quarta-feira, 9 de junho de 2010

UMA ESPIRITUALIDADE QUE TRANSFORMA !!!

Hal Blacker , editor consultivo de What is Enlightenment ? ( O que é Iluminação ? ) , descreveu o tema desta edição especial da revista do seguinte modo ( embora repita afirmações feitas em outras partes desta edição , vale a pena apresentar a citação completa simplesmente pela sua eloquência , fraqueza e indiscutível bom senso ) :
Tencionamos explorar uma questão sensível , mas que precisa ser tratada : a superficialidade que permeia a maior parte do discurso e da exploração espirituais atualmente no Ocidente , e , em particular , nos Estados Unidos . Frequentemente , ao traduzir-se doutrinas do Oriente ( e de outros lugares ) para o idioma americano , sua profundidade é aplainada , sua exigência radical é diluída e seu potencial para transformação revolucionária é abrandado . Uma vez que as palavras dos ensinamentos são quase sempre as mesmas , isto se dá de maneira sutil . Através de uma aparente prestidigitação envolvendo , talvez , seu contexto e , consequentemente , seu significado , a mensagem das maiores doutrinas , muitas vezes , parece transmutar-se do crepitar do fogo da libertação para algo que mais se assemelha ao borbulhar calmante de um banho quente de banheira . Embora haja exceções , as implicações radicais dos grandes ensinamentos são , desse modo , frequentemente perdidas . Desejamos investigar esta diluição da espiritualidade no Ocidente e analisar suas causas e consequências .
Baseado nesta declaração , gostaria de ressaltar seus pontos básicos e comentá-los da melhor maneira que puder , porque , considerados em conjunto , eles realçam o verdadeiro âmago da crise americana de espiritualidade .

Interpretação versus Transformação

Numa série de livros ( e .g . , Um Deus Social , Up from Eden e The Eye of Spirit ) tento mostrar que a religião sempre cumpriu duas funções muito importantes , mas muito diferentes . Em primeiro lugar , ela age de modo a criar significado para o ego alienado : oferece mitos , histórias , contos , narrativas , rituais e revivescências que , em conjunto , ajudam o ego a entender e suportar as pedras e flechas do destino implacável . Normamente , esta função da religião não necessariamente altera o nível de conciência da pessoa ; não provoca transformação radical . Nem provoca , tampouco , uma libertação definitiva do ego alienado . Ao contrário , ela consola o ego , fortalece o ego , defende o ego , promove o ego . À medida que o ego alienado acredita nos mitos , executa os rituais , balbucia as orações ou aceita os dogmas , então crê fervorosamente que será " salvo " - ainda nesta vida , pela glória da salvação de Deus ou da proteção da Deusa , ou na vida após a morte , quando ser-lhe-à assegurada felicidade eterna .
Mas , em segundo lugar , a religião cumpre - usualmente para uma muito , mas muito pequena minoria - uma função de transformação radical e de libertação . Esta função da religião não fortalece o ego alienado ; ao contrário , despedaça-o completamente - não consolação mas devastação , não entrincheiramento mas esvaziamento , não complacência mas explosão , não conforto mas revolução - em síntese , não fortalecimento convencional da consciência mas transmutação e transformação radicais nas profundezas da própria consciência .
Há algumas diferentes maneiras para explicar essas duas importantes funções da religião . A primeira função - criação de significado para o ego - é um tipo de movimento horizontal ; a segunda função - transcendência do ego - é um tipo de movimento vertical ( para cima ou para o fundo , dependendo da sua metáfora ) . Denominei a primeira interpretação ; a segunda , transformação .
A interpretação simplesmente dá ao ego uma nova maneira para pensar ou sentir a realidade . O ego passa a ter uma nova crença - talvez holística ao invés de atomística , talvez perdão no lugar de acusação , talvez relacional ao invés de analítica . Assim , o ego aprende a interpretar seu mundo e seu ser em termos desta nova crença , ou nova linguagem , ou novo paradigma , e esta nova e encantadora interpretação age , pelo menos temporariamente , para aliviar ou diminuir o terror inerente ao coração do ego alienado .
Mas com a transformação , o próprio processo de interpretação é desafiado , interpelado , minado e , finalmente , desmantelado . Com a interpretação , é dado ao ego ( ou sujeito ) um novo modo de pensar sobre o mundo ( ou objetos ) ; mas com a transformação radical , o próprio ego passa a interrogar-se , a olhar para dentro de si , a estrangular-se e , literalmente , a sufocar-se até a morte .
Colocado de uma última maneira : com a interpretação horizontal - que é de longe a dominante , a mais difundida e largamente compartilhada função da religião - o ego , pelo menos temporariamente , sente-se feliz com seu entendimento , contente com sua escravidão , complacente em face do terror gritante que é , de fato , sua condição mais íntima . Com a interpretação o ego torna-se sonolento no mundo , tropeça entorpecido e com a visão curta no pesadelo do samsara , recebe um mapa amarrado com um laço de morfina para encarar o mundo . E esta é , na verdade , a condição normal da humanidade religiosa , precisamente a condição a ser desafiada e , finalmente , desfeita pelos ativistas da transformação espiritual .
Porque a transformação autêntica não é uma questão de crença , e sim de morte do crente ; não uma questão de interpretar o mundo , mas sim de transformá-lo ; não uma questão de encontrar alívio , mas sim de encontrar o infinito no outro lado da morte . Não é dada importância ao ego ; ele é cremado .
Agora , embora obviamente eu venha favorecendo a transformação e minimizando a interpretação , o fato é que ambas as funções são incrivelmente importantes e inteiramente indispensáveis . A maioria das pessoas não nasce iluminada . Elas nascem em um mundo de pecado e sofrimento , esperança e medo , desejo e desespero . Nascem como um ego ávido e pronto para contrair-se ; um ego prenhe de fome , sede , lágrimas e terror . E , bem cedo , aprendem várias maneiras de interpretar seu mundo , de fazer com que passe a ter sentido , de dar-lhe um significado e de defender-se do terror e da tortura que nunca estão suficientemente distantes da superfície feliz do ego alienado .
E , apesar de nós , você e eu , podemos estar desejando transcender a simples interpretação e encontrar a transformação autêntica , a interpretação , por si só , é uma função absolutamente necessária e crucial na maior parte de nossas vidas . Aqueles que não conseguem interpretar adequadamente , com uma boa dose de integridade e precisão , caem rapidamente em sérias neuroses ou mesmo psicoses : o mundo pára de fazer sentido - os limites entre o ego e o mundo não são transcendidos ; ao contrário , começam a esfarelar-se . Não é uma descoberta importante ( " breakthrough " ) e sim um colapso ( " breakdown " ) ; não é transcendência , mas desastre .
Mas em algum ponto do nosso processo de amadurecimento , a própria interpretação , não importa quão adequada ou confiável , simplesmente cessa de consolar . Nenhuma nova crença , nenhum novo paradigma , nenhum novo mito , nenhuma nova idéia estancarão a angústia que se instala em nós . Aí , o único caminho que resta não é uma nova crença para o ego , mas sim a transcendência do próprio ego .
Mesmo assim , o número de pessoas que estão prontas para este novo caminho foi , é e sempre será muitíssimo pequeno . Para a grande maioria , algum tipo de crença religiosa aparecerá na qualidade de consolação : será uma nova interpretação horizontal que apresentará algum sentido para este mundo monstruoso . E , na maior parte do tempo , a religião tem sempre cumprido esta primeira função e se saído bem .
Assim , também uso palavra legitimidade para descrever esta primeira função ( a interpretação horizontal e a criação de significado para o ego alienado ) . E muito da importante missão da religião é dar legitimidade ao ego - legitimidade para suas crenças , seus paradigmas , suas visões de mundo , e seu caminho no mundo . Esta função da religião de prover legitimidade para o ego e suas crenças - não importa quão temporária , relativa , não-transformadora ou ilusória - tem sido , todavia , a principal e mais importante função das tradições religiosas de todo o mundo . A capacidade de a religião prover significado horizontal , ligitimidade e sanção para o ego e suas crenças - esta função da religião , historicamente , tem sido a maior " cola social " de qualquer cultura .
E não se mexe facilmente , ou suavemente , na cola básica que mantém juntas as sociedades . Porque , na maioria das vezes , quando essa cola se dissolve , o resultado , como já dissemos , não é uma descoberta importante , mas um colapso , não libertação , mas caos social . ( Voltaremos a este ponto crucial mais adiante . )
Enquanto a religião interpretativa oferece legitimidade , a religião transformadora oferece autenticidade . Para aquelas poucas pessoas que estão prontas - isto é , fartas do sofrimento do ego alienado e que não mais aceitam a visão do mundo legítima - então uma abertura transformadora para a verdadeira autenticidade , para a verdadeira iluminação , para a verdadeira libertação torna-se cada vez mais premente . E , dependendo da sua capacidade para sofrer , você , mais cedo ou mais tarde , responderá à chamada para a autenticidade , para a transformação , para a libertação no horizonte perdido do infinito .
A espiritualidade transformadora não procura dar suporte ou legitimar nenhuma visão de mundo atual ; ao contrário , ela provê a verdadeira autencidade estilhaçando aquilo que o mundo considera legítimo . A consciência legítima é sancionada pelo consenso , adotada pela mentalidade de rebanho , aceita tanto pela cultura como pela contracultura , promovida pelo ego alienado como o caminho para que este mundo tenha sentido . Mas a consciência autêntica sacode tudo isso de suas costas e , em substituição , fixa o olhar numa visão que vê somente um infinito radiante no coração de todas as almas e inspira em seus pulmões a atmosfera de uma eternidade muito simples de acreditar .
Assim , a espiritualidade transformadora , a espiritualidade autêntica é revolucionária . Ela não legitima o mundo ; ela rompe com ele . Não consola o mundo , ela o estilhaça . E não dá importância ao ego ; ela o desfaz .
E esses levam a diversas conclusões .

Quem Realmente Quer Transformar-se ?

Há uma crença muito difundida de que o Oriente está imerso em espiritualidade autêntica e transformadora , enquanto o Ocidente - historicamente e mesmo na " new age " atual - não apresenta nada além do que uma espiritualidade horizontal , interpretativa , meramente legítima e , portanto , morna . Ainda que haja alguma verdade nisso , a situação real é muito sombria , tanto para o Oriente quanto para o Ocidente .
Primeiro , embora seja verdade que o Oriente venha produzindo um maior número de iluminados autênticos , mesmo assim , a percentagem real da população oriental que está engajada em autêntica espiritualidade transformadora é , e sempre foi , extremamente pequena . Uma vez perguntei a Katigiri Roshi , com quem consegui minha primeira experiência de iluminação ( espero não ter sido um colapso ) , quantos grandes mestres Ch'an ( China ) e Zen ( Japão ) verdadeiramente existiram . Sem hesitar , ele respondeu " Talvez mil no total " . Perguntei a outro mestre Zen quantos mestres Zens verdadeiramente iluminados - profundamente iluminados - estão vivos hoje , e ele respondeu " Não mais do que uma dúzia . " Vamos considerar para efeito de argumentação que essas sejam respostas não muito precisas . Vejamos os números . Mesmo que considerássemos que só existiu um bilhão de chineses ao longo da história ( uma estimativa extremamente baixa ) , isto significa que apenas mil em um bilhão atigiram a espiritualidade autêntica , transformadora . Para aqueles sem uma calculadora , isto significa 0,000001 da população total . E isto quer dizer , com certeza , que o resto da população estava ( e está ) envolvido , na melhor das hipóteses , em vários tipos de religião legítima , horizontal , interpretativa : envolvido em práticas mágicas , crenças míticas , egóicas orações petitórias , rituais mágicos etc . - em outras palavras , caminhos interpretativos para dar sentido ao ego alienado , uma função interpretativa que , como dissemos , é , até hoje , a maior cola social da cultura chinesa ( e de todas as outras ) .
Então , sem querer de modo algum minimizar as excepcionalmente belas contribuições das gloriosas tradições orientais , a conclusão é simples e direta : a espiritualidade transformadora radical é extremamente rara , em qualquer tempo da história , em qualquer lugar do mundo . ( Os números para o Ocidente são ainda mais deprimentes . Encerro meu caso . )
Assim , embora possamos lamentar o pequeno número de pessoas no Ocidente que estão envolvidas , hoje , num processo espiritual de transformação radical , não façamos uso do falso argumento que tenha sido dramaticamente diferente no passado ou em outras culturas . Ocasionalmente , pode ter sido um pouco melhor do que hoje no Ocidente , mas a realidade persiste : a espiritualidade autêntica é um pássaro incrivelmente raro em qualquer lugar , a qualquer tempo . Então , vamos partir do fato indiscutível que a espiritualidade autêntica , vertical , transformadora é uma das mais preciosas jóias de toda a tradição humana - exatamente porque , como todas as jóias preciosas , é incrívelmente rara .
Segundo , mesmo que você e eu acreditemos profundamente que a mais importante função que podemos exercer é oferecer espiritualidade transformadora autêntica , o fato é que o melhor que podemos fazer em nossa capacidade de trazer espiritualidade decente para o mundo é oferecer mais modos de interpretação úteis e benignos . Em outras palavras , mesmo que estejamos praticando , ou oferecendo , espiritualidade transformadora autêntica , de qualquer modo , muito do que devemos primeiramente fazer é prover para a maioria das pessoas um meio mais adequado para interpretar sua condição . Devemos começar com interpretações úteis antes que , efetivamente , possamos oferecer transformações autênticas .
A razão para isso é que se tirarmos do indivíduo ( ou da cultura ) muito rapidamente , muito abruptamente ou de maneira inepta a interpretação , o resultado , mais uma vez , não será conquista mas derrota , não libertação mas colapso . Deixe-me dar dois rápidos exemplos .
Quando Chogyam Trungpa Rinpoche , um importante ( embora polêmico ) mestre tibetano veio pela primeira vez a este país , ele ficou conhecido por sempre repetir , quando perguntado sobre o significado de Vajrayana , " Há somente Ati " . Em outras palavras , há somente a mente iluminada , não importa para onde você olhe . Ego , samsara , maya e ilusão - não temos que livrar de nenhum deles , porque , em realidade , não existem : há somente Ati , há somente Espírito , há somente Deus , há somente Consciência não-dual em qualquer parte da existência .
Virtualmente ninguém entendeu - ninguém estava pronto para essa compreensão radical e autêntica , embora verdadeira - e , assim , Trungpa finalmente introduziu toda uma série de práticas " menores " que levavam a esta radical e definitiva " não-prática " . Ele apresentou as Nove Yanas como a base da prática - isso é , apresentou nove estágios ou níveis de prática , culminando no último - " não-prática " - do eterno-agora Ati .
Muitas dessas práticas eram simplesmente interpretativas e algumas , poderíamos dizer , " menos transformadoras " : transformações em miniatura que tornam a mente-corpo mais suscetível a atingir a completa iluminação radical . Essas práticas interpretativas e menos transformadoras levavam à " prática perfeita " da não-prática - ou à compreensão radical , instantânea e autêntica que desde o início só existe Ati . Assim , embora a transformação última fosse o objetivo primordial e sempre presente , Trungpa teve de introduzir práticas interpretativas e menores a fim de preparar as pessoas para a obviedade do que é .
Exatamente o mesmo aconteceu com Adi Da , outro influente ( e igualmente polêmico ) mestre ( embora , desta vez , americano ) . Inicialmente , ele só ensinava " o caminho da compreensão " : não um modo de chegar à iluminação , mas um questionamento de por que você quer chegar à iluminação , em primeiro lugar . O próprio desejo de procurar a iluminação nada mais é do que a tendência ambiciosa do ego em si e , assim , a simples procura pela iluminação evita que ela aconteça .
Portanto , a " prática perfeita " não é procurar atingir a iluminação , mas sim questionar o motivo da procura . Você obviamente a procura para para evitar o presente e , no entanto , somente o presente possui a resposta : procurá-la para sempre é errar o alvo para sempre . Você já é , desde sempre , Espírito iluminado e , portanto , buscar o Espírito é simplesmente negar o Espírito . Você não pode alcançar o Espírito do mesmo modo que não pode ganhar seus pés ou adquirir seus pulmões .
Ninguém entendeu . Assim , Adi Da , exatamente como Trungpa , apresentou uma série completa de práticas interpretativas e menos transformadoras - de fato , sete estágios - levando ao ponto em que se podia abandonar a procura e abrir-se para a eterna-agora verdade da sua própria condição eterna e atemporal , que estava completa e totalmente presente desde o início , mas que era brutalmente ignorada devido ao enlouquecido desejo da busca .
Agora , qualquer que seja sua opinião sobre esses dois mestres , a realidade é a seguinte : eles realizaram talvez os dois primeiros grandes experimentos neste país de como apresentar a noção de " Há somente Ati " . - há somente Espírito - e , então , concluir que a busca do Espírito é exatamente o que não permite a sua realização . E ambos descobriram que , por mais que estejamos ligados a Ati , ligados à verdade transformadora radical deste momento , práticas interpretativas e práticas transformadoras menores são quase sempre pré-requisitos para esta última e derradeira transformação .
Meu segundo ponto , então , é que , além de oferecer transformação autêntica e radical , devemos ser sensíveis , e cuidadosos , a numerosos modos benéficos de práticas interpretativas e transformadoras menores . Portanto , esta postura mais generosa pede uma " abordagem integral " para a completa transformação , uma abordagem que aceite e incorpore muitas práticas interpretativas e menos transformadoras - cobrindo os aspectos físico , emocional , mental , cultural e comunitário do ser humano - como preparação e como expressão da suprema transformação no estado do eterno-agora .
E assim , no mesmo momento em que criticamos a religião meramente interpretativa ( e todos os estados menores de transformação ) , devemos entender que uma abordagem integral para a espiritualidade combina o melhor do horizontal e do vertical , interpretativo e transformador , legítimo e autêntico - e , então , concentrar nossos esforços numa visão global sã e equilibrada da condição humana .

Sabedoria e Compaixão

Mas esta minha visão não é terrivelmente elitista ? Santo Deus , espero que sim ! Quando vai a um jogo de basquete , você quer ver Michael Jordan ou eu ? Quando está interessado em música popular , quem pagaria para ouvir ? Eu o Bruce Springsteen ? Quando quer boa literatura , quem preferiria passar a noite lendo ? Eu ou Tolstoi ? Quando você paga sessenta e quatro milhões de dólares por um quadro , será uma pintura minha ou de Van Gogh ?
Toda excelância é elitista . E isto inclui também a excelência espiritual . Mas a excelência espiritual é um elitismo para o qual todos estão convidados . Vamos primeiro aos grandes mestres - Padmasambhava , santa Teresa de Àvila , Buda Gautama , Lady Tsogyal , Emerson , Eckhart , Maimônides , Shankara , Sri Ramana Maharshi , Bodhidarma , Garab Dorje . Sua mensagem é sempre a mesma : que esta consciência que está em mim esteja em você . Você sempre começa elitista ; você sempre termina igualitário .
Mas , em algum ponto do caminho , há a furiosa sabedoria que grita do fundo do coração : devemos , todos nós , prestar atenção ao radical e supremo objetivo transformador . Assim , qualquer tipo de espiritualidade autêntica ou integral também envolverá sempre um grito crítico , intenso e ocasionalmente polêmico do campo transformador para o campo meramente interpretativo.
Se usarmos as percentagens do Ch'an chinês como exemplo genérico , isso significa que se 0,000001 da população está realmente envolvida em espiritualidade autêntica ou genuína então , 0,999999 da população está envolvida em sistemas de crenças horizontais não-transformadores , inautênticos , meramente interpretativos . E isto significa , sim , que a grande maioria dos " buscadores espirituais " deste país ( como de qualquer outro ) está envolvida em algo muito menor que acontecimentos autênticos . Sempre foi assim e ainda o é hoje . Este país não é exceção .
Mas na América atual isto é muito mais preocupante , porque a grande maioria dos adeptos da espiritualidade horizontal frequentemente afirma estar representando a vanguarda da transformação espiritual , o " novo paradigma " que transformará o mundo , a " grande transformação " da qual são os líderes . E , na maioria das vezes , eles absolutamente não são profundos transformadores ; são meros , mas agressivos , interpretativos - não oferecem meios efetivos para desmontar completamente o ego , mas simples caminhos para que o ego pense de maneira diferente . Não modos de transformação , mas simplesmente novos modos de interpretação . Em realidade , o que a maioria oferece não é uma prática ou uma série de práticas ; não é sadhana , ou satsang , ou shikan-taza , ou ioga . O que a maioria oferece é simplesmente a sugestão : leia meu livro sobre o novo paradigma . Isto é profudamente pertubador e profudamente preocupante .
Os buscadores espirituais autênticos dedicam-se de corpo e alma às grandes tradições transformadoras ; mesmo assim , deverão sempre fazer duas coisas ao mesmo tempo : analisar e engajar-se em práticas interpretativas e menores ( das quais , normamente , depende seu sucesso ) , mas também dar um tonitruante grito do coração de que somente a interpretação não é sufiente .
Assim , todos aqueles que tiveram suas almas sacudidas pela transformação autêntica , acredito , devem lutar com a profunda obrigação moral e gritar do fundo do coração - talvez mansa e gentilmente , com lágrimas de relutância ; talvez com agressiva paixão e furiosa sabedoria ; talvez com lenta e cuidadosa análise ; talvez com inquebrantável exemplo público - pois a autenticidade sempre , e absolutamente , carrega uma exigência e um dever : você deve falar claramente , com o melhor do seu talento , sacudir a árvore espiritual e jogar seus faróis nos olhos dos complacentes .
Você deve deixar o entendimento radical vibrar em suas veias e sacudir os que estão a sua volta .
Ah ! Se você não age , está traindo sua própria autenticidade . Está escondendo seu verdadeiro tesouro . Você não quer aborrecer os outros porque não quer aborrecer-se . Você está agindo de má-fé , o sabor de um infinito ruim .
Porque , entenda , o fato alarmante é que qualquer entendimento profundo carrega uma terrível responsabilidade : aqueles a quem é permitido ver , simultaneamente estão encilhados no dever de comunicar a visão em termos bem claros ; esta é a troca . Foi-lhe permitido ver a verdade com a condição que você a comunicaria a outros ( este é o sentido último do voto do bodhisattva ) . E , portanto , se você viu , deve falar . Fale com compaixão , fale com furiosa sabedoria , ou fale habilmente , mas fale .
E esta é , verdadeiramente , uma carga terrível , uma carga horrível , porque em nenhuma situação há lugar para timidez . O fato de que você possa estar errado não é desculpa ; você pode estar certo em sua comunicação , ou pode estar errado , mas isto não importa . O que importa , como nos lembrou secamente Kierkegaard , é que somente investindo e relatando sua visão com paixão , a verdade pode penetrar , de uma maneira ou de outra , na relutância do mundo . Se você está certo ou errado , somente sua paixão forçará a descoberta . É seu dever promover esta descoberta e , portanto , é seu dever disseminar sua verdade com toda paixão e coragem que puder encontrar em seu coração .
Você deve gritar como puder .
O mundo comum já está gritando , e com tal ira roufenha que as verdadeiras vozes mal podem ser ouvidas . O mundo materialista já está cheio de publicidade e fascinação , gritos de atração e brados de comércio , acenos de saudação e convites para achegar-se . Não quero ser duro aqui pois devemos honrar nossos engajamentos menores . Entretanto você deve ter notado que a palavra " alma " é agora o item mais quente nos títulos de livros à venda , mas na maioria desses livros " alma " realmente significa ego arrastado . " Alma " vem denotando , neste frenesi alimentador de entendimento interpretativo , não o antemporal em você mas sim aquilo que se agita mais intensamente ao longo do tempo , e , assim , " cuidado com a alma " significa , incompreensivelmente , focar-se intensamente em seu ardende ego alienado . Do mesmo modo , " espiritual " está na boca de todo mundo , mas normalmente o que realmente significa é qualquer intenso sentimento egóico , assim como " coração " passou a significar qualquer sentimento sincero do ego .
Em verdade , tudo isso é simplesmente o mesmo antigo jogo interpretativo , de roupa nova , indo à cidade . E , mesmo assim , poderia ser aceitável se não fosse pelo fato alarmante de que esta manobra interpretativa é agressivamente denominada " transformação " , quando , obviamente , nada mais é que uma nova série de ariscas interpretações . Em outras palavras , infelizmente parece estar ocorrendo uma profunda hipocrisia oculta no jogo que considera qualquer nova interpretação como sendo uma grande transformação . E o mundo em geral , Leste ou Oeste , Norte ou Sul , está , como sempre esteve , na maioria das vezes , completamente surdo a esta calamidade .
Assim , em função da medida de sua realização autêntica , você está realmente pensando em sussurrar gentilmente no ouvido deste mundo quase surdo ? Não , meu amigo , você tem que gritar .
Gritar do fundo do coração o que você viu , gritar o mais que puder .
Mas não indiscriminalmente . Prossigamos cuidadosamente com o grito transformador . Que pequenos grupos de espiritualidade transformadora radical foquem seus esforços e transformem seus estudantes . E que esses grupos lentamente , cuidadosamente , responsavelmente , humildemente comecem a irradiar sua influência , adotando uma tolerância absoluta com todas as visões , mas tentando , todavia , defender uma espiritualidade verdadeira , autêntica e integral - pelo exemplo , por irradiação , por divulgação óbvia , por libertação inequívoca . Que esses grupos de transformação gentilmente convençam o mundo e seus relutantes egos , desafiem sua legitimidade , desafiem suas interpretações limitadoras e ofereçam um despertar que se contraponha ao entorpecimento que assombra o mundo em geral .
Comecemos aqui e agora - você e eu - o nosso compromisso de respirar ao infinito até que apenas o infinito seja o único estado que o mundo reconhecerá . Deixemos que a realização radical brilhe em nossas faces , ruja em nossos corações e troveje em nossos cérebros - o simples fato , o fato óbvio : você , no imediatismo da sua consciência presente , é na realidade , o mundo inteiro , em toda sua paixão e sua indiferença , em toda sua glória e sua graça , em todas suas vitórias e suas lágrimas .
Você não vê o sol , você é o sol ; você não ouve a chuva , você é a chuva ; você não sente a terra , você é a terra . E nesta simples , clara , inequívoca consideração , a interpretação cessará em todos os domínios , você transformar-se-á no próprio Coração do Kosmos e aí , exatamente aí , muito simplesmente , muito tranquilamente , tudo será desfeito . Então , maravilha e remorso serão estranhos a você , você e os outros ser-lhe-ão estranhos , fora e dentro não terão o menor sentido . E num óbvio choque de reconhecimento - onde meu Mestre é meu EU , o EU é o Kosmos e o Kosmos é minha Alma - você andará muito suavemente na bruma deste mundo e o transformará inteiramente não fazendo absolutamente nada .
E então , e então , e somente então , você - finalmente , claramente , cuidadosamente e com compaixão - escreverá na lápide de um ego que nunca existiu : Há somente Ati .
Texto : Ken Wilber
( Tradução Ari Raynsford )
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