sábado, 4 de maio de 2013

" Morte , Renascimento e Meditação "

Praticamente em todas as tradições religiosas místicas pelo mundo afora se acha presente algum tipo de doutrina de reencarnação . O próprio cristianismo a admitia até por volta do século IV d.C . , quando por motivos em grande parte políticos , recaiu sobre ela o anátema . Não obstante , muitos místicos cristãos aceitam hoje essa idéia . Como salientou o teólogo cristão John Hick em sua importante obra Death and Eternal Life [ Morte e Vida Eterna ] , todas as religiões do mundo , inclusive o próprio cristianismo , estão de acordo quanto à ocorrência de algum tipo de reencarnação .
Por certo , o fato de muitas pessoas acreditarem em alguma coisa não faz com que ela seja verdadeira . E é muito difícil sustentar a idéia da reencarnação fazendo apelo a " evidências " que assumem a forma de alegadas lembranças de uma vida passada , pois na maioria dos casos pode-se demonstrar que essas lembranças não passam de revivescências de traços de uma memória subconsciente oriundas desta vida .
No entanto , o problema não é tão sério quanto poderia a princípio parecer pois a doutrina da reencarnação , tal como é apresentada pelas grandes tradições místicas , é uma noção bastante específica : Ela não significa que a mente viaja ao longo de vidas sucessivas e que , por conseguinte , em condições especiais - como , por exemplo , sob hipnose - a mente pode recordar todas as suas vidas passadas . Pelo contrário , é a alma , e não a mente , que transmigra . Portanto , o fato de não se poder provar a reencarnação fazendo-se apelo às lembranças de vidas passadas é exatamente o que se poderia esperar : lembranças específicas , idéias , conhecimentos , e assim por diante pertencem à mente e não transmigram .
Tudo isto é deixado para trás , juntamente com o corpo , por ocasião da morte .
Talvez algumas poucas lembranças específicas consigam se insinuar de vez em quando , como nos casos registrados pelo Professor Ian Stevenson e por outros , mas esses casos constituiriam antes a exceção que a regra . O que transmigra é a alma , e esta não é um conjunto de lembranças , de idéias ou de crenças .
Bem , de acordo com a maioria dos ramos da filosofia perene , a alma possui duas características básicas que a definem : primeira , ela é o repositório das " virtudes " do indivíduo ( ou da falta das mesmas ) - isto é , de seu carma , ao mesmo tempo bom e ruim ; segunda , ela é a " força " da percepção de uma pessoa , ou a capacidade que o indivíduo possui de " testemunhar " o mundo dos fenômenos sem nenhum apego ou aversão . Esta segunda capacidade é também conhecida como " sabedoria " . A reunião de ambas - virtude e sabedoria - constitui a alma , que é a única coisa que transmigra . Desse modo , quando as pessoas afirmam que se " lembram " de uma vida passada - onde viveram , qual era o seu meio de vida , e assim por diante - essas pessoas , de acordo com qualquer religião importante ou em qualquer ramo da filosofia perene , não estão se lembrando de nenhuma efetiva existência passada . Somente os budas ( ou tulkus ) , segundo se afirma , podem se lembrar de vidas passadas - constituem eles a exceção à regra .


A Reencarnação como Hipótese Espiritual

Porém , se ostensivas lembranças de vidas passadas não constituem provas satisfatórias de reencarnação , que outro tipo de evidências poderia haver para sustentar essa doutrina ? Seria preciso lembrar aqui que a filosofia perene , de um modo geral , permite três tipos principais e diferentes de conhecimento e sua verificação : o conhecimento sensorial ou empírico , o conhecimento mental ou lógico e o conhecimento espiritual ou contemplativo . A reencarnação não é uma hipótese sensorial nem mental ; não pode ser explicada ou verificada por meio de dados sensoriais ou de dedução lógica . É uma hipótese espiritual que deve ser testada com os olhos da contemplação , e não com o olhos da carne ou com os da mente . Desse modo , embora não possamos encontrar nenhum tipo habitual de evidência capaz de nos convencer da reencarnação , quando praticamos a contemplação e adquirimos uma certa competência nessa tarefa , começamos a observar determinados fatos óbvios - por exemplo , que a postura testemunhante , a postura da alma , começa a compartilhar da eternidade , do infinito .
Há uma natureza atemporal com relação à alma que se torna perfeitamente óbvia e inconfundível : começa-se de fato a " sentir " a imortalidade da alma , a intuir que , até certo ponto , ela está acima do tempo , acima da história , acima da vida e da morte . Dessa maneira , vamos gradualmente adquirindo a certeza de que a alma não morre com o corpo , ou com a mente , que a alma existia antes e continuará a existir . Mas esta certeza não tem nada a ver com lembranças específicas de vidas passadas . É , em vez disso , uma recordação daquele aspecto da alma que toca o espírito , e é , por conseguinte , radical e perfeitamente eterno .
Na verdade , a partir desse ponto de vista , torna-se óbvio que , como expressou Shankara , o grande vidente vedanta : " único transmigrante é o Senhor " , ou o próprio Espírito Absoluto . É , afinal , o próprio Buda-mente , o Único , que aparece sob todas essas formas , manifestando-se sob todas essas aparências , transmigrando como todas essas almas . Nos estágios mais profundos da contemplação torna-se bastante palpável essa experiência da eternidade e do espírito como imortal e indestrutível . 
Não obstante , de acordo com os ensinamentos perenes , não é apenas o Absoluto que transmigra : a própria alma do indivíduo , quando não iluminada , também transmigra . Quando a alma desperta , ou se dissolve no espírito , ela não mais transmigra ; ela está " libertada " , ou compreende que enquanto espírito , está reencarnada em toda a parte , como todas as coisas . Mas se a alma não desperta para o espírito , se não é iluminada , ela reencarna , levando consigo o acúmulo de sua virtude e de sua sabedoria , em vez de recordações específicas de sua mente . E essa cadeia de renascimentos prossegue até que esses dois acúmulos - virtude e sabedoria - atinjam finalmente um ponto crítico , quando a alma se torna iluminada , ou se dissolve e se liberta no espírito , fazendo assim com que termine a transmigração individual .
Mesmo o budismo , que nega a existência absoluta da alma , reconhece que ela tem uma existência relativa , ou convencional , e que essa alma , relativa ou convencionalmente existente , transmigra . Quando o Absoluto , ou shunyata , é diretamente vivenciado , a transmigração relativa - e a alma separada - chega ao fim . Poder-se-ia pensar , entretanto , que um budista se oporia ao uso da palavra alma neste contexto , por se tratar de um termo que em geral tem uma conotação de algo indestrutível ou eterno - conotação que parece incompatível com a concepção budista de que a alma tem apenas uma existência relativa e temporária . No entanto , uma consideração mais atenta dos ensinamentos da filosofia perene , resolverá essa aparente contradição .
De acordo com a tradição perene , a alma é de fato indestrutível , mas quando ela descobre plenamente o espírito , seu próprio sentido de separatividade , ou expressão da pessoa em particular , porém o seu ser ou centro desloca-se para o espírito , dissolvendo assim sua ilusão de separatividade . E esta doutrina concorda quase exatamente com os ensinamentos mais elevados do budismo - a anuttaratantra ioga , ou " supremo ensinamento tântrico " - segundo o qual existe no centro mesmo do chakra do coração , em cada indivíduo , aquilo que é tecnicamente denominado " a gota indestrutível " ( ou luminosidade ) . Como ensina o Vajrayana , é essa gota indestrutível que transmigra . E mais : ela é indestrutível ; afirma-se que até mesmo os budas a possuem . A gota indestrutível é considerada a sede do próprio " vento " sutil ( rLung ) que sustenta a " própria mente sutil [ ou causal ] , a mente da iluminação , ou essência espiritual do indivíduo . O budismo concorda , portanto , com a filosofia perene : a gota indestrutível é a alma , o continuum , tal como a defini .


Estágios do Processo do Morrer : Dissolução da Grande Cadeia do Ser 

De um modo geral , os diversos ramos da filosofia perene estão de acordo quanto aos estágios do processo do morrer e às experiências que acompanham esses estágios : a morte é um processo no qual a Grande Cadeia do Ser se " dissolve " , para o indivíduo , " de baixo para cima " por assim dizer . Isto é , por ocasião da morte o corpo se desfaz dentro da mente , depois a mente se desfaz dentro da alma , e então a alma se desfaz dentro do espírito , sendo cada uma dessas dissoluções caracterizadas por um conjunto específico de acontecimentos . Por exemplo , a dissolução do corpo na mente corresponde ao processo efetivo da morte . A dissolução da mente na alma é vivenciada como uma revisão e um " julgamento " da própria vida . A dissolução da alma no espírito é uma libertação radical e uma transcendência . O processo é , então , por assim dizer , " revertido " , e , com base nas tendências cármicas acumuladas pelo indivíduo , é gerada uma alma a partir do espírito , em seguida uma mente a partir da alma , e depois um corpo a partir da mente , quando então o indivíduo esquece todas as etapas anteriores e se encontra renascido num corpo físico . De acordo com os tibetanos , esse processo todo leva cerca de quarenta e nove dias .
A tradição tibetana contém a discrição mais rica e mais detalhada dos estágios da dissolução da Grande Cadeia durante o processo do morrer . Segundo os tibetanos , as experiências subjetivas que acompanham cada um dos oito estágios da dissolução são conhecidos tecnicamente como " miragem " , " aparência de fumaça " , " pirilampos " , " lamparina " , " aparência branca " , " aumento do vermelho " , " quase-realização do negro " e " clara luz " . Para compreender esses termos , precisamos de uma versão um pouco mais detalhada e precisa da Grande Cadeia . Por isso , em vez de nossa versão simplificada de corpo , mente , alma e espírito , recorreremos a uma versão ligeiramente ampliada : matéria , sensação , percepção , impulso , psíquico , sutil , causal ( ou não-manifesto ) e espírito ( ou supremo ) .
O primeiro estágio do processo do morrer ocorre quando o agregado de forma , ou matéria - o nível mais baixo da grande cadeia - se dissolve . São cinco os sinais externos desse estágio : o corpo perde seu vigor físico ; a vista se torna embaçada e indistinta ; sente-se o corpo pesado , como se estivesse " afundando " ; a vida abandona os olhos ; e a tez perde o seu brilho . O sinal interno que acompanha espontaneamente esses sinais externos , é uma " aparência de miragem " , uma espécie de imagem tremeluzente e como que aquosa , semelhante às que aparecem no deserto num dia quente . Afirma-se que isto ocorre porque , tecnicamente , o " vento " ( prana ) do elemento " terra " dissolveu-se no " canal central " e , desse modo , o elemento " água " predomina - daí o aspecto aquoso ou semelhante a miragem .
A seguir , o segundo agregado , o da sensação , se dissolve . Há , novamente , cinco sinais externos : a pessoa deixa de experimentar sensações corpóreas , agradáveis ou desagradáveis ; cessam as sensações mentais ; secam os fluidos do corpo ( por exemplo a língua fica muito seca ) ; deixa-se de ouvir os sons exteriores ; e cessam igualmente os sons interiores ( por exemplo , zumbidos nos ouvidos ) . O sinal interno associado a essa segunda dissolução é uma " aparência de fumaça " , semelhante a um nevoeiro . Tecnicamente , diz-se que isto ocorre porque o elemento " água " , que provocara a aparência de miragem , está se dissolvendo no elemento " fogo " - daí o aspecto esfumaçado .
O terceiro estágio é a dissolução do terceiro nível ou agregado , o nível da percepção ou discernimento . Os cinco sinais externos : o indivíduo não reconhece nem distingue mais os objetos ; já não pode reconhecer os amigos ou familiares ; o corpo perde o calor ( ele se torna frio ) ; a respiração fica muito fraca e superficial ; e o indivíduo não consegue mais perceber os odores . O sinal interior que acompanha espontaneamente esse estágio denomina-se " pirilampos " , e é descrito como uma aparição semelhante a um enxame de pirilampos ou de fagulhas que se desprendem de uma fogueira . Tecnicamente , explica-se essa ocorrência atribuindo-se à dissolução do elemento " fogo " , e à predominância , a partir daí , do elemento " vento " .
O quarto estágio é a dissolução do quarto nível ou agregado , o do impulso ( ou " disposições intencionais " ) . Eis os cinco sinais externos dessa dissolução : o indivíduo já não consegue se mover ( pois não há mais impulsos ) ; já não consegue lembrar-se de ações ou dos objetivos das mesmas ; cessa toda a respiração ; a língua fica espessa e azulada , e o indivíduo já não consegue falar com clareza ; e já não sente o gosto ou paladar . O sinal interno desse estágio é uma " aparência de lamparina " , descrita como semelhante a uma luz brilhante , clara e constante . ( A essa altura , podemos começar a perceber semelhanças com a experiência de quase-morte , que discutirei adiante . )
Para compreender o quinto estágio , e os subsequentes , do processo de dissolução , é necessário ter alguma noção de filosofia tântrica . Segundo o Vajrayana , todos os estados mentais - grosseiro , sutil e muito sutil - são mantidos por " ventos " , ou energias , ou forças vitais correspondentes ( prana em sânscrito , rLung em tibetano ) . Quando esses ventos se dissolvem , também se dissolvem as mentes que a eles correspondem . O quinto estágio é o da dissolução do quinto nível ou agregado , o da cognição ou a própria consciência . Todavia , como elucidam os ensinamentos do Vajrayana , há muitos níveis de consciência .
Esses níveis se dividem nas chamadas mente grosseira , mente sutil e mente muito sutil , cada uma delas dissolvendo-se numa determinada ordem , produzindo experiências e sinais específicos . Assim , o quinto estágio é o da dissolução da mente grosseira , juntamente com o " vento " ou prana ( força vital ) que a sustenta . Deixa então de haver a conceitualização grosseira , a mente ordinária .
Durante esse quinto estágio , depois que morre o último vestígio da mente grosseira e que começa a emergir a mente sutil , experimenta-se um estado denominado " aparência branca " . Afirma-se que se trata de uma luz branca , muito clara e brilhante , semelhante a uma clara noite de outono brilhantemente iluminada pela opaca luminosidade da Lua cheia . Para compreender a causa dessa aparência branca , temos de introduzir a noção tibetana de thig-le , que significa , aproximadamente , " gotas " ou " essência " . Segundo o Vajrayana , há quatro gotas , ou essências , que são particularmente importantes . A primeira , a gota branca , está localizada na parte superior da cabeça ; o indivíduo a recebe de seu pai e afirma-se que ela representa ( ou que é , realmente ) bodhicitta , ou a mente-iluminação . A segunda , a gota vermelha , o indivíduo a recebe de sua mãe ; está localizada no centro umbilical . ( Também se diz que a gota branca está associada ao sêmen e a gota vermelha ao sangue [ menstrual ] , mais o importante é que ambas estão igualmente presentes nos homens e nas mulheres . A terceira , conhecida como " a gota que é indestrutível nesta vida " , está localizada no próprio centro do chakra do coração . Essa gota é , por assim dizer , a essência da presente vida do indivíduo ; é o seu " continuum " , que armazena todas as impressões e conhecimentos de sua experiência particular . E no interior dessa " gota indestrutível nesta vida " está a quarta gota , " a gota que é eternamente indestrutível ou para todo o sempre indestrutível " . É esta a gota indestrutível que persistirá para sempre - isto é , que é indestrutível no decorrer da vida presente , indestrutível no decorrer da morte e do processo de morrer , indestrutível no decorrer do bardo , ou estado intermediário entre a morte e o renascimento , e indestrutível no decorrer do próprio renascimento . Essa gota persiste até mesmo no decorrer da iluminação e é , na verdade , o próprio vento sutil que serve de " montaria " , ou de base , para o ser iluminado . Como foi mencionado antes , afirma-se que até mesmo os budas possuem essa gota eternamente indestrutível .
Desse modo , o que vimos até agora foi a dissolução de todos os ventos grosseiros e das mentes grosseiras a eles associadas . Emergiu , então , a primeira mente sutil - a da " aparência branca " - " cavalgando " o vento sutil , ou energia sutil , que a ela corresponde . Bem , afirma-se que a verdadeira causa dessa mente da aparência branca é a descida da gota branca , ou bodhicitta , do chakra coronário para o chakra do coração . Costuma-se dizer que a gota branca é retida no chakra coronário pela constrição de nós e ventos da ignorância e pelo apego e agarramento ao nível grosseiro . Porém , nesse estágio do processo do morrer , a mente grosseira dissolveu-se de modo que os nós ao redor do chakra coronário se afrouxam naturalmente e a gota branca desce até a gota indestrutível do chakra do coração . Quando a alcança , surge espontaneamente a mente da aparência branca .
Incidentalmente , se essas explicações tibetanas dos fenômenos em questão parecem um tanto artificiais , seria bom lembrar que há uma enorme quantidade de evidências contemplativas que dão apoio em favor da existência das diversas experiências que , segundo se diz , ocorrem durante o processo do morrer . As próprias experiências são reais e parecem em grande parte irrefutáveis , mas a avaliação tradicional que os tibetanos oferecem para explicar o que realmente as provoca deixa bastante espaço para discussões . ( Voltarei em breve a este ponto . ) Aqui , limito-me a descrever a pura e simples versão tibetana como ponto de partida .
Não obstante , não deveríamos nos esquecer de que , ao contrário de nossa própria cultura ocidental , culturas tradicionais como a tibetana convivem constantemente com a morte ; as pessoas morrem em suas casas , rodeadas pela família e por amigos . Desse modo , os estágios reais do processo do morrer têm sido observados milhares , até mesmo milhões de vezes . E quando acrescentamos o fato suplementar de que os tibetanos possuem uma compreensão bastante sofisticada da dimensão espiritual e de seu desenvolvimento , o resultado é um acervo incrivelmente rico de conhecimento e de sabedoria a respeito do efetivo processo do morrer e da maneira como ele se relaciona com a dimensão espiritual , o desenvolvimento espiritual , o carma e o renascimento , e assim por diante . Para um investigador , seria evidentemente uma tolice rejeitar a massiva quantidade de dados acumulados por essa tradição .
Continuamos , porém , com os estágios do processo do morrer . No sexto estágio , dissolve-se a mente sutil juntamente com seu vento , e emerge uma mente ainda mais sutil , chamada de " aumento do vermelho " , que é igualmente uma experiência de luz brilhante . Neste caso , porém , trata-se de uma experiência semelhante a um claro dia de outono banhado por uma brilhante luz solar .
Tecnicamente falando , isto ocorre porque se dissolveram os ventos que sustentam a vida material , de modo que todos os nós e constrições ao redor do umbigo que aí estavam retendo o bodhicitta vermelho , ou gota vermelha , se soltam ou são afrouxados . Então , a gota vermelha sobe até a gota indestrutível , no coração .
Quando a atinge , a mente do aumento do vermelho surge espontaneamente .
O sétimo estágio , segundo se afirma , é a dissolução da mente sutil do aumento do vermelho e a emergência de uma mente e de um vento ainda mais sutis , a que se dá o nome de " mente da quase-realização do negro " . Nesse estado , cessa por completo a consciência , e dissolve-se toda a manifestação . Além disso , há uma cessação de todas as consciências e energias específicas que se desenvolveram nesta vida . Diz-se que é a experiência de uma noite completamente negra , sem estrelas , sem nenhuma luz . Denomina-se " quase-realização " pois está , por assim dizer , " aproximando-se " da realização final ; está se aproximando da clara luz do vazio . Em outras palavras , pode-se imaginar que esse nível é o mais elevado do sutil ou o mais baixo do causal , ou que é a dimensão não-manifesta do próprio espírito . Tecnicamente falando , esse " negrume " ocorre porque a gota branca de cima e a gota vermelha de baixo cercam agora a gota indestrutível , eliminando assim toda a percepção .
No entanto , no estágio seguinte e final - o oitavo estágio - a gota branca continua a descer e a gota vermelha a subir , libertando ou abrindo assim a gota indestrutível . Diz-se , então , que o resultado é um período de claridade extraordinária e de percepção brilhante , onde se vivencia a presença de um céu extremamente claro , brilhante e radioso , livre de quaisquer tipos de manchas , de nuvens e de obstruções . É essa a clara luz .
Agora , diz-se que a mente da clara luz não é uma mente sutil , mas uma mente muito sutil , que cavalga um vento , ou energia , correspondentemente muito sutil . Essa mente e essa energia muito sutil , ou " causais " , são , na verdade , a mente e a energia da gota eternamente indestrutível . É esse o corpo causal , ou a suprema mente e energia espiritual , o Dharmakaya . Neste ponto , a gota eternamente indestrutível deixa cair a gota indestrutível da vida presente , cessa por completo a consciência e a alma , a gota eternamente indestrutível , inicia a experiência do bardo , ou os estados intermediários que levarão eventualmente ao renascimento . A gota branca continua a descer e surge como uma gota de sêmen no órgão sexual , e a gota vermelha continua a subir e surge como uma gota de sangue nas narinas . Finalmente , ocorre a morte , e o corpo pode ser descartado . Quem faz isso prematuramente torna-se carmicamente culpado de assassinato , pois o corpo ainda está vivo .

Estágios do Processo de Renascimento

O que vimos até agora foi a progressiva dissolução da Grande Cadeia , no caso de um indivíduo , começando embaixo e operando para cima . A matéria , ou forma , dissolveu-se no corpo ( ou na sensação , e depois na percepção , e por fim , no impulso ) e o corpo dissolveu-se na mente , na mente grosseira . Esta dissolveu-se em seguida na mente sutil , ou nos domínios da alma , que por sua vez reverteu à essência causal ou espiritual . Neste ponto , o processo será invertido , dependendo inteiramente do carma da alma - do acúmulo de virtude e de sabedoria que a alma leva consigo . Desse modo , a experiência do bardo se divide em três domínios , ou estágios básicos , os quais são simplesmente os domínios do espírito , em seguida da mente , e por fim do corpo e da matéria . De acordo com a sua virtude e com a sua sabedoria , a alma reconhecerá as dimensões superiores - e neste caso permanecerá nelas - ou então não as reconhecerá - na verdade , ela fugirá delas - e neste caso acabará " escorregando " pela Grande Cadeia do Ser até ser forçada a adotar um corpo físico grosseiro e , portanto , a renascer .
No momento da morte efetiva ou final - a que estivemos nos referindo como sendo o oitavo estágio de todo o processo do morrer - a alma , ou gota eternamente indestrutível , penetra no chamado bardo chikhai , que nada mais é que o próprio espírito , o Dharmakaya . Como afirma o Livro Tibetano dos Mortos : " Nesse momento , o primeiro vislumbre do Bardo da Clara Luz da Realidade , que é a infalível Mente do Dharmakaya , é percebido por todos os seres sensíveis . " 
É neste ponto que a meditação e o trabalho espiritual tornam-se tão importantes . De acordo com o Livro Tibetano dos Mortos , a maioria das pessoas é incapaz de reconhecer esse estado pelo que ele realmente é . Em termos cristãos , essas pessoas não conhecem Deus , de modo que não sabem quando é Deus que olha para elas de frente . Na verdade , elas estão , a essa altura , unidas a Deus , estão inteira e totalmente numa situação de identidade suprema com a Divindade . Porém , a menos que reconheçam essa identidade , a menos que tenham sido contemplativamente treinadas para reconhecer esse estado de Unidade divina , elas na verdade fugirão dele , levadas por seus desejos inferiores e por suas inclinações cármicas . Como diz W. Y . Evans-Wentz , o primeiro tradutor do Livro Tibetano dos Mortos : " Devido à não-familiaridade com esse estado , que é um estado extático de não-ego , um estado de consciência [ causal ] , falta ao ser humano médio a capacidade de funcionar nesse estado ; as inclinações cármicas obscurecem a consciência-princípio com pensamentos de personalidade , de ser individualizado , de dualismo , e , perdendo o equilíbrio , a consciência-princípio abandona a Clara Luz " .
Desse modo , a alma se retrai afastando-se da Divindade , do Darmakaya , do causal . De fato , diz-se que a alma procura realmente escapar da realização da Divina Unidade e se " apaga " , por assim dizer , até acordar no domínio inferior seguinte , denominado bardo chonyid , a dimensão sutil , o Sambhogakaya , a dimensão arquetípica . Essa experiência é caracterizada por visões psíquicas e sutis de todo tipo , visões de deuses e deusas , dakas e dakinis , todas acompanhadas de luzes deslumbrantes e quase dolorosamente brilhantes , de iluminações e de cores . Porém , mais uma vez as pessoas , em sua maioria , não estão acostumadas com esse estado , e não têm nenhuma idéia do que seja a luz transcendental e a iluminação divina , de modo que elas fogem desses fenômenos e são atraídas pelas luzes mais fracas , ou impuras , que também aparecem .
Desse maneira , a alma volta a se contrair interiormente , tenta afastar-se dessas visões divinas , se apaga de novo e acorda no chamado bardo sidpa , o domínio da reflexão grosseira . Aqui , a alma tem eventualmente uma visão de seus futuros pais copulando , e - no bom e velho estilo freudiano - se vai nascer como menino , sentirá desejo pela mãe e ódio pelo pai , e se vais nascer como menina , odiará a mãe e sentirá atração pelo pai . ( Pelo que sei , é esta a primeira explicação pormenorizada do complexo de Édipo/Electra - cerca de mil anos antes de Freud , como o próprio Jung assinalou .
Nesse estágio , diz-se que a alma - por causa de seu ciúme e de sua inveja - " entra " em sua imaginação para separar o pai e a mãe , para se interpor entre eles ; mas o resultado é , simplesmente , que ela de fato , se interpõe entre eles , na realidade - isto é , ela acaba renascendo como seu filho , ou sua filha . Ela agora sente desejo , aversão , apego , ódio , e tem um corpo grosseiro : em outras palavras , é um ser humano . Encontra-se no estágio mais baixo da Grande Cadeia , e seu próprio crescimento e desenvolvimento será uma nova subida , passando mais uma vez pelos estágios que ela acaba de negar e dos quais fugiu ; sua evolução é , por assim dizer , uma inversão da " queda " . A altura até onde subirá de volta na Grande Cadeia do Ser determinará a maneira como ela consegue lidar com o processo do morrer e com os estados do bardo , quando chegar de novo a hora de abandonar o corpo físico .


Interpretação das Experiências Subjetivas de Morte e de Renascimento    

       
 As evidências contemplativas sugerem vigorosamente que os dados , as experiências reais que acompanham o processo do morrer - por exemplo , a " aparência branca " , o " aumento do vermelho " a " quase-realização do negro " , ou sejam quais forem os termos que queiramos usar - existem e são bastante reais . Encontram-se evidências suplementares de sua realidade no fato de que essas experiências possuem efetivas referências ontológicas nas dimensões superiores da Grande Cadeia do Ser . Por exemplo , as três experiências acima mencionadas referem-se , respectivamente , àquilo que chamei de estruturas ( ou níveis de consciência ) psíquicas , sutis e causais . Na verdade , referem-se com muita precisão a esses níveis , a despeito das várias e legítimas diferentes explicações que também lhes poderiam ser dadas . Desse modo , em minha opinião os níveis são reais , eles possuem status ontológico real e definido , de maneira que as experiências desses níveis são , elas próprias , reais . Isto , porém , não significa que não podem ser bastante diferentes as experiências que cada indivíduo tem deses níveis .
Um budista , por exemplo , provavelmente perceberá a " aparência branca " como uma espécie de vazio ou shunyata , ao passo que um místico cristão poderá vê-la sob a forma de uma presença santa , possivelmente a do próprio Cristo , ou como um grande ser de luz . Mas é assim que tem de ser . Pois , até que a " gota indestrutível da vida presente " - as impressões e crenças acumuladas e que foram reunidas no decorrer da vida de um indivíduo - se dissolva efetivamente ( naquele a que chamamos de sétimo estágio ) , ela irá colorir e moldar todas as experiências desse indivíduo . Um budista terá , por conseguinte , uma experiência budista , um cristão terá uma experiência cristã , um hindu terá uma experiência hindu e um ateu se sentirá provavelmente muito confuso . Seria tudo isso o que deveríamos esperar . É somente no oitavo estágio , na clara luz do vazio , ou da pura Divindade , que as interpretações pessoais e as crenças sutis de cada indivíduo são abandonadas , e que é proporcionada uma compreensão direta da própria realidade pura , como clara luz . Portanto , a explicação tibetana para os dados não é a única possível . É , não obstante , uma dentre várias e muito importantes , reflexões ou perspectivas sobre os processos do morrer , da morte e do renascimento , arraigados numa compreensão profunda da Grande Cadeia do Ser , tanto no sentido " ascendente " ( meditação e morte ) , como no " descendente " ( bardo e renascimento ) .


A Experiência de Quase-Morte e os Estágios do Processo do Morrer 

O fenômeno mais comum nos relatos ocidentais sobre a experiência de quase-morte ( EQM ) é a sensação de atravessar um túnel e de avistar então uma luz brilhante , ou de encontrar um grande ser de luz - um ser dotado de incrível sabedoria , inteligência e bem-aventurança . Pouco importa aqui o credo religioso de cada indivíduo em particular ; os ateus têm esse tipo de experiência com a mesma frequência dos verdadeiros crentes . Em si mesmo , esse fato tende a corroborar a idéia de que , durante o processo do morrer , a pessoa estabelece contato com algumas das dimensões mais sutis da existência .
Do ponto de vista do modelo tibetano que discutimos acima , a " luz " relatada nas EQMs , dependendo de sua intensidade ou de sua claridade , poderia ser o nível da lamparina , da aparência branca ou do aumento do vermelho . O importante é que , a essa altura do processo da morte , dissolveram-se a mente e o corpo grosseiros , ou os ventos e as energias grosseiras , e assim começam a emergir as dimensões mais sutis da mente e da energia , caracterizadas pela iluminação brilhante , pela clareza mental e pela sabedoria . Não é , pois , de causar surpresa o fato de que , independentemente de sua crença , as pessoas relatem universalmente , a essa altura , a experiência da luz . Muitos daqueles que descrevem suas EQMS acreditam que a luz que viram é espírito absoluto . No entanto , se o modelo tibetano estiver preciso , o que as pessoas vêem durante a EQM não é exatamente o nível mais elevado . Para além da aparência branca ou do aumento do vermelho , há a quase-realização do negro , depois a clara luz e depois os estados do bardo .
A experiência da luz do nível sutil é muito agradável - é , na verdade , um espantoso estado de beatitude . E o nível seguinte , o nível muito sutil , ou causal o é ainda mais . De fato , as pessoas que tiveram EQMs relatam jamais terem experimentado maior sensação de paz , nem nada tão profundo e tão pleno de felicidade . Não nos devemos porém esquecer de que , até essa altura , tudo nessas experiências é moldado pela " gota indestrutível da vida presente " : por conseguinte , como já observamos , os cristãos poderiam ver Cristo , os budistas ver Buda , e assim por diante . Tudo isto faz sentido , pois as experiências desses domínios são condicionadas pelas experiências de nossa vida presente . Mas depois , no oitavo estágio , a " gota indestrutível da vida presente " é solta , juntamente com todas as lembranças e impressões pessoais , e com tudo o que é específico desta vida em particular , e a " gota eternamente indestrutível " sai do corpo e entra no estado bardo . Começa , portanto , a provação do bardo - um verdadeiro pesadelo , a menos que o indivíduo esteja muito familiarizado com esses estados graças à meditação .
Num certo sentido , a experiência do morrer e a EQM são , na verdade , muito divertidas : relata-se universalmente que , uma vez superado o pavor de morrer , o processo passa a ser pleno de felicidade , de paz e de eventos extraordinários . Tendo-se porém completado a " subida " , começa a " descida " , ou bardo - e aí é que entra a dificuldade . Porque , ao chegar neste ponto , todas as nossas inclinações cármicas , todos os nossos apegos , desejos e medos aparecem realmente bem diante de nossos olhos , por assim dizer , como num sonho , pois o bardo é uma dimensão puramente mental ou sutil , semelhante a um sonho , na qual tudo o que pensamos surge imediatamente como uma realidade .
Desse modo , não se ouve falar nesse " lado do declive " do processo da morte entre os que passaram por uma EQM . Eles experimentaram apenas os primeiros estágios do processo global . Seus testemunhos constituem , não obstante , uma poderosa evidência de que esse processo realmente ocorre . Tudo neles se ajusta com notável e inconfundível precisão . Além disso , não é possível explicar seu testemunho alegando que todos eles estudaram o budismo tibetano ; na realidade , a maioria dessas pessoas jamais ouvira falar nele . Mas suas experiências são essencialmente semelhantes às dos tibetanos pois elas refletem a realidade universal e transcultural da Grande Cadeia do Ser . Parece agora que , simplesmente , não há outra maneira de interpretar os dados , de fato abundantes , que vêm se acumulando sobre esse assunto .


A Meditação como Treinamento para a Morte

Como é que a meditação se ajusta a tudo isso ? Toda forma de meditação é , basicamente , uma maneira de transcender o ego , ou de morrer para o ego . Neste sentido , ela imita a morte - isto é , a morte do ego . Quando progride razoavelmente bem num sistema qualquer de meditação , o indivíduo pode atingir um ponto em que , tendo " testemunhado " de maneira tão exaustiva a mente e o corpo , ele realmente se ergue acima da mente e do corpo , isto é , os transcende ; " morre " , assim para eles , para o ego , e desperta como alma sutil , ou mesmo espírito . E isto é efetivamente vivenciado como uma morte . No zen ,é chamado de Grande Morte . Pode ser uma experiência bastante fácil , uma transcendência relativamente tranquila do dualismo sujeito-objeto , mas também pode ser aterrorizante por abranger vários tipos de morte . Porém , sutil ou dramaticamente , rápida ou lentamente , morre ou se dissolve o sentido de que se é um eu separado , e o indivíduo encontra uma identidade primaz e mais elevada no ( e enquanto ) espírito universal .
Mas a meditação também pode ser um treinamento para a morte verdadeira . De acordo com os ensinamentos zen , se morremos antes do morrer , então quando morrermos não morreremos . Alguns sistemas de meditação , particularmente o sikh ( os santos Radhasoami ) e o tântrico ( hindu e budista ) contêm meditações muito precisas que imitam ou induzem , com muita proximidade , os vários estágios do processo do morrer - inclusive a parada da respiração , o progressivo esfriamento do corpo , o retardamento e por vezes a parada do coração , e assim por diante . A morte física verdadeira não representa então uma surpresa , e pode-se desse modo utilizar com muito mais facilidade os estados intermediários de consciência que aparecem depois da morte - os bardos - para obter a compreensão iluminada . O objetivo dessas meditações é tornar o indivíduo capaz de reconhecer o espírito , de modo que quando o corpo , a mente e a alma se dissolverem durante o efetivo processo do morrer , ele poderá reconhecer o espírito , ou Dharmakaya , e permanecer como tal , em vez de fugir dele e terminar voltando ao samsara , à ilusão de uma alma separada da mente e do corpo ; ou capaz de poder , caso escolha reentrar num corpo , fazê-lo deliberadamente - isto é , como um bodhisattva .  
Essas meditações que imitam a morte não representam nenhum perigo real para a vida ; o corpo não está realmente morrendo , nem passando concretamente pelos estágios da morte .
Assemelha-se , em vez disso , a reter a própria respiração para ver como é : não se pára de respirar para sempre . Porém , alguns dos estados que podem ser induzidos por essas meditações são de fato poderosas imitações dos fatos reais . As batidas cardíacas , por exemplo , podem ser realmente sustadas durante um longo período , tal como a respiração . É desse modo que se pode dizer , por exemplo , que os " ventos " penetraram e estão permanecendo no canal central . A pessoa está " imitando " a morte mas , ao fazê-lo , ela realmente - embora de maneira temporária - dissolve os mesmos ventos que são dissolvidos na morte . Trata-se , portanto , de uma imitação muito concreta e real .
Qual é , exatamente , a relação entre os diversos ventos , ou energias , descritos nos Tantras , e a meditação ? A idéia central de todo Tantra , seja ele hindu , budista , gnóstico ou sikh , é que cada estado mental , ou cada estado de consciência - em outras palavras , cada nível da Grande Cadeia do Ser - possui também uma energia específica que o sustenta , o prana , ou vento . ( Já examinamos a versão tibetana dessa doutrina . ) Desse modo , ao dissolver um vento específico , o indivíduo estará dissolvendo a mente que é por ele sustentada . Por conseguinte , quando consegue controlar esses ventos ou energias , o indivíduo transcende as mentes que os " cavalgam " . É esta a noção geral de pranayama , ou controle da " respiração " ou do " vento " . Mas também , visto que a mente cavalga o vento , onde quer que coloquemos a mente seus ventos tenderão a se reunir . Assim , por exemplo , se ao meditar a pessoa se concentra muito intensamente no chakra coronário , o vento , ou energia , tenderá a se reunir ali e , depois , a se dissolver ali .
Isto significa que a mente , em qualquer dos níveis , tem uma medida de controle sobre os ventos a ela associados . Por conseguinte , graças ao treinamento mental e à concentração , pode-se aprender a juntar ventos ou energias em determinados lugares , e depois dissolvê-los ali . E essa dissolução é exatamente o mesmo tipo de processo que ocorre na morte . Desse modo , a pessoa está realmente vivenciando , de maneira muito concreta , o que acontece quando todos os diversos ventos se dissolvem quando se morre - a começar pelos ventos grosseiros , continuando depois quando se dissolvem os ventos sutis , deixando o vento muito sutil ou causal , e a mente da clara luz que o cavalga . Ao induzir , por livre e espontânea vontade , essas experiências do processo do morrer , quando ocorrer a morte verdadeira a pessoa ficará sabendo exatamente o que a dissolução dos ventos irá produzir .
Este tipo de prática também proporciona à pessoa a capacidade de prolongar cada estado , particularmente os estados mais sutis , tais como o da aparência branca , o do aumento do vermelho , o da quase-realização do negro , e a clara luz , por já os ter mais ou menos dominado . Então , no momento final da morte verdadeira , no estágio que estivemos designando como o oitavo - ao penetrar no bardo chikhai , o Dharmakaya - o indivíduo poderá ali permanecer , se assim o desejar . Esse estado da clara luz é muito nítido , óbvio e fácil de ser reconhecido , por ter sido visto muitas vezes durante a meditação e na mente do guru ; por conseguinte , o indivíduo abre caminho em direção a ele , ficando assim livre da necessidade de renascer . Ainda poderia , entretanto , optar por renascer num corpo físico a fim de ajudar outras pessoas a alcançar esse conhecimento e essa liberdade .
Uma técnica usual para reunir e dissolver ventos num determinado ponto do corpo consiste em concentrar-se na " gota vermelha " , no centro umbilical ( a fonte do chamado fogo tummo ) . A pessoa simplesmente se concentra nesse objeto - visualizando como uma flamejante gota vermelha , do tamanho de uma pequena ervilha - até conseguir se manter concentrada , sem desviar sua atenção , durante mais ou menos trinta ou quarenta minutos . Nessa situação , as energias do corpo estarão tão concentradas na área umbilical que a respiração se acalmará , tornando-se muito suave , quase imperceptível . Todos os ventos ou energias do corpo estarão sendo removidos de sua função ordinária e ali concentrados . De modo que essa dissolução dos ventos , ou sua remoção , assemelha-se muito ao que ocorre na morte verdadeira . Portanto , se continuar a se concentrar meditativamente , o indivíduo começará a vivenciar todos os sinais do processo do morrer , na ordem que lhes é própria , inclusive as aparências de miragem , de fumaça , de pirilampos e de lamparina .
Nessa situação , quando os ventos ou energias do corpo começam a se reunir e a se dissolver no coração , como acontece na morte verdadeira , a pessoa vivenciará os níveis da mente sutil , da mente da aparência branca , em seguida a do aumento do vermelho e depois a da quase-realização do negro . Depois , graças ao poder de sua própria meditação e de invocações espirituais , todos os ventos ou energias se dissolverão , finalmente , na gota indestrutível no coração , e a pessoa vivenciará a clara luz do vazio , a suprema dimensão , e realização , espiritual . Em suma , esse tipo de meditação constitui uma perfeita imitação do processo do morrer . Mais uma vez , a questão toda está no fato de que , ao se familiarizar com a clara luz , desenvolvendo a sabedoria e a virtude meditativas , então , ao se aproximar a morte real , a pessoa poderá permanecer em conformidade com a clara luz e , desse modo , reconhecer a libertação final .
Texto : Ken Wilber do livro ( Explorações Contemporâneas da Vida Depois da Morte . Págs. 163 a 176 ) 
[ Ken Wilber , fundador da " Psicologia de Espectro " , escreveu mais de uma centena de artigos e é autor ou organizador de dez livros , que incluem The Atman Project e Up from Eden 
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