quinta-feira, 7 de setembro de 2017

O CAMINHO DA MEDITAÇÃO E DO SAMADHI

   O caminho da meditação , raja yoga , baseia-se no Yoga Sutra , de Patanjali , que ensina o controle psí quico ( Taimni 1961 ) . Yoga chittavrittinirodhah , escreveu Patanjali : " A ioga é o controle das tendências exteriorizantes ( o apego a objetos por exemplo ) da mente . " Controle , aqui , não implica necessariamente controle ativo , e decerto não significa remoção forçada dos pensamentos e de outros objetos de percepção interior . Não prestar atenção nos pensamentos , conforme eles vão surgindo controle passivo - faz maravilhas . De acordo com Pantanjali , o pleno controle psíquico requer oito passos de autodisciplina , incluindo as posturas e práticas respiratórias hatha yoga , o afastamento dos órgãos sensoriais em relação ao mundo exterior , a meditação e o samadhi .
O que é meditação ? Quando nos identificamos com o nosso ego , nós ficamos permanentemente nos agarrados à alguma coisa que nos mantenha ocupados . Pode ser um estimulo externo que capte nossa atenção , ou pode ser um pensamento , uma fantasia . Mas o resultado é o mesmo : ação condicionada . A meditação é um modo de intervir em nossos padrões condicionados . Nós direcionamos nossa atenção a uma palavra ou frase ( mantra ) repetida silenciosamente , ou a um estimulo externo , como a chama de uma vela .
Por que a meditação : um procedimento tão simples - funciona ? Já vimos que o principio da incerteza se aplica aos pensamentos - à complementariedade de seu contexto , ou teor ( análogo á posição dos objetos materiais ) , e á sua direção ( análoga á velocidade do objeto ) . Na meditação , nós ficamos atentos ao teor , perdendo , assim , o controle sobre á direção do pensamento . Quando estamos inteiramente concentrados no teor , e conseguimos perder por completo a direção , nós nos centramos no presente . Esse centramento no presente nos impede de seguir nossas tendências condicionadas exteriorizantes , orientadas para o futuro ou para o passado .
É importante reconhecer que , embora esse tipo de meditação nos ajude a chegar á revelação , ela sozinha , não basta . O sábio budista Hui Neng viu um monge meditando . Imediatamente apanhou duas pedras e começou a fricciona-las com força . De inicio , o monge tentou ignorar o som . Mas , depois de algum tempo , desistiu , abriu os olhos e perguntou ; " Por que você está fazendo esse barulho ? " Hui Neng respondeu : " Estou fazendo um espelho polido . " O monge retorquiu , incrédulo : " Você nunca vai fazer um espelho com essas pedras " Hui Neng disse gravemente ; " Você nunca vai atingir a iluminação meditando . "
Hui Neng tem razão . A forma de meditação que o monge estava praticando , chamada de meditação por concentração , é uma luta . É um trabalho . Para completar o processo criativo , nós precisamos suplementa-la com o relaxamento . Há uma outra forma , á meditação por percepção , que pode nos ajudar a fazer isso . Na meditação por percepção , nós tomamos consciência de nosso pensamentos sem nos prender a nenhum deles isoladamente . Perceba a natureza complementar da meditação por percepção e da meditação por concentração , mais uma vez nos termos de principio da incerteza . Na meditação por percepção , nós atentamos para a direção do pensamento , desprezando o contexto de todo e qualquer pensamento especifico . Permitindo que os pensamentos desfilem em nosso campo mental , nós simplesmente testemunhamos sua passagem , sem " pular para dentro do trem " e sem nos ocupar de seu significado . Quando nos tornarmos testemunhas perfeita , o conteúdo se torna completamente incerto , e o apego ao pensamento cai por terra .
Portanto , assim com a criatividade exterior , a criatividade interior também se condensa numa pratica . Como mencionamos anteriormente , o aspirante espiritual deve , de modo alternado , sondar o pensamento inconsciente , que é uma forma de não-fazer , e lutar pelo insight , que é um fazer . Como cantava Frank Sinatra , " do-be-do-be-do . "
Como a meditação pode nos ajudar a fazer isso ? A luta pelo insight criativo é auxiliada pelo centramento no presente que a meditação por concentração vai erigindo aos poucos , mesmo quando não estamos meditando ativamente . E a meditação por percepção nos ajuda com o ser , ou com o não-fazer . Há um versículo na Bhagavad Gita que sugere que pode haver inação na ação e ação na inação . A pratica do não-fazer da meditação por percepção ( inação ) nos mostra que ainda existe ação condicionada , mesmo quando não fazemos coisa alguma .
Quando nos centramos plenamente no não fazer , subtraindo-nos , assim , ao condicionamento , nós nos tornamos livres para agir criativamente .
Trabalhar regularmente com ambas as meditações , por percepção e por concentração , nos abre para a experiência do fluxo , que Pantanjali denomina Diana , fluxo único ( ekatanata , em sânscrito ) . Nós nos tornamos capazes de fixar nossa atenção durante períodos prolongados ; os pensamentos aparecem , mas circulam inofensivamente em torno do centro de nossa atenção , e a paz e a calma vem permear nosso estado de espirito .
Patanjali fornece também descrições detalhadas do Samadhi - a revelação obtida na meditação , que é a porta que conduz , para além do ego , ao despertar do buddhi . Existem dois tipos de Samadhi . O primeiro , o savikalpa , conduz á algo cada vez mais próximo da experiência de percepção primaria do eu quântico - mas a divisão sujeito-objeto sempre permanece , embora se torne cada vez mais implícita . Varias experiências místicas - o satori no zen , á " visão da luz interior " dos quakers , a experiência budista do não-eu , a experiência de pico da psicologia transpessoal - incluem-se nessa categoria . No segundo e relativamente raro tipo de Samadhi , denominado Nirvikalpa , a separação sujeito-objeto desaparece por completo .
Patanjali enumera vários Samadhi diferentes , de diversos níveis de beatitude , em cada uma dessas duas categorias .
Utilizando as revelações do quadro quântico desenvolvido neste livro , é possível explicar melhor os processos cognitivos que ocorrem quando sondamos o domínio dos fenômenos de colapso da percepção secundaria - domínio que os psicólogos denominam pré-consciente . Em toda experiência comum do ego , os vários fenômenos de colapso de percepção secundarias anteriores ( reflexos no espelho da memória ) apagam toda e qualquer descontinuidade . A experiência do ego , portanto , é continua . Quando se penetra no pré-consciente , pela meditação e prática do fluxo , é possível entrar repentinamente num fenômeno de colapso secundário onde existe um certo reflexo da memória , mas o eu quântico também brilha .É o Savikalpa Samadhi , e suas marcas são a espontaneidade , a beatitude e a unidade com o eu quântico . Depois de mais algum esforço , mas uma vez de modo espontâneo , pode-se entrar em estados de percepção secundaria cada vez mais próximos da experiência de percepção primaria - são estados progressivamente mais elevados do Savikalpa , acompanhados de níveis crescentes de beatitude . Além disso , existe a possibilidade de entrar no intervalo entre dois colapsos de percepção secundaria , no processamento inconsciente , o que é o Nirvikalpa Samadhi .
De especial importância é o próprio estado de colapso de percepção primaria , em que o eu quântico brilha plenamente , e aquele que conhece , aquilo que é conhecido e o campo do conhecimento convergem . Nesse estado não há reflexos da memória passada , de modo que ele é experimentado como dinâmico , sempre novo e mesmo assim atemporal , pois , sem a memoria , não existe tempo . Nesse estado , há a sabedoria que a tradição denomina turiya , a suprema e inefável sabedoria da consciência em si mesma . A turiya não é uma experiência , porque não há divisão sujeito-objeto . Mas , como a sabedoria ocorre no fenômeno de colapso de percepção primaria , o sábio se refere a ela como " o quarto " .
Em que o nirvikalpa samadhi difere de sono profundo , sem sonhos ? Para entender isso , vamos investigar mais uma vez a diferença entre vigília , sonho e sono sem sonhos . No estado de vigília , a divisão sujeito-objeto esta presente e existe percepção exterior e interior . Durante o sonho , existe somente percepção interior , mas não exterior , embora a divisão sujeito-objeto permaneça . No sono profundo , não existe percepção sujeito-objeto , seja interior , seja exterior .
No sono profundo existe consciência , *mas não percepção ?* Sim , existe consciência . A pessoa que desperta do sono profundo diz prontamente " eu dormi bem " , o que sugere uma consciência .
O processamento inconsciente no sono profundo e a consciência que o acompanha são condicionados pela inclinação probabilística das possibilidades quânticas do complexo pessoal mente-corpo . Portanto existe prazer no sono , mas o "eu " que dorme não muda . No nirvikalpa samadhi , esse processamento inconsciente de probabilidade inclinada processamento condicionado pelo samskaras ( as propensões adquiridas ) do passado dá lugar , cada vez mais , a uma liberdade pura e livre de inclinações . Por isso o nirvikalpa samadhi é chamado de ritambhara , em sânscrito - tão cheio de verdade que a verdade transborda dele , e é transformador . O " eu " que desperta do nirvikalpa samadhi nunca é o mesmo " eu " que entrou nele .
Os pesquisadores hindus chegam a quantificar a diferença entre o samadhi e o sono profundo em termos do nível de beatitude experimentada . De acordo com tratados hindus , o nível de beatitude do nirvikalpa samadhi é várias ordens de magnitude maior que o do sono profundo comum . Medir níveis de beatitude não é tão inviável quando parece ; um dos critérios de meditação , por exemplo , é o período de tempo que perdura a beatitude . Com o sono profundo , é apenas alguns minutos . Mas a beatitude de samadhi , mesmo de um savikalpa samadhi , pode durar dias .
Certa vez pratiquei japa ( repetição interior de um mantra ) durante sete dias e fui recompensado com uma percepção da unidade com o eu universal ( savikalpa samadhi ) ; foi minha nuance , meu ponto de entrada na jornada da criatividade interior . A experiência real durou apenas uma fração de segundo . Mas a beatitude que se seguiu perdurou , com plena força , por dias inteiros , se desvaneceu gradualmente durante os dias seguintes . O filosofo Franklin Merrell Wolff escreveu que , quando teve sua primeira realização mística ( também uma savikalpa samadhi , embora mais profunda do que o que experimentei ) , a beatitude durou mais de noventa dias ( Merrell-Wolff 1955 ) . Ramana Maharshi atingiu a turiya com a idade de 16 anos , a beatitude daquele acontecimento esteve ao seu alcance durante a vida inteira .
Ioga , disse Patanjali , é controle psíquico , controle das tendências exteriorizantes da mente .
Uma outra definição seria : " ioga é aquietar a mente " . Mas você não consegue controlar , ou aquietar a mente lutando ; uma estratégia melhor seria alternando a determinação e a resignação até tornar-se uma testemunha desinteressada . Quando a mente de fato se esvaziar , você transcende a mente comum discursiva comum , tornando-se sensível à realidade criativa primaria do eu quântico . Ou , melhor ainda , você entra no nirvikalpa samadhi , transcendendo completamente a percepção sujeito-objeto . E então a sua vida espiritual floresce .
Acontece quando você menos luta , quando você menos espera , como na história de Subhuti , um discípulo de Budha . Subhuti estava meditando debaixo de uma árvore quando começaram a cair flores sobre ele e vozes começaram a cantar . " Nós vos louvamos pela vossa exposição sobre o vazio da mente . " " Mas eu não disse nada " , respondeu Subhuti , surpreso . " Vós não disseste nada , e nós ouvimos nada ; esse é o verdadeiro vazio " , retrucaram as vozes . E as flores continuaram caindo .


Texto : Marcos Modesto        

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