uma parte da missão do mal , incitar o homem à própria destruição ou constrangê-lo ao próprio aperfeiçoamento . Imediata e diretamente , poderá fortalecê-lo ou debilitá-lo . Finalmente , só poderá robustecê-lo .
Até onde nos referimos ao mal humano , é inútil falar na onipotência do Poder Supremo e , portanto , na sua capacidade de abolir de golpe esse mal . Não se poderia ter concedido ao homem alguma liberdade de opção sem lhe conceder , ao mesmo tempo , alguma liberdade para proceder iniquamente , se se determinasse a fazê-lo . Toda a ideia da evolução humana teria sido inútil se ele não devesse ser outra coisa senão um autômato escravizado , totalmente despojado da capacidade de autodeterminação . Na medida em que ele goza de liberdade , na medida em que o Poder Supremo renunciou à própria onipotência no indivíduo , mas não no cosmo , limitou necessariamente a própria vontade em aparência , mas não em realidade .
A noção teológica de que existe uma dualidade fundamental do bem e do mal correndo à volta do tortuoso padrão do universo e através da emaranhada narrativa da História , não é certa nem errada ; precisa ser interpretada corretamente .
A filosofia oferece tal interpretação . Não sustenta a existência de um poder satânico co-igual ao poder divino . Sustenta que Deus não tem nenhum rival independente e igual . A noção paralela é que o mundo caiu afitiva confusão , que a obra de Deus tem sido perigosamente sabotada por Satanás , e que a confusão só pode ser endireitada e o perigo sobrepujado se o homem acudir em auxilio de Deus . A Sabedoria Infinita e o Poder Infinito caíram , efetivamente , muito baixo se de fato estiverem premiados por essa necessidade . A presunção humana atinge o nível da fantasia absoluta ou de coisa ainda pior tonando-se espiritualmente arrogante ao julgar-se chamada a acorrer " em auxilio de Deus " . A Infinita Inteligência é também o Infinito Poder . Não estaria à altura de si mesma se precisasse da assistência de uma criatura finita como o mofino homem em sua obra cósmica ! A única coisa que o homem pode oferecer é a harmonia do seu propósito com o propósito universal . Mas isto seria em seu próprio benefício , não em benefício de Deus , como será em sua própria perda , se não o oferecer .
Não será mais sensato acreditar que a Mente Universal continua a ser o que sempre foi e que a história do planeta assumiria uma aparência muito diversa se a pudéssemos ver sem as limitações das nossas finitas percepções e dos nossos finitos entendimentos ? É humano desejar que certas coisas aconteçam e que certos objetivos se realizem . Deus , entretanto , não é humano . O Ser Infinito não tem desejos , não tem necessidades e não tem propósitos . Quando estes parecem existir existem , de fato , para outros . Não atribuamos as nossas concepções finitas ao Ser Infinito nem as nossas qualidades humanas ao Poder Absoluto .
O conceito filosófico do mal , muitas vezes , é rejeitado com excessiva precipitação porque é estudado com pressa excessiva . Ele não será convenientemente compreendido enquanto não se compreender o seu caráter duplo . Admite prontamente uma atividade real , disfarçada e difundida , de forças malignas na história humana . Reconhece-lhes a oposição à evolução espiritual da humanidade . Mas assevera também que essa atividade é limitada e que ainda deixa sem explicação a natureza final do mal . Diz que todo mal será , no fim , obrigado a servir aos propósitos do bem . O primeiro tem apenas uma vida efêmera ; o segundo , uma vida eterna . Se pudermos altear-nos ao nível do Real , já não seremos capazes de perceber , por si mesmo , o mal transitório . Percebemo-lo , então , contra um fundo de quadro bem final . Porque temos alguma coisa da Mente Universal no mais profundo de nós mesmos , uma visão adequada do problema terá de incluir ambos os pontos de vista . Existe um bem relativo e existe um mal relativo , sendo eles contrários necessários . Não existe , porém , o mal final ; só existe o bem final .
Texto : Paul Brunton ( do livro a crise espiritual do homem pag. 115 a 125 )
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