domingo, 1 de maio de 2011

" A IOGA DA MENTE DISCERNENTE "

Meditação no Sono

Quando despertamos de um sono sem sonho , nos inteiramos conscientemente , num relance de vista , de tudo o que nos cerca
A consciência do nosso campo exterior , nesse mesmo momento - e somente nesse instante - vem de chofre , antes de mais nada . Só em seguida é que tomamos consciência de nós mesmos , como pessoas particulares , como " eus " físicos . Esta impessoalidade inicial parece psicologicamente à que pertence ao estado do eu testemunha .
Onde nos encontramos então nesse momento ? Não estamos no nosso " eu " pessoal - que entretanto está aí . Libertamo-nos simplesmente de sua ditadura habitual . De fato , esquecemo-nos de nós mesmos . Abandonar nosso eu superficial não é portanto aniquilar-se .
Não o deixamos senão para encontrá-lo na individualidade superior .
Ele não desaparece ; recai no lugar que lhe é dado no grande perímetro do outro . Está sempre presente , sempre vivo nesta experiência , mas reconhece-se , desde então , como uma gota minúscula num oceano infinito . Obtemos assim uma indicação do que é a consciência do observador oculto , não somente durante o estado de vigília e o sonho , mas também durante o sono profundo . A idéia de que este sono é absolutamente destituído de consciência é uma outra destas ilusões , que se impõem à mente humana porque elas repousam sobre aparências . Um disco , girando a toda velocidade , parece absolutamente imóvel . É do mesmo modo que a mente parece , para o ego desperto , mergulhado na consciência . No fundo , ela possui um gênero de consciência que a pessoa não tem o poder de imaginar nem , ordinariamente , de penetrar . É por isso que a filosofia não cessa de reclamar que abandonemos o ponto de vista pessoal porque o seu horizonte extremamente limitado não permite perceber a rota que conduz à verdade .
No fim brusco do sonho , como no momento em que o estado de vigília começa , produz-se num breve instante , um estado transitório em que a mente não tem consciência de si mesma . É então completamente livre de idéias ; todas as sensações cessaram , todas as imaginações se esvaneceram . Este intermediário , em que o homem entra no sono ou dele sai , constitui um ponto capital . Se os pensamentos desapareceram , não acontece o mesmo à consciência . Ela é consciente mas de nenhuma coisa individual . A personalidade não pode manifestar-se e a mudança se opera magicamente , fora dela .
Este período de sonolência é verdadeiramente maravilhoso e se acha na linha de demarcação entre a consciência desperta e a inconsciência do sono , demarcação que se acha situada num plano diferente dos dois .
Pantajali , autor do manual sânscrito sobre o ioga mais divulgado , registra o sono , a justo título , entre os cinco obstáculos que o aluno da ioga deve sobrepujar . Na sua significação técnica elementar , esta injunção se aplica aos noviços , e lhes pede que conservem a mente alerta durante a meditação , única possibilidade de manter a intensidade da concentração . Mas , na sua significação mais avançada , aplica-se àqueles que se acham na via última e se lhes prescreve exercerem um controle sobre a vida adormecida tanto quanto sobre a vida desperta . Ninguém pode adormecer sem retirar a sua atenção das sensações , imagens e pensamentos que batem à porta da consciência . O sono é somente o ponto culminante deste processo . A atenção cai em suspensão , por assim dizer . É igualmente impossível cair na contemplação ióguica mais profunda sem retirar a atenção a estes objetos . Somente que neste momento ela não desaparece ; fica , ao contrário , mais aguda e vigilante que nunca . Aqueles que não receberam a iniciação do último grau , interpretam , falsamente , às vezes , este parágrafo de Pantajali . O erro conduz certos iogues chineses a beber chá , abundantemente , à meia-noite , e alguns iogues hindus a passar a noite de pé ou num colchão de espigas a fim de fugir ao sono natural . A filosofia não se incomoda com esses processos errôneos ; desdenha-os , dizendo que o estado de vigília reclamado é de um gênero inteiramente diferente e superior .
Este exercício , como o precedente , deve ser praticado à noite , pouco antes de dormir . É fato que o homem perde , em começo , a consciência de seus pés , depois da parte inferior do corpo , e não conserva senão a da cabeça . É o momento crucial em que desaparece o mundo que , ordinariamente , penetra pelos cinco sentidos . É , passado esse instante , que resvala para o sono . Esta pausa é de uma fração de segundo , e é o que se trata de reter por meio da vigilância . A atenção deve ser dirigida de maneira tão precisa que a cama , o quarto e o próprio corpo se obscurecem a ponto de desaparecer . O estudante deve procurar sobrepujar a pequena vertigem com que se entra no solo . Ele não pode impedir este momento por que a Natureza deve seguir o seu curso normal , mas pode impedir que fique sem saber o que lhe acontece à passagem deste novo estado .
Deve tentar conservar a sua consciência enquanto seu corpo e sua faculdade de pensar estão em repouso . É preciso que se observe com cuidado e esteja de guarda contra a chegada do sono nesta aprazível região fronteiriça que atravessa . Perguntar-se-á , sem dúvida , se pode existir alguma coisa entre esses dois estados . A experiência nos dá a melhor resposta . Se é o momento crucial em que o homem perde até o seu pequeno germe de consciência para dormir , como se dá com a maioria dos seus semelhantes , é também o momento crítico em que , graças à prática avançada da ioga , pode entrar na própria Luz . Aqueles que fizeram o sacríficio de praticar estes exercícios estão nas melhores condições que qualquer outra pessoa de falar das possibilidades que encerram e dizer se compensam ou não .
Mas esta pausa entre os dois estados , que se chama tecnicamente o " ponto neutro " , é tão breve quanto um relâmpago . Se se consegue apanhá-la , poder-se-á passar desse estágio ao da mente pura - no plano de fundo de todo pensamento consciente - e conservá-lo como uma luminosidade durante toda a noite . Se se consegue , pelo treino e força de vontade , a fixar e a prolongar este instante em que não se está nem adormecido nem acordado , atinge-se um gênero de completa auto-absorção . O quarto estado se atinge inconscientemente , isto é , quando não se tem consciência de nele penetrar . Assim é que num momento nos achamos , ainda no estado desperto , e um momento depois nos encontramos no estado transcendental . O processo de transição se efetua numa região situada fora da consciência . Descobre-se então um mundo novo . A consciência momentânea se tornou uma pegada que nos conduz ao eu oculto , donde vem a nossa origem .
Se o estudante , por uma razão qualquer , não pode praticar este exercício à noite , poderá fazê-lo do mesmo modo pela manhã . As possibilidades são , infelizmente , muito inferiores . É preciso descobrir a pausa entre o fim do sono e o despertar da consciência ordinária . Para isso , que feche os olhos e concentre interiormente a atenção dirigindo os seus primeiros pensamentos ao silêncio beatífico , deixando o mundo de lado durante alguns minutos . Estes minutos devem ser preenchidos por uma solicitação firme à consciência pura . Não se deixe escapar este instante de silêncio do pensamento , esta parada da atividade da pessoa ao sair do sono . Cada manhã traz uma oportunidade que o estudante deve aproveitar . Perceberá relâmpagos desta consciência transcendental durante as suas ocupações do dia .
A natureza da mente sendo a própria consciência , quem quer que haja alcançado este estágio transcendente nunca mais poderá voltar à inconsciência completa . Pode adormecer naturalmente , mas o seu sono ficará consciente . A perda do sono ordinário não trará más consequências , porque o corpo gozará do repouso habitual , a mente estará liberta da procissão das idéias vagabundas que podem atormentá-la e ela própria repousará também , enquanto que os sentimentos ficarão adormecidos em uma paz intensa . Um tal estado não pode ser compreendido pela humanidade no seu estágio de evolução atual , e não pode ser verificado senão pela experiência pessoal .
O estudante médio deverá exercitar-se durante bastante tempo e só depois poderá alcançar este estágio em que não estará nem completamente desperto nem adormecido de todo . Os que conseguem chegar aí mais facilmente são os que assimilam bem a doutrina do mentalismo e a aplicaram na vida desperta . Em todo caso , se alguém deseja tirar proveito máximo deste exercício ultra-místico , tem necessidade de entrar , de maneira progressiva , e sem apressar-se , no misterioso corredor que conduz da vigília até o sono , e dele sair do mesmo modo . Todo aquele que o conseguir constatará que a beatitude sublime da consciência transcendental se manifesta por intermitências mesmo no meio das suas atividades mais febris do dia , e durante todo o sono da noite . O que se mantém assim como substrato da vigília e que não é anulado pelo sono , é a realidade a descobrir . É um estado que é , porém que não é isto ou aquilo em particular . Nesta situação do sono consciente experimenta-se uma quietação misterioso e inexprimível , assim como um silêncio delicioso .
O fato curioso , no que concerne ao observador oculto , é que está muito desperto enquanto nos achamos fortemente adormecidos , e permanece perfeitamente consciente quando estamos completamente inconscientes . É o " Eu " sempre alerta e , portanto , o verdadeiro .
A consciência assim obtida é universalizada e unificada , e não se preocupa com as relações entre o eu e o não-eu . Neste sentido , conserva-se semelhante ao sono ordinário da humanidade . Plana em uma espécie de autocontemplação atenta , sem nunca relaxar em sua tarefa sobre si mesma e , por consequência , sem nunca cair no esquecimento do sono habitual . Penetrando assim na consciência do observador oculto , o homem virá , enfim , a compreender a verdadeira significação das palavras de S. Paulo : " Então , conhecerei tanto como sou conhecido " . Se nós o chamamos o quarto estado da consciência , é somente para diferenciá-la intelectualmente dos estados de vigília , de sonho e de sono . Seria metafisicamente mais verdadeiro dizer que não é um estado , mas a própria essência da consciência e , consequentemente , a essência dos três outros estados . É liberto do tempo , do espaço , da matéria , da causalidade ; é impessoal e livre . É o Pensamento percebendo claramente o seu Eu universal e absoluto , liberto de todas as divisões , afastado de todas as limitações , desembaraçado de todas as suas projeções . Não é , pois , a consciência no sentido que damos a esta palavra , mas a sua raiz misteriosa . Seu caráter impessoal e não diferenciado a torna quase incompreensível e indefinível à consciência ligada à carne . É assim que o sono , tão destituido de luz e de significação durante o estágio psicológico atual da humanidade , é pleno deles para o homem evoluído .
Texto : Paul Brunton ( do livro A sabedoria do Eu Superior Pag . 302 a 329 )
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