domingo, 29 de abril de 2012

" NÃO RESISTAIS AO MALIGNO "

É esta , certamente , uma das palavras mais enigmáticas do Mestre Nazareno , das menos compreendidas e ainda menos praticadas , sobretudo no ocidente cristão , essencialmente violentísta . No número de abril de 1959 , da célebre revista mensal " Stimmen der Zeit " , dos padres jesuítas alemães , aparece um artigo , da autoria do jesuíta P. Hirschmann , provando que a guerra atômica pode ser lícita , no caso que seja necessária para salvar o Cristianismo sobre a face da terra . No mesmo sentido escreve o jesuíta P. Gundlach , que foi conselheiro espiritual do Papa Pio XII , afirmando que a guerra atômica , e mesmo a extirpação de um povo inteiro ( naturalmente a Rússia ! ) é não somente lícita , mas pode até ser dever de consciência , no caso que esse povo seja um impedimento para o triunfo do Cristianismo .
O que inspira semelhantes monstruosidades , oficialmente aprovadas pela respectiva igreja , é a clamorosa confusão entre " Cristianismo " e " Cristo " . Por " Cristianismo " entendem esses autores uma determinada organização eclesiástica , engendrada , através dos séculos , por hábeis teólogos e devidamente codificada pelos chefes hierárquicos dessa sociedade eclesiástica . A fim de preservar da destruição essa organização político-financeiro-clerical apregoam esses homens a liceidade da destruição do espírito do Cristo , que em hipótese alguma aprovaria a morte de um único ser humano , menos ainda a extinção de muitos milhões de inocentes , a fim de salvar o reino de Deus . Como se pode salvar o verdadeiro Cristianismo , que é o reino de Deus , destruindo-o radicalmente pela matança em massa ?
Por onde se vê que esses doutores em teologia eclesiástica são perfeitos analfabetos na suprema sabedoria do Sermão da Montanha , e do Evangelho do Cristo em geral .
O gentio Mahatma Gandhi , não permitindo a morte de um só homem para libertar a Índia , compreendia mil vezes melhor o espírito do Cristo do que esses chamados " cristãos " , razão por que declarava a todos os missionários do ocidente que procuravam convertê-lo ao Cristianismo : " Aceito o Cristo e seu Evangelho - não aceito o vosso Cristianismo " Não resistais ao maligno ! " . . .
Nenhuma igreja , nenhum Estado cristão aceitou , até hoje , essa doutrina do divino Mestre . Todos praticam violência , por sinal que todas as sociedades , civis e eclesiásticas , se guiam , até hoje , pela lei do talião , estabelecida por Moisés , " olho por olho , dente por dente " . Aliás , parece mesmo que uma sociedade organizada não pode guiar-se pelo espírito do Evangelho do Cristo , porque qualquer sociedade organizada é baseada sobre o egoísmo , que aprova a violência ; parece que só um indivíduo pode ser realmente crístico , não violentista . A sociedade tem determinados estatutos , leis , parágrafos jurídicos , que implicam sanção , isto é , violência , punição aos infratores dos estatutos jurídicos da sociedade . Sendo que toda a sociedade é produto da inteligência , e a inteligência é , essencialmente , egoísta , não pode haver uma sociedade não-egoísta , não-violentista . Se Mahatma Gandhi conseguiu libertar a Índia com ahisma ( não-violência ) foi unicamente porque , ao redor dele , havia numerosos indivíduos firmemente alicerçados na mesma verdade , como concebeu o próprio Presidente Nehru , e não porque a sociedade como tal se guiasse pelo princípio altruísta da ahimsa . Toda e qualquer sociedade , como sociedade , pratica necessariamente himsa ( violência ) , sob pena de se destruir a si mesma , não fazendo valer as suas leis ; só um indivíduo pode praticar ahimsa , não pagando mal com mal , mas pagando o mal com o bem , amando aos que o odeiam .
" Não resistir ao maligno " é , pois , uma ordem que visa diretamente o indivíduo em vias de cristificação . Uma sociedade , sendo fundamentalmente egoísta , nunca pode ser crística , embora possa dizer-se cristã , isto é , egoísta envernizada de Cristianismo .
Nenhuma sociedade organizada pode abrir mãos dos seus " direitos " , sob pena de cometer suicídio , ela só existe em virtude dos seus " direitos " ; o direito , porém , é uma forma de egoísmo , e egoísmo gera violência . Só se a sociedade abdicasse dos seus " direitos " , tudo endireitaria ; mas , enquanto ela faz valer os seus " direitos " , tudo está torto .
O contrário do " direito " é a " justiça " , que é praticamente idêntica ao amor . A " justiça " , no sentido bíblico , é invariavelmente a " justeza " , o perfeito " ajustamento " , a harmonia entre o indivíduo e o Universal , entre o homem e Deus , entre a creatura finita e o Creador Infinito . Essa justiça , porém , é o perfeito amor , como aparece no " primeiro e maior de todos os mandamentos " , enunciado por Jesus .
No frontispício do Fórum da cidade de Santa Maria , no Rio Grande do Sul , se acham gravadas estas palavras do jutista-filósofo Cícero : " Summum jus-Sumida injuria " ( o supremo direito é a suprema injustiça ) . Quem reclama todos os seus direitos pessoais , age em nome de seu ego , que é necessariamente egoísta ; mas quem pratica a justiça , age em nome da Constituição Cósmica do Universo , age em nome da própria alma do Universo , que é Deus ; age , em nome do amor cósmico , que é a voz do divino Eu no homem .
Quem apela para seus " direitos " age em nome do ego , que é violentista .
Quem apela para a " justiça " age em nome do Eu , que não é violentista .
" Não resistir ao maligno " é , pois , um apelo para o divino Eu no homem , e não para seu humano ego .
Há , na legislação mosaica , uma matemática estranha : supõe que uma violência se neutralize com outra violência . Se alguém me arranca um olho ou quebra um dente , e eu lhe arrancar também um olho e quebrar um dente , estamos quites ; porque cobrei do meu devedor uma dívida em aberto . Na realidade , porém , não estamos quites , nem eu nem ele , porque um negativo dele mais um negativo meu dão dois negativos ; quer dizer que nós dois , meu ofensor e eu , ofensor dele , criamos dois males no mundo ; e , como a segunda ofensa exige uma terceira , da parte dele , e essa reclama uma quarta ofensa , da minha parte , e assim por diante , numa indefinida " reação em cadeia " - é claro que nós dois , o ofensor de lá e o ofensor de cá , vamos piorando o mundo cada vez mais , enchendo-o de negativos e mais negativos .
Contra essa falsa matemática de Moisés opõe Jesus a verdadeira matemática , absolutamente lógica e racional , afirmando que o negativo ( mal ) só se neutraliza pelo positivo ( bem ) , e que o único modo de melhorar o mundo e a humanidade é pelo processo de : 1) não resistir ao mal ; 2) de opor o bem ao mal . O meu positivo oposto ao negativo do meu ofensor neutraliza esse negativo , e o resultado é zero ; mas , se eu opuser ao negativo do ofensor não apenas um positivo ( um bem ) , porém muitos - digamos 10 - neste caso não somente neutralizei o negativo ( mal ) dele , mas ainda há um superavit de positivos , isto é , enriqueci a humanidade de bens positivos .
Mahatma Gandhi - precisamente por ser mahatma , " grande alma " - compreendeu e praticava admiravelmente essa matemática espiritual do Evangelho do Cristo , dando à não-resistência o nome sancrito de ahimsa e à política benevolência para com o ofensor o nome de satyagraha ( apego à verdade ) , ou seja amor , justiça cósmica .
Naturalmente , para que alguém possa praticar essa não-violência e essa benevolência , tem de passar por uma profunda experiência mística sobre a sua verdadeira natureza , e não se identificar com seu ego físicomental-emocional .
Texto : Huberto Rohden 
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