segunda-feira, 23 de julho de 2012

" TOMANDO PERSPECTIVA "

A humanidade que nós conhecemos não é , de forma alguma , " feita à imagem e semelhança de Deus " , a que se refere o Gênesis . Nem mesmo a humanidade ocidental , com quase 2000 anos de Cristianismo . Ninguém pode ver no homem a coroa da creação - nesse animal bípede ligeiramente intelectualizado do pescoço para cima , cuja inteligência , aliás , o tornou a mais perigosa das feras que habitam o nosso planeta . A intelectualização do instinto fez do homem um monstro de ganância e agressividade , cujas garras e dentes se aperfeiçoaram em forma de metralhadoras , bombas atômicas e aviões de bombardeio ; fez dele uma repugnante caricatura de sexualismo desbragado e um inferno de doenças físicas e mentais , que nenhum animal selvagem conhece
Verdade é que , de longe , aparece algum homem individual que lembra um reflexo da Divindade - mas esses homens esporádicos não representam 1% , nem sequer 1/1000% da humanidade total .
Devemos então admitir que as Potências Cósmicas falharam quando diziam " façamos o homem à nossa imagem e semelhança " ? Devemos supor que a tal serpente astuta tenha derrotado os Elohim ? E que tenha até frustrado a obra do Cristo Redentor , que parecia ter vindo para reintegrar a humanidade no seu grande destino ?
Se não podemos ver no homem a coroa da creação , e se , por outro lado , não podemos admitir uma falência da Divindade e do Cristo , só nos resta recorrermos a uma terceira alternativa .
Deus creou o homem o menos possível , para que o homem se possa crear o mais possível " .
Estas palavras geniais de um pensador moderno significam que as Potências Creadoras , a que se refere o Gênesis , não tinham , de início , a intenção de colocar aqui na terra uma espécie tura divinamente perfeita ; mas lançaram à terra uma espécie de semente humana dotada de uma creatividade inédita , que , através de milênios futuros , pudesse desenvolver-se numa creatura diferente e superior a todas as creaturas já existentes na face da terra .
Toda vez que o Gênesis narra o término de um dos seis yom da creação , diz ele : " E os Elohim viram que era bom " .
Mas quando eles encerram o último período creador , que se refere ao homem , diz o Gênesis : " E os Elohim viram que era muito bom " .
Bom é o mundo das creaturas creadas , muito bom é o mundo da creatura creadora , o homem . Muito bom é o homem , apesar de poder ser muito mau - é esta a sabedoria paradoxal dos Elohim . Grande é um artífice capaz de fazer uma máquina de alta precisão - genial seria um artífice que fosse capaz de inspirar à matéria-prima a possibilidade de produzir por impulso intrínseco , uma máquina de alta perfeição .
Ao crear o homem , as Potências Cósmicas o dotaram de uma parcela da genialidade creadora da própria Divindade , para que ele , em virtude dessa creatividade , se pudesse fazer melhor e maior do que Deus o fez .
Nesta creação indireta se revelou o Creador maior do que em todas as suas creações diretas . Todas as creações eram boas - muito boa , porém , é a creação do homem .
Mas , se o homem tem a intrínseca possibilidade de se fazer melhor do que o Creador o fez , possui também a possibilidade de se fazer pior do que Deus o fez . Se não houvesse duas alternativas opostas , não haveria livre arbítrio .
Uma única creatura auto-realizável reverte em maior glória do Creador do que milhões de creaturas alo-realizadas .
De maneira que o plano das Potências Cósmicas não foi frustrado por um poder adverso . Esse poder adverso era necessário para que o homem fizesse de si algo maior do que dele fizera o Creador . O aparente caráter adverso da serpente era , na realidade , um fator complementar para atualizar a potencialidade creadora do homem embrionário . A aparente anti-dromia dos Elohim revela a maior genialidade creadora , que delegou à creatura humana uma parcela da sua creatividade divina .
Também Paulo de Tarso parece ter vislumbrado esta verdade quando escrevia : " Onde abundou o pecado superabundou a graça " . E o hino pascal do Exultet enaltece a " culpa feliz " e o " pecado necessário " que culminou em tão " glorioso redentor " . E não advertiu o próprio Cristo : " Por Moisés foi dada a lei , mas pelo Cristo veio a verdade e a graça " ? A lei é a imperfeição do ego adâmico , a verdade e a graça são a perfeição do Eu crístico .
Os intérpretes exotéricos não são capazes de compreender a genialidade esotérica do Creador ; a sua visão unilateral interpreta erroneamente a visão onilateral  das Potências Creadoras , que sabem escrever direito por linhas tortas . O homem de visão míope enxerga apenas as linhas tortas da humanidade , e não vê o plano direito da visão cosmorâmica da Divindade .
A evolução , sobretudo a do homem , vai com passos mínimos em espaços máximos , e as leis cósmicas são essencialmente elitizantes , e não massificantes . Não se interessam por perpetuar massas quantitativas , mas visam tão-somente a realização de uma elite qualitativa . O Verso do Universo está a serviço o Uno ; as massas quantitativas convergem para uma elite qualitativa ; as horizontalidades culminam numa verticalidade . As leis cósmicas não pretendem " salvar " a humanidade , mas sim " realizar " o homem . Toda a tendência do Universo é ascensionalmente evolutiva e hierarquizante .
Todos os livros sacros , desde o Gênesis até ao Apocalipse , são esotéricos , que não podem ser compreendidos pelos exotéricos profanos , mas tão-somente pelos esotéricos iniciados .
Quanto mais o homem se concentra no Uno da implosão intuitiva tanto mais compreende ele o Verso da explosão analítica do Universo - seja do macrocosmo sideral , seja do microcosmo hominal .
A nova humanidade , depois de se expurgar das escórias da velha humanidade , através de milênios de luzes e trevas , de altos e baixos , de verdades e erros , voltará ao seu habitáculo original , ao mais belo dos planetas do nosso sistema solar envolto na feérica gaze azul da atmosfera , como o descrevem os cosmonautas lunares .
E só então , depois de haver um " novo céu " , haverá também uma " nova terra " - e então o Reino dos Céus será proclamado sobre a face da terra .
Ninguém pode imaginar o que será dum bloco de mármore amorfo , enquanto algum Miguel Ângelo o desbasta com violentas marteladas ; somente o próprio escultor conhece a efígie futura - algum Moisés , algum Pietá - porque essa efígie já existe em sua mente de artista antes de emergir da matéria bruta .
Na humanidade de hoje existe a imagem e semelhança de Deus , não atualmente , mas potencialmente . Muitas marteladas são necessárias até que o " Filho do Homem " latente no " filho de mulher " apareça em sua glória .
Sócrates , o genial filósofo que nunca escreveu filosofia , era também um exímio escultor . Foi encarregado pelo Prefeito de Atenas de esculpir uma ninja , de um bloco de mármore branco de Paros . E , quando a formosa entidade emergiu do bloco amorfo , todos felicitaram Sócrates pela obra-prima do seu engenho . O filósofo , porém , recusou os elogios , porque , dizia , não fora ele que fizera essa ninfa ; ela estava escondida no bloco de mármore ; ele apenas removeu o que impedia a sua visão aos olhos do público . Sócrates já via a ninfa antes de ela ser visível aos olhos corpóreos .


* * *

. . . Nas seguintes páginas , tentaremos focalizar a sapiência paradoxal da anti-dromia cósmica dos Elohim , que se servem das trevas para realçar a luz e repartem com o homem a sua creatividade , para que ele se faça maior do que eles o fizeram .

QUAL A VERDADEIRA MENSAGEM DO CRISTO À HUMANIDADE

A mensagem do Cristo , segundo o Evangelho , não tem caráter 
- ritual ,
- nem moral ,
- nem intelectual ,
- nem social .
A mensagem do Cristo é essencialmente 
- metafísica ,
- ontológica ,
- real ,
- cósmica .
Mas , como esta mensagem incidiu num ambiente humano de baixa compreensão , foi ela , de início , condicionada e contagiada pela atmosfera circunjacente . O conteúdo divino do Evangelho sofreu o impacto dos seus contenedores humanos .
Dos mistérios pagãos do Império Romano herdou o Cristianismo o seu colorido ritualista-sacramental , segundo o qual a salvação do homem consiste em certas práticas mágicas e ocultistas , relacionadas com determinados objetos , fórmulas , gestos , etc .
O judaísmo contemporâneo afetou o Cristianismo nascente com a idéia da redenção pelo sangue , consoante a cerimônia do " bode expiatório " que se realizava anualmente em Jerusalém , e que foi sublimada por um ex-rabino judaico convertido ao Cristianismo , iniciando a concepção bárbara do sangue de Jesus a lavar os pecados da humanidade .
Mais tarde , nos primórdios da Renascença , a mensagem do Cristo foi interpretada intelectualmente , projetada sobre o fundo duma análise da letra da Bíblia , e num ato de fé fiducial no sangue de Jesus .
Por fim , em nossos dias , o Cristianismo foi identificado com filantropia social , obras de caridade e altruísmo , relacionados com a idéia evolutiva de reencarnações sucessivas .
Todas estas versões podem , até certo ponto , ser aceitas como fenômenos concomitantes e subsequentes - mas nenhuma delas representa o centro e cerne da autêntica mensagem do Nazareno .
Ritos , sacrifícios , estudos , crenças , altruísmos - tudo isto pertence ainda à velha concepção horizontal de que o homem seja apenas o seu ego físico-mental-emocional , conceito que o Cristo transcendeu totalmente . Para ele , o homem não é esse seu invólucro , nem mesmo na forma mais sublimada , que ele chama " remendo novo em roupa velha " ; o homem não é a sua persona ou personalidade , mais sim o seu Eu interno , a sua profunda e divina individualidade , a sua alma ou espírito que o Cristo chama o " Pai " , a " Luz " , o " Reino " , o " Tesouro oculto " , a " Pérola preciosa " .
Esta concepção que o Nazareno tem do homem e que forma a quintessência de toda a sua mensagem , é profundamente metafísica , ontológica , realista , cósmica .
A mensagem do Evangelho não visa , em primeira linha , a transformação do homem-ego vicioso num homem-ego virtuoso , que Jesus rejeita com " remendo novo em roupa velha " ; mas convida o homem a descobrir a sua realidade divina , já existente nele , mas ainda inconsciente ; convida-o a tirar a sua luz divina de baixo do alqueire da sua inconsciência e colocá-la no candelabro da sua consciência ; convida o homem a conscientizar o Pai , a Luz , o Reino , o Tesouro , a Pérola , que o homem é por natureza , mas que ignora ser ; o Cristo convida o homem àquilo que os filósofos orientais e , ultimamente , também os psicólogos ocidentais denominam " auto-conhecimento " , e que no Evangelho aparece com o nome do " primeiro e maior de todos os mandamentos " .
A mensagem do Cristo não se refere , primariamente , a algo que o homem deva fazer , mas sim ao alguém que o homem deve ser conscientemente ; e deste ser da mística do primeiro mandamento resultará espontâneamente o fazer do segundo mandamento da ética - a vivência ética da fraternidade universal é , para ele , o irresistível transbordamento da experiência , mística da paternidade única de Deus . Auto-conhecimento místico produz auto-realização ética .
Numa palavra : a mensagem do Cristo gira inteiramente em torno da Realidade Metafísica do homem cujo centro e cerne é Deus , o Absoluto , o Infinito , o Eterno .
Quando o homem se identifica ainda com o seu ego humano , e procura fazer desse ego vicioso e mau um ego virtuoso e bom , anda ele no " caminho estreito " e passa pela " porta apertada " do dever compulsório  , sempre difícil e sacrificial ; mas , depois de despertado para a consciência da realidade do seu Eu divino entra na zona do " jugo suave e do peso leve " do querer espontâneo ; passa da boa vontade da virtuosidade da moral para a sapiência da compreensão , e sua moral dolorosa se transforma numa ética jubilosa - e só então encontra ele " repouso para sua alma " .
Quando Mahatma Gandhi escreveu que " a Verdade é dura como diamante e delicada como flor de pessegueiro " , compreendeu ele que a dureza diamantina do tu deves se pode associar à delicadeza flórea do eu quero - eu quero espontâneamente o que devo necessariamente - suposto que o meu ego virtuoso entre na zona do meu Eu sapiente .
Neste ocaso do segundo milênio da era cristã , e quase na alvorada do terceiro milênio , encontramos , em todas as partes do mundo , uma elite de homens que estão começando a suspeitar - a " farejar " , como diz J . W . Hauer - que a mensagem do Nazareno encerra algo infinitamente mais profundo e sublime do que , geralmente , lemos e ouvimos no ocidente cristão . Estamos começando a descobrir a alma do Evangelho . Entretanto , para esta compreensão é necessário que o homem transcenda a sua intelectualidade analítica e ingresse na nova dimensão de uma consciência intuitiva - que o homem parcial de hoje passe a ser o homem integral de amanhã .
Texto : Huberto Rohden ( do livro Entre Dois Mundos págs . 11 a 19 )
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domingo, 15 de julho de 2012

" A Consciência sem Fronteiras "

METADE DA QUESTÃO

Será que você já se perguntou por que a vida redunda em opostos ? Por que tudo o que você valoriza é o elemento de um par de opostos ? Por que todas as decisões são entre opostos ? Por que todos os desejos são baseados em opostos ? 
Repare que todas as dimensões espaciais e direcionais são opostos : em cima e embaixo , dentro e fora , alto e baixo , comprido e curto , norte e sul , grande e pequeno , aqui e lá , esquerda e direita . E repare que todas as coisas que consideramos sérias e importantes são um dos pólos de um par de opostos : bem e mal , vida e morte , prazer e dor , Deus e Satã , liberdade e escravidão .
Assim também nossos valores sociais e estéticos são sempre colocados em termos de opostos : sucesso e fracasso , bonito e feio , forte e fraco , inteligente e obtuso . Até nossas mais altas abstrações baseiam-se em opostos . A lógica , por exemplo , preocupa-se com o verdadeiro e o falso ; a epistemologia , com a aparência e a realidade ; a ontologia , com o ser e o não-ser . O nosso mundo parece ser uma grande coleção de opostos .
Esse fato é um lugar-comum tão grande que quase não merece ser mencionado ; mas , quanto mais ponderamos a seu respeito , mais nos damos conta de sua surpreendente peculiaridade . Isso porque a natureza , ao que parece , nada sabe desse mundo de opostos no qual as pessoas vivem . A natureza não cria rãs verdadeiras e rãs falsas , nem árvores morais e árvores imorais , nem oceanos corretos e oceanos incorretos . Não há vestígio algum na natureza de montanhas éticas e montanhas antiéticas . Tampouco existem coisas como espécies bonitas e espécies feias - pelo menos não para a natureza , que fica feliz em produzir todos os tipos . Thoreau disse que a natureza nunca pede perdão ; e aparentemente , isso se dá porque a natureza não conhece os opostos de certo e errado , e assim não reconhece o que os seres humanos imaginam ser erros .
É verdade certa que algumas das coisas que denominamos " opostos " parecem existir na natureza . Há , por exemplo , rãs grandes e rãs pequenas , árvores grandes e árvores pequenas , laranjas maduras e laranjas verdes . Mas isso não é um problema para elas , isso não as mergulha em paroxismos de ansiedade . Podem até existir ursos espertos e ursos bobos , mas isso não parece afetá-los muito . Simplesmente não se encontram complexos de inferioridade nos ursos .
Do mesmo modo , a vida e a morte existem no mundo da natureza , mas novamente não parecem atingir as dimensões atemorizantes a elas atribuídas no mundo dos humanos .
Um gato muito idoso não fica paralisado por ondas de terror frente à sua morte iminente . Ele , com calma , caminha até a floresta , enrodilha-se sob uma árvore e morre . Uma andorinha irremediavelmente doente empoleira-se confortável no galho de um chorão , e fixa o olhar no pôr-do-sol . Quando afinal não consegue mais ver a luz , fecha os olhos pela última vez e cai docemente no chão . Quão diferente é o modo como o homem encara a morte :
Não penetre resignado na noite acolhedora 
Revolte-se , revolte-se contra a morte da luz .
Embora a dor e o prazer apareçam de fato no mundo da natureza , eles não são fontes de preocupação . Quando um cão está com dor , põe-se a ganir . Quando não simplesmente não se preocupa com isso . Ele não teme a dor futura nem lamenta a dor passada . Isso parece ser uma coisa muito simples e natural .
Dizemos que tudo isso é verdadeiro porque , em resumo , a natureza é boba . Mas essa não é razão suficiente . Estamos apenas começando a perceber que a natureza é muito mais esperta do que gostaríamos de imaginar . O grande bioquímico Albert Szent-Gyorgyi nos fornece um exemplo singular :
Quando ingressei no Instituto de Estudos Avançados em Princeton , eu o fiz na esperança de que , convivendo com aqueles grandes físicos nucleares e matemáticos , aprenderia algo sobre a matéria viva . Mas quando revelei que em qualquer sistema vivo há mais de dois elétrons , os físicos pararam de falar comigo . Com todos aqueles computadores , eles não conseguiam dizer o que o terceiro elétron poderia fazer . O mais notável nisso tudo é que o elétron sabe exatamente o que deve fazer . Logo , aquele pequeno elétron sabe algo que todos os sábios de Princeton não sabem , e isso só pode ser algo muito simples .
Tenho a impressão que a natureza não é apenas mais esperta do que imaginamos ; a natureza é mais esperta do que podemos imaginar . Afinal , ela também produziu o cérebro humano , a respeito do qual tecemos muitos elogios como sendo um dos instrumentos mais inteligentes do cosmo . E será que um idiota completo pode criar uma verdadeira obra-prima ?
Segundo o livro do Gênesis , uma das primeiras tarefas atribuídas a Adão foi dar nome aos animais e plantas existentes na natureza . Isso porque a natureza não vem já toda rotulada com etiquetas contendo os nomes , e seria de grande conveniência se pudéssemos classificar e nomear todos os diversos aspectos do mundo natural . Em outras palavras , Adão foi encarregado de classificar a complexidade das formas e processos da natureza e de escolher nomes para eles .
" Esses animais parecem-se uns com os outros e não se parecem nada com aqueles animais , portanto vamos chamar a este grupo " leões " e àquele grupo " ursos " . Vejamos , posso comer este grupo de coisas , mas não aquele grupo . Vamos chamar a este grupo " uvas " e àquele " pedras " .
Mas a principal tarefa de Adão não era tanto a de inventar nomes para os animais e as plantas , por mais trabalhoso que isso fosse . Sem dúvida , a parte crucial do seu trabalho era o processo de classificação propriamente dito . Isso porque ( a menos que houvesse apenas um espécime de cada animal , o que é improvável ) Adão deveria agrupar os animais que eram semelhantes e aprender a diferenciá-los mentalmente dos animais dessemelhantes . Deveria aprender a traçar uma linha limítrofe mental entre os diversos grupos de animais , pois apenas ao fazer isso é que poderia reconhecer completamente os diferentes animais e , portanto , dar-lhes um nome .
Em outras palavras , a grande tarefa de que Adão iniciou foi a construção de linhas divisórias mentais ou simbólicas .
Adão foi o primeiro a delinear a natureza , a dividi-la mentalmente , a demarcá-la . Adão foi o primeiro grande cartógrafo . Adão traçou limites .
Esse mapeamento da natureza foi tão bem sucedido que , até hoje , passamos boa parte de nossa vida traçando limites .
Toda decisão que tomamos , cada ação nossa , cada palavra nossa é baseada na construção , consciente ou inconsciente , de limites . Não estou me referindo agora apenas a um limite de auto-identidade - por mais que isso seja importante - , mas a todos os limites no sentido mais amplo . Tomar uma decisão significa traçar uma linha limítrofe entre o que escolher e o que não escolher . Desejar alguma coisa significa traçar uma linha limítrofe entre coisas agradáveis e coisas dolorosas e depois dirigir-se às primeiras . Afirmar uma idéia significa traçar uma linha limítrofe entre conceitos considerados verdadeiros e conceitos considerado não-verdadeiros .
Receber educação é aprender onde e como traçar limites , e o que fazer com os aspectos limitados . Estabelecer um sistema judicial é traçar uma linha limítrofe entre aqueles que se enquadram nas leis da sociedade e aqueles que não se enquadram . Empreender uma guerra é traçar uma linha limítrofe entre aqueles que estão do nosso lado e aqueles que estão contra nós . Estudar ética é aprender como traçar uma linha limítrofe que revele o bem e o mal . Dedicar-se à medicina ocidental é traçar com maior clareza um limite entre a doença e a saúde . É bastante óbvio que , dos incidentes sem importância às grandes crises , das pequenas decisões aos grandes negócios , das leves preferências às paixões ardentes , nossas vidas são um processo de traçar limites .
O fato peculiar acerca de um limite é que , por mais complexo e rarefeito que seja , ele de fato define apenas um interior e um exterior . Podemos , por exemplo , traçar a mais simples das linhas limítrofes , um círculo , e verificar que apresenta um interior e um exterior .


                                         dentro                                     fora


Mas note-se os opostos " dentro versus fora " não existiam em si mesmos até traçarmos o limite do círculo . É a própria linha limítrofe , em outras palavras , que cria um par de opostos . Em resumo , traçar limites é produzir opostos .
Começamos a ver assim que a razão pela qual vivemos num mundo de opostos é precisamente porque a vida como a conhecemos é um processo de traçar limites .
E o mundo de opostos é um mundo de conflitos , como o próprio Adão logo descobriria . Ele deve ter ficado fascinado com o poder criado pelo ato de traçar linhas e invocar nomes . Imaginem : um simples som como " céu " poderia representar toda a imensidão e vastidão da abóbada celeste , que era , através do poder das linhas limítrofes , reconhecida como diferente da terra , da água , do fogo . Assim , ao invés de manusear e manipular objetos reais , Adão podia manipular em seu pensamento esses nomes mágicos que representavam os próprios objetos . Antes da invenção de limites e nomes , por exemplo , se Adão quisesse dizer a Eva que achava que ela era tola como um jumento , ele teria de agarrar Eva e depois perambular até que também encontrasse um jumento , e depois teria de apontar para o jumento , em seguida apontar para Eva , aí pular para cima e para baixo e grunhir e fazer caretas idiotas . Mas agora , através da mágica das palavras , Adão podia apenas levantar a cabeça e dizer , " Meu Deus , querida , você é tão tola como um jumento " . Eva , que , por sinal , era de fato muito mais esperta que Adão , normalmente calava a boca . Isto é , ela se recusava a retribuir a ofensa com a mágica das palavras , pois sabia , bem no fundo , que as palavras são uma espada de dois fios , e que o que vive pela espada perece também pela espada .
Neste ínterim , os resultados dos esforços de Adão revelaram-se espetaculares , poderosos , mágicos , e , compreende-se , ele começou a tornar-se um pouco presunçoso . Começou a ampliar os limites e a adquirir conhecimento sobre lugares que seria melhor deixar intocados . Esse comportamento presunçoso culminou na Árvore do Conhecimento , que era na verdade a árvore do bem e do mal . E quando Adão reconheceu a diferença entre os opostos do bem e do mal , isto é , quando traçou essa linha fatal , seu mundo desmoronou . Pecando Adão , todo o mundo dos opostos , que ele próprio ajudara a criar , voltou-se contra ele . A dor e o prazer , o bem e o mal , a vida e a morte , o trabalho e o lazer - toda a série de opostos conflitantes abateu-se sobre a humanidade .
O fato perturbador que Adão aprendeu foi que toda linha limítrofe é também uma linha de batalha em potencial , de modo que o simples fato de traçar um limite é um preparar-se para o conflito - mais especialmente , para a guerra dos opostos , a luta angustiante da vida contra a morte , do prazer contra a dor , do bem contra o mal . O que Adão aprendeu - e aprendeu tarde demais - é que " onde traçar a linha ? " significa na verdade " onde terá lugar a batalha " .
O fato é que vivemos num mundo de conflitos e opostos porque vivemos num mundo de limites . Como toda linha limítrofe é também uma linha de batalha , eis aqui uma dificuldade humana : quanto mais firmes os limites de uma pessoa , mais entrincheiradas serão suas batalhas , Quanto mais me agarro ao prazer , mais necessariamente temo a dor . Quanto mais busco a bondade , mais me atormenta o mal . Quanto mais procuro o sucesso , mais tenho horror ao fracasso . Quanto mais me apego à vida , mais aterradora torna-se-me a morte .
Quanto mais valorizo algo , mais me atormenta a sua perda . A maioria de nossos problemas , em outras palavras , são problemas de limites e dos opostos que eles criam .
Agora , nosso modo habitual de tentar resolver esses problemas é tentar erradicar um dos opostos . Lidamos com o problema do bem e do mal tentando exterminar o mal .
Lidamos com o problema da vida e da morte tentando esconder a morte sob imortalidades simbólicas . Em filosofia , lidamos com opostos conceituais tentando descartar um dos pólos ou tentando reduzi-lo ao outro . O materialista tenta reduzir a mente à matéria , enquanto o idealista tenta reduzir a matéria à mente . Os monistas tentam reduzir a pluralidade à unidade , os pluralistas tentam explicar a unidade como uma pluralidade .
O fato é que sempre tendemos a tratar o limite como real , manipulando depois os opostos criados pelo limite . Nunca parecemos questionar a existência do próprio limite . Devido ao fato de acreditarmos que o limite é real , imaginamos firmemente que os opostos são irreconciliáveis , separados , para sempre apartados . " O leste é o leste , o oeste é o oeste e nunca os dois se encontrarão . " Deus e Satã , a vida e a morte ; o amor e o ódio , o eu e o outro - são todos tão diferentes , dizemos , como o dia e a noite .
Assim , supomos que a vida seria perfeitamente desfrutável se simplesmente pudéssemos erradicar todos os pólos negativos e indesejados dos pares de opostos . Se pudéssemos vencer a dor , o mal , a morte , o sofrimento , a doença , de modo que a bondade , a vida , a alegria e a saúde prevalecessem - isso , na verdade , seria uma vida boa , e de fato essa é exatamente a idéia que muitas pessoas têm do Paraíso . O Paraíso passou a significar , não uma transcendência de todos os opostos , mas o local onde todas as metades positivas dos pares de opostos estão acumuladas , enquanto o inferno é o local onde estão agrupados todas as metades negativas : dor , sofrimento , tormento , ansiedade , doença .
Esse objetivo de isolar os opostos e depois se fixar nas metades positivas , ou buscá-las , parece ser uma característica distintiva da civilização ocidental progressista - sua religião , sua medicina , sua indústria . Afinal , o progresso é apenas o progresso em direção ao positivo e para longe do negativo .
No entanto , apesar dos óbvios confortos da medicina e da agricultura , não há a menor evidência de que , depois de séculos de ênfase nos positivos e de tentativas de eliminar os negativos , a humanidade seja mais feliz , mais satisfeita , ou que esteja mais em paz consigo mesma . Na realidade , a evidência disponível sugere exatamente o contrário : esta é a " era da ansiedade " , do " choque do futuro " , da frustração e da alienação epidêmicas , do enfado em meio à riqueza e da falta de significado em meio à fartura .
Parece que o " progresso " e a infelicidade podem muito bem ser lados opostos da mesma moeda , que não cessa de voltar-nos ora a sua cara , ora a sua coroa . Isso porque o próprio anseio de progredir implica um descontentamento com a situação atual , de modo que , quanto mais procuro o progresso , mais profundamente descontente me sinto . Na busca cega do progresso , nossa civilização institucionalizou a frustração . Isso porque , procurando acentuar o positivo e eliminar o negativo , esquecemos completamente que o positivo é definido apenas em termos do negativo . Os opostos podem ser , de fato , tão diferentes como o dia e a noite , mas o aspecto essencial é que , sem a noite , não seríamos nem mesmo capazes de reconhecer algo chamado dia . Destruir o negativo é , ao mesmo tempo , destruir todas as possibilidades de desfrutar o positivo . Assim , quanto mais bem sucedidos somos nessa aventura de progresso , na verdade mais fracassamos ; e mais aguda torna-se nossa sensação de total fracasso .
A raiz de todo o problema é nossa tendência de considerar os opostos como irreconciliáveis , como completamente separados e divorciados uns dos outros . Até mesmo os mais simples dos opostos , tais como comprar e vender , são considerados como dois acontecimentos diferentes e separados . É verdade que comprar e vender são num certo sentido diferentes , mas também são - e essa é a questão - complementares inseparáveis . Toda vez que compramos algo , alguém na mesma ação vendeu algo . Em outras palavras , comprar e vender são apenas dois extremos de um único acontecimento , isto é , a transação comercial propriamente dita .
E embora os dois extremos da transação sejam " diferentes " , o acontecimento simples que eles representam é único e o mesmo .
Assim também todos os opostos compartilham uma identidade implícita . Isto é , não importa quão vivas possam nos parecer as diferenças entre eles ; os opostos permanecem completamente inseparáveis e mutuamente interdependentes , e isso pela simples razão que um não poderia existir sem o outro . Sob essa perspectiva , não há obviamente nenhum interior sem exterior , nenhum alto sem baixo , nenhum prazer sem dor , nenhuma vida sem morte . Diz o velho sábio chinês Lao Tzu :


Há diferença entre o sim e o não ?
Há diferença entre o bem e o mal ?
Devo temer o que os outros temem ? Bobagem !
O ter e o não-ter surgem juntos 
O difícil e o fácil complementam-se 
O comprido e o curto contrastam-se
O alto e o baixo apoiam-se um no outro 
A frente e o fundo seguem-se um ao outro .


Chuang Tzu acrescenta ainda :


Assim , aqueles que dizem que gostariam de ter o certo sem 
o seu correlato , o errado , ou um bom governo sem o seu correlato ,
a anarquia , não compreendem os grandes princípios do 
universo , nem a natureza de toda a criação . também se poderia 
falar da existência do Céu sem a existência da terra , ou
do princípio negativo sem o positivo , o que é claramente impossível . No entanto , as 
pessoas continuam a discutir isso sem parar ; tais pessoas devem ser tolas ou tratantes .


A unidade interior dos opostos certamente não é uma idéia confinada à mística oriental ou ocidental . Se olharmos a física dos dias modernos , campo em que o intelecto ocidental conseguiu seus maiores avanços , o que verificamos é uma outra versão da realidade como uma união de opostos .
Na teoria da relatividade , por exemplo , os antigos opostos de repouso e movimento tornaram-se totalmente indistinguíveis , isto é , " cada um é ambos " . Um objeto que parece em repouso , para um observador , está ao mesmo tempo em movimento para um observador diferente . De modo semelhante , a separação entre onda e partícula desaparece nas " ondículas " , e o contraste entre estrutura e função evapora-se .
Até mesmo a antiquíssima separação entre massa e energia reduziu-se à E= mc de Einstein , e esses antigos " opostos " são agora considerados como dois aspectos da mesma realidade , realidade essa que Hiroxima tão violentamente testemunhou .
Do mesmo modo , opostos tais como sujeito e objeto e tempo e espaço são agora vistos como sendo tão mutualmente interdependentes que formam um contínuo entrelaçado , um único padrão unificado . O que chamamos " sujeito " e " objeto " são , como comprar e vender , apenas dois modos diferentes de abordar um único processo . E já que o mesmo é valido para o tempo e o espaço não podemos mais falar de um objeto localizado no espaço ou que acontece no tempo , mas somente de uma ocorrência espaço-temporal . A física moderna , em resumo , afirma que a realidade só pode ser considerada uma união de opostos . Nas palavras do biofísico Ludwig von Bertalanfffy :
Se o que foi dito é verdadeiro , a realidade é o que Nicolau de Cusa chamou coincidentia oppositorum . O pensamento discursivo sempre representa apenas um aspecto da realidade extrema , chamada Deus na terminologia de Cusa ; ele jamais consegue esgotar sua infinita multiplicidade . Logo , a realidade extrema é uma união de opostos .
Do ponto de vista coincidentia oppositorum - " a coincidência dos opostos " - , aquilo que imaginávamos ser totalmente separado e irreconciliável mostra-se , na expressão de von Bertalanffy , como " aspectos complementares da mesma e única realidade " .
É por todas essas razões que Alfred North Whitehead , um dos filósofos mais influentes deste século , elaborou sua filosofia de " organismo " e " existência vibratória " , que sugere que todos os " elementos fundamentais são em sua essência vibratórios " . Isto é , todas as coisas e acontecimentos que normalmente consideramos irreconciliáveis , tais como causa e efeito , passado e futuro , sujeito e objeto , são na verdade apenas a crista e o cavado de uma única onda , uma única vibração . Isso porque uma onda , apesar de ser um acontecimento único , só pode exprimir-se através dos opostos de crista e cavado , ponto alto e ponto baixo . Por essa mesma razão , a realidade não se encontra nem na crista nem no cavado em si mesmos , mas na unidade de ambos ( tente imaginar uma onda com cristas mas sem cavados ) . Obviamente , não existe uma crista sem cavado , um ponto alto sem um ponto baixo .
Crista e cavado - na realidade , todos os opostos - são aspectos inseparáveis de uma atividade subjacente . Assim , como coloca Whitehead , cada elemento do universo é " um fluxo e refluxo vibratório de uma atividade ou energia subjacente " .
Essa unidade interior de opostos é apresentada de forma extremamente clara na teoria de percepção da Gestalt .
De acordo com s Gestalt , nunca percebemos um objeto , acontecimento ou figura , a não ser em relação a um plano de fundo contrastante . Por exemplo , aquilo que chamamos " luz " é na realidade uma figura de luz destacando-se contra um fundo escuro . Quando olhamos para o céu numa noite escura e percebemos o brilho de uma estrela luminosa , o que estamos realmente vendo - o que meus olhos de fato " absorvem " - não é a estrela em separado , mas o campo inteiro , ou gestalt , da " estrela luminosa mais o fundo escuro " . Por mais drástico que seja o contraste entre a estrela luminosa e seu fundo de escuridão , a questão é que sem um nunca poderíamos perceber o outro . " Claro " e " escuro " são , portanto , dois aspectos correlativos de uma única Gestalt sensória .
De modo semelhante , não somos capazes de perceber o movimento a não ser em relação ao repouso , nem o esforço sem o descanso , nem a complexidade sem a simplicidade , nem a atração sem a repulsão .
Da mesma maneira , nunca percebemos o prazer exceto em relação à dor . De fato , podemos estar nos sentindo muito à vontade e muito bem neste momento , mas nunca seríamos capazes de perceber isso se não fosse pela existência progressiva do desconforto e da dor . É por isso que o prazer e a dor sempre parecem alternar-se , pois é apenas em seu contraste e alternância mútuos que a existência de cada um pode ser reconhecida . Assim , por mais que se aprecie um e deteste o outro , a tentativa de isolá-los é inútil . Como diria Whitehead , o prazer e a dor são apenas a crista e o cavado inseparáveis de uma única onda de percepção , e tentar acentuar a crista positiva e eliminar o cavado negativo é tentar eliminar completamente a própria onda de percepção .
Talvez possamos começar a compreender por que a vida , quando considerada como um mundo de opostos separados , é tão completamente frustante , e por que o progresso , na realidade , tornou-se não um crescimento mas um câncer . Ao tentar separar os opostos e fixar aqueles que julgamos positivos , tais como o prazer sem a dor , a vida sem a morte , o bem sem o mal , estamos na verdade perseguindo fantasmas sem a menor realidade . Poderíamos também lutar por um mundo de cristas sem cavados , de compradores sem vendedores , de esquerdas sem direitas , de dentro sem fora . Portanto , como mostrou Wittgenstein , já que nossos objetivos não são elevados mas sim ilusórios , nossos problemas não são difíceis , mas sim absurdos .
O fato de que todos os opostos - tais como massa e energia , sujeito e objeto , vida e morte - se identificam a ponto de serem perfeitamente inseparáveis ainda parece inacreditável para a maioria de nós . Mas isso é apenas porque aceitamos como real a linha limítrofe entre os opostos . Convém lembrar que são os próprios limites que criam a existência aparente de opostos separados . Falando às claras , dizer que " a realidade essencial é uma unidade de opostos " é dizer que na realidade essencial não há limites . Em lugar algum .
A questão é que somos tão fascinados por limites , tão dominados pela magia do pecado de Adão , que esquecemos totalmente a verdadeira natureza das próprias linhas limítrofes . Isso porque essas linhas , sejam de que tipo forem , nunca são encontradas no mundo real propriamente dito , mas apenas na imaginação dos cartógrafos . Há com certeza muitos tipos de linhas no mundo natural , como a linha litorânea situada entre os continentes e os oceanos que os cercam .
A natureza apresenta , de fato , todos os tipos de linhas e superfícies - o contorno das folhas , a pele dos organismos , a linha do horizonte , o contorno de árvores e de lagos , as linhas divisórias entre luz e sombra , as linhas que destacam todos os objetos de seu meio ambiente . É óbvio que essas superfícies e linhas estão de fato ali ; mas uma linha qualquer , como por exemplo a linha litorânea , não representa apenas uma separação entre terra e água , como supomos normalmente . Como observou Alan Watts , as assim chamadas " linhas divisórias " também representam , de modo preciso , os locais onde a terra e a água se tocam . Isto é , as linhas juntam e unem tanto quanto dividem e separam ; em outras palavras , não são limites ! Há uma enorme diferença entre uma linha e um limite , como veremos logo mais .
Portanto , a questão é que as linhas unem os opostos do mesmo modo que os separam . E essa é exatamente a essência e a função de todas as verdadeiras linhas e superfícies da natureza . Elas explicitamente demarcam os opostos ao mesmo tempo em que implicitamente os unem . Tracemos , por exemplo , a linha que representa uma figura côncava , do seguinte modo :


côncavo                            ( convexo )

Mas note de imediato que com a mesma linha também criei uma figura convexa . Isso é o que o sábio taoísta Lao Tzu queria dizer quando afirmou que todos os opostos surgem simultânea e mutuamente . Como o côncavo e o convexo nesse exemplo , eles chegam à existência juntos .
Além disso , não podemos dizer que a linha separa o côncavo do convexo , porque há somente uma linha , que é totalmente partilhada por ambos . A linha , longe de separar o côncavo do convexo , torna absolutamente impossível a existência de um sem o outro . Devido a essa linha única , não importa como desenhemos um côncavo , desenhamos também um convexo , porque o contorno interno do côncavo é o contorno externo do convexo . Assim , jamais encontraremos um côncavo sem um convexo , pois estes , como todos os opostos , estão destinados a abraçar-se intimamente para sempre .
A questão é que todas as linhas que encontramos na natureza , ou que nós mesmos construímos , não apenas distinguem opostos diferentes , mas também ligam os dois numa união inseparável . Uma linha , em outras palavras , não é um limite . Isso porque uma linha , seja mental , natural ou lógica , não apenas divide e separa , mas também junta e une .
Limites , por outro lado , são puras ilusões - fingem separar o que na verdade não é separável . Nesse sentido , o mundo real contém linhas , mas não verdadeiros limites .
Uma linha verdadeira torna-se um limite ilusório quando imaginamos que seus dois lados são separados e não têm conexão ; ou seja , quando reconhecemos a diferença externa dos dois opostos mas ignoramos sua unicidade interior .
Uma linha torna-se um limite quando esquecemos que o interior coexiste com o exterior . Uma linha torna-se um limite quando supomos que ele apenas separa mas não une ao mesmo tempo . Não há problemas em traçar linhas , contanto que não as confundamos com limites . Pode-se distinguir o prazer da dor ; é impossível separar o prazer da dor .
Nós criamos hoje as ilusões de limites muito à semelhança do que Adão criou , pois os pecados dos pais recaíram sobre seus filhos e filhas . Começamos por seguir as linhas da natureza - linhas litorâneas , linhas de florestas , linhas do céu , a superfície das pedras , a superfície da pele , e assim por diante - ou por construir nossas próprias linhas mentais ( que são idéias e conceitos ) . Através desse processo , arranjamos e classificamos aspectos de nosso mundo . Aprendemos a reconhecer a diferença entre o interior e o exterior de nossas classes : entre o que são pedras e o que não são pedras , entre o que é alto e o que não é alto , entre o que é bom e o que não é bom . . .
Já aí nossas linhas correm o risco de tornarem-se limites , pois estamos reconhecendo diferenças explícitas e esquecendo a união implícita . E esse erro é acentuado quando continuamos a nomear , a associar uma palavra ou símbolo ao interior e ao exterior de cada classe . Isso porque as palavras que usamos para o interior das classes , tais como " luz " , " alto " , " prazer " , são certamente destacáveis e separadas das palavras que usamos para o exterior das classes , como " escuridão " , " baixo " e " dor " .
Assim , podemos manipular os símbolos sem levar em conta seus opostos obrigatórios . Posso , por exemplo , criar uma frase que diz " quero o prazer " , e não há referência nessa frase ao oposto necessário do prazer , a dor . Posso separar o prazer e a dor em palavras , em pensamentos , embora no mundo real um nunca seja encontrado separado do outro . A esta altura , a linha entre o prazer e a dor torna-se um limite , e a ilusão de que os dois são separados parece convincente . Não notamos que os opostos são apenas dois nomes diferentes para o mesmo processo e imaginamos que há dois processos diferentes estabelecidos um contra o outro . Comentando a respeito disso , L.L. Whyte disse : " Assim , a mente imatura , incapaz de escapar de seus próprios preconceitos . . . está condenada a lutar na camisa-de-força de seu dualismo : sujeito/objeto , tempo/espaço , espírito/matéria , liberdade/necessidade , livre-arbítrio/lei . A verdade , que deve ser única , impregna-se de contradições . O homem é incapaz de pensar onde ele está , pois criou dois mundos a partir de um " .
Nosso problema , aparentemente , é que criamos um mapa convencional , com seus limites , do verdadeiro território da natureza , que não tem limites , e depois confundimos completamente os dois . Como Korzybski e os semanticistas gerais demonstraram , nossas palavras , símbolos , sinais , pensamentos e idéias são apenas mapas da realidade , não a própria realidade , porque " o mapa não é o território " . A palavra " água " não mata nossa sede . Mas vivemos num mundo de mapas e palavras como se fosse o mundo real . Seguindo as pegadas de Adão , tornamo-nos totalmente perdidos num mundo de mapas e limites puramente fantasiosos . E esses limites ilusórios , com os opostos que criam , tornaram-se para nós ardentes batalhas .
A maioria de nossos " problemas de vida " são portanto baseados na ilusão de que os opostos podem e devem ser separados e isolados uns dos outros . Mas já que todos os opostos são na realidade aspectos de uma única realidade subjacente , isso é como tentar separar totalmente as duas extremidades de um elástico . Tudo o que podemos fazer é puxar mais e mais forte - até que algo finalmente arrebente .
Assim , talvez possamos entender por que , em todas as tradições místicas do mundo inteiro , uma pessoa que vê além da ilusão dos opostos é chamada " liberta " . Estando ela " livre dos pares " de opostos , está livre , nesta vida , dos problemas e conflitos fundamentalmente absurdos envolvidos na guerra de opostos . Não manipula mais os opostos jogando um contra o outro na sua busca da paz , mas , em vez disso , transcende a ambos . Não coloca o bem contra o mal , mas posta-se além do bem e do mal . Não se agarra à vida contra a morte , mas é um centro de consciência que transcende a ambas . A questão não é separar os opostos e empreender um " progresso positivo " , mas sim unificar e harmonizar os opostos , tanto positivos como negativos , através da descoberta de uma base que transcende e abrange os dois . E essa base , como veremos logo mais , é a própria consciência da unidade . Por enquanto , notemos , como faz a escritura hindu Bhagavad Gita , que a libertação não é a liberdade em relação ao negativo , mas a liberdade completa em relação aos pares :
Satisfeito com a obtenção daquilo que surge por si mesmo .
Passando além dos pares , livres da inveja ,
Desprendido do sucesso ou do fracasso ,
Mesmo atuando , ele não está preso ,
Ele deve ser reconhecido como eternamente livre 
Aquele que não detesta nem suplica ;
Pois aquele que é livre dos pares ,
É facilmente livre do conflito .
Estar " livre dos pares " é , em termos ocidentais , a descoberta do Reino dos Céus na terra , embora os evangelistas populares tenham-no esquecido . Isso porque os Céus não são , como desejaria a religião popular , um estado todo de positivos , mas o estado de perceber a " não-oposição " ou " não-dualidade " , pelo menos de acordo com o Evangelho de São Tomé :
Eles lhe disseram : Podemos nós , por ser crianças , entrar no Reino ? Jesus lhes disse : Quando fizerdes de dois , um , e quando fizerdes do interior o exterior , e do exterior o interior , e do acima o abaixo , e quando tornardes o macho e a fêmea um só , então entrareis no Reino .
Essa idéia de não-oposição , de não-dualidade é a essência do Hinduísmo Advaita ( " advaita " significa " não-dual " ou " não-dois " ) e do Budismo Mahayna . A idéia é expressa de uma forma muito bonita num dos textos budistas mais importantes , o Lankavatara Sutra :
A falsa imaginação ensina que coisas como a luz e a sombra, o comprido e o curto , o branco e o preto são diferentes e devem ser discriminadas ; mas elas não são independentes entre si ; são apenas aspectos diferentes da mesma coisa , são termos de relação , não de realidade . As condições da existência não são de caráter mutualmente exclusivo ; em essência , as coisas não são duas mas uma .
Poderíamos multiplicar essas citações indefinidamente , mas todas apontariam para a mesma coisa : a realidade suprema é uma união de opostos . Os limites que sobrepomos à realidade é que a cortam em inúmeros pares de opostos . Logo , a afirmativa de todas as tradições de que a realidade está livre dos pares de opostos é uma afirmativa de que a realidade está livre de todo tipo de limite . A realidade é não-dual ; ou seja , ela é sem limites .
Assim , a solução para a guerra de opostos exige a rendição de todos os limites , e não o malabarismo progressivo dos opostos uns contra os outros . A guerra de opostos é sintoma de um limite considerado como real ; para curar os sintomas , devemos ir até a raiz da própria questão : nossos limites ilusórios .
Contudo , cabe aqui a pergunta : o que acontecerá com o nosso impulso para o progresso se considerarmos todos os opostos como uma só realidade ? Bem , com um pouco de sorte , vai parar - e com ele aquela insatisfação peculiar que se desenvolve na ilusão de que a grama do vizinho é sempre mais verde . Mas devemos ser bem claros a esse respeito .
Não estou querendo dizer que pararemos de fazer algum tipo de progresso na medicina , na agricultura e na tecnologia .
Simplesmente pararemos de alimentar a ilusão de que a felicidade depende disso . Isso porque , quando enxergarmos através das ilusões de nossos limites , veremos , aqui e agora , o Universo como Adão o viu antes do Pecado : uma unidade orgânica , uma harmonia de opostos , uma melodia de positivo e negativo , um prazer com o jogo de nossa existência vibratória . Quando percebermos que os opostos são um , a discórdia dissolver-se-á em concórdia , as batalhas tornar-se-ão danças , e antigos inimigos tornar-se-ão enamorados . Então estaremos em posição de fazer amizade com todo o nosso universo , e não apenas com metade dele .
Texto : Ken Wilber ( do livro Consciência sem Fronteiras págs. 31 a 48 )
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domingo, 8 de julho de 2012

" O Homem sua origem e evolução "

A EVOLUÇÃO DO HOMEM

Quando compreendemos que o homem é tríplice em sua manifestação , sendo um produto do Espírito e da matéria - os céus do Espírito e os mares da matéria - permeado daquelas gradações psíquicas ou da consciência que ocupa os espaços intermediários , podemos compreender que sua evolução deve ser correspondentemente tríplice . Cada um de nós tem três seres distintos - um físico , um psíquico e um espiritual .
Ascendemos de um para outro no curso de nosso progresso humano .
A evolução com a qual a maioria de nós está direta e praticamente relacionada é a evolução de Manas . É realmente Manas , que é a inteligência , em exílio do reino espiritual , que sai , não compelida para sair , mas auto-exilada . É a energia que sai do pólo espiritual para o pólo material , um movimento que obviamente deve ter começado com uma finalidade ou vontade espiritual , mas infortunadamente é mais tarde perdida e esquecida . Há uma escala de consciência ou inteligência estendendo-se do mais alto dos planos para o mais inferior . Mesmo quando experimentamos uma sensação , essa experiência , o seu registro e a sua recordação , é um ato inteligente . É em Manas que temos de procurar o elo entre a experiência e a matéria , os lados subjetivo e objetivo da existência . Quando Manas não está presa nas sensações que experimenta , pode estudar aquelas sensações e , então , desenvolver uma percepção de si própria , isto é , de seus próprios processos e natureza . Assim , ela tem que transcender a si própria à medida que aparece e age , antes que se possa conhecer como é verdadeiramente - um conhecimento que é o de sua essência divina e imortal e de sua finalidade .
Mesmo Buddhi , a Intuição espiritual e Atma , geralmente identificada com a Vontade espiritual , são estágios na descida e ascensão de uma energia pela qual o cosmos inteiro se exterioriza e se expande . A expansão deve alcançar seus limites próprios e finais , mas há também o processo complementar de densificação e retorno no qual o cosmos se torna um todo e é trazido de volta ao ponto original . É somente quando aquilo que pensamos ser partes se ordena em um todo que a plena significação de cada parte , seu lugar e o do todo podem se tornar manifestos à inteligência .
Tudo deve se tornar objetivo ao percebedor antes que tudo possa ser compreendido ou mesmo antes que as partes possam ser compreendidas corretamente .
Atualmente há muito emprego da palavra " psique " que é pouco compreendida , mas é realmente Manas com uma agregação em torno dela , mais freqüentemente um resíduo que ela coleta . Manas é afetada pelas variedades de matéria , é levada a lidar com formas e sensações de origem material , com as quais desenvolve gostos e antipatias e também certos hábitos de pensamento e sentimento . Há uma constante inter-relação entre a mente e a matéria , desde o começo até o fim de todo o processo , cada contato com a matéria dando origem a uma ou outra espécie de sensação .
O campo no qual a evolução humana se verifica é , como vemos , constituído pelos cinco planos inferiores da Natureza , cada um deles desenvolvendo um certo aspecto do ser . É neste campo que se desenvolve , tanto a tríade espiritual ou " eu " espiritual , como o que tem sido chamado na literatura teosófica de quaternário , que compreende os outros dois " eus " , os princípios que os constituem . O quaternário é constituído do corpo físico , Kama-manas ( a mente de desejos ) e as conexões vitais entre eles , constituindo o homem físico e o psíquico , a entidade cujas atividades se situam no âmbito do psicólogo e do psicanalista modernos , que desconsideram completamente o lado espiritual .
O método de evolução para os corpos inferiores , o modo como os seus órgãos de sentido e de ação são desenvolvidos , é pela descida de uma vibração , um canal que é uma corrente vital . Este canal , acompanhado por uma ação elétrica apropriada , como a fisiologia moderna é capaz de descrever , gradualmente se expande em uma corrente ou fluxo , e o seu efeito é organizar a matéria na qual a energia é vertida . Assim , a matéria , originalmente apenas um envoltório , torna-se o veículo ou corpo complexo e bem-adaptado que a consciência que o habita é capaz de usar depois com facilidade e de modo efetivo . De qualquer modo este é o método , do físico ao astral e mental , como a Dra. Annie Besant assinala . As várias correntes que fluem de cima para baixo pressionam sobre o material do envoltório , e o material , que no começo era desorganizado , gradualmente se configura em um corpo com órgãos capazes e especializados , apropriados ao nível no qual esse corpo precisa funcionar . As extraordinárias adaptações mostradas em sua conformação e seu funcionamento podem ambos ser atribuídos tanto a um Projetista extracósmico como a uma Inteligência que , de modo mais insinuante e através de uma hierarquia de Inteligências , guia o processo vital .
Cada um dos três envoltórios do Ego reencarnante precisa ser organizado por sua vez , começando do mais exterior que é o físico - um processo lento . A organização dos corpos é essencialmente um processo de auto-organização que parte do interior , onde está o centro da vida . O processo é limitado , entretanto , pelo Karma do homem , que é qual uma teia formada pelo jogo de forças que se retraem e se expandem entre o indivíduo e o seu ambiente . Não podemos ter o melhor dos corpos que possa ser usado pelo Eu interior , devido aos pecados de seu filho , a personalidade emergente . Temos um corpo cujas capacidades estão limitadas de várias maneiras pelo Karma que nós mesmos criamos , e nós , como Egos , temos de aprender as lições dessas limitações . Em cada ponto em nosso progresso estamos em um círculo de limitações que são auto-criadas .
Podemos lamentar o nosso Karma e considerá-lo como uma fatalidade que nos acomete , proveniente do exterior , mas nunca deveríamos esquecer que o Karma é realmente uma evolução de forças provenientes do interior , com as quais nós nos envolvemos , em nossa ignorância , de uma maneira que leva essas forças a limitar nossas energias livres em vez de capacitá-las a achar um escoadouro e uma ação apropriado . Tudo o que nos sobrevém do exterior e parece ser o trabalho de agentes externos é , quando corretamente percebido , o efeito de ação gerada internamente . É o reflexo proveniente de alguma superfície de resistência em algum ponto exterior a nós mesmos . Quando o Eu age em seu corpo , a ação é direta , mas quando as forças são projetadas no mundo exterior pelos nossos pensamentos , emoções e ação física , elas são refletidas e voltam para nós . São , exatamente , os efeitos de nossas próprias ações , assumindo um aspecto ou outro .
Temos que assumir e lidar com cada força que emitimos e que perturba a harmonia do Universo .
A evolução do ser vem através da experimentação do não-ser que , para nós , na atualidade , são as condições dos três mundos nos quais evoluímos , e essa experiência é transformada por um agente que é o elo entre o ser e o não-ser , ou seja , as forças de Manas . A verificação da experiência ocorre automaticamente através da purgação no mundo astral , após o que há no Devachan a fruição das sementes ou germes espirituais acumulados durante a vida terrena . Tudo o que é aprendido e compreendido resulta em um desabrochar inerente ao Eu espiritual . A alma peregrina tem de passar através de vários estados de matéria e autoconsciência a fim de atingir a plenitude de sua estatura e manifestar a unicidade de seu próprio ser e individualidade . Mas ela passa pelos estados dos três mundos inferiores na máscara da personalidade terrena . É como se fosse um príncipe que se disfarçou e perambulou pelas estradas principais e secundárias a fim de ganhar experiência de diversas espécies .
O processo total da evolução torna-se inteligível e claro não apenas porque cada coisa flui em uma sequência de causa e efeito , mas também , porque esta sucessão de efeitos em cadeia , ocorre em ciclos determinados , grandes e pequenos , os menores abrangidos pelos maiores . Ciclo após ciclo segue-se em séries infindáveis , tudo partindo do ponto superior , movendo-se para baixo e para cima e retornando ao final ao ponto de partida . Cada movimento completo é um círculo ou uma elipse , porém em mais de duas dimensões , aproximando-se assim a uma espiral . É a estes ciclos de progresso e as suas diferentes seções que damos , na literatura teosófica , os nomes de Cadeias , Rondas , Períodos Mundiais , Raças e Sub-Raças , cada um deles oferecendo condições especiais para a educação da vida interior .
Agora , o homem , como nos foi dito , está na Quarta Ronda de desenvolvimento , e nessa Ronda ele está no Globo mediano nas séries de sete Globos e no mais denso dos sete , ou seja , a Terra ; ali ele está no período da Quinta Raça , dentro da qual está agora a quinta sub-raça . A Quarta Raça ainda existe e é numéricamente predominante , enquanto que a Quinta Raça , agora em evolução , ganhou uma ascendência que está sendo sentida de vários modos .
Os pormenores não interessam muito . O ponto a salientar em tudo isto é que a evolução é sequencial , não é desconectada , exata ao longo de sua carreira e não problemática . Tudo está em ordem no esquema Divino , e é uma ordem muito bela . Os sete planos de matéria , consciência e vida que compõem nosso sistema , os sete princípios do homem , as idades do homem no âmbito de sua vida individual ( infância , juventude , adulto etc . ) os reinos da Natureza ( os três reinos elementais , o mineral , o vegetal , o animal , o humano ) , as sete Raças , as várias épocas geológicas e assim por diante , tudo está inter-conectado . Tudo está estruturado e se move de acordo com uma certa lógica , havendo um modelo , um método no aparente caos , o caos que desafia nossa ignorância com o seu poder aparentemente imutável . Tudo acontece de acordo com um Plano feito pelo Grande Arquiteto e é guiado por Inteligências através das quais a Sua consciência oniabrangente opera de múltiplas maneiras .
No curso da evolução e principalmente naquela parte com a qual estamos particularmente relacionados , ou seja , a evolução humana , fases sucessivas de consciência surgem como faixas de um espectro movente . Há um número de fases , genericamente classificadas como sete e divisíveis em muitos outros graus , e cada fase torna-se ativa e predominante de cada vez .
Tudo está involuído , em um estado subjetivo , a princípios , mas , de modo gradual , torna-se objetivo ou manifesto . Existe assim um nível ou diafragma na consciência evolutiva do homem que divide o subjetivo do objetivo . O objetivo é aquilo que trouxemos sob um controle e exame detalhados , no qual somos capazes de ser conscientemente ativos ; o subjetivo é aquela consciência dentro de nós que pode ser sentida e certamente influencia o objetivo , mas aguarda uma exteriorização e operação definidas . O nível no qual o subjetivo passa para o objetivo gradualmente aumenta no curso da evolução até que , finalmente , todos os planos e sub-planos se tornam , por assim dizer , o reino do Espírito ascendente , sobre o qual ele é capaz de estabelecer o seu domínio e império .
Estas fases , que são discerníveis na evolução racial , têm sido identificadas com a sensação , a atividade , a natureza afetiva , a natureza astral e a mente , correspondendo , respectivamente , às cinco Raças que já surgiram , estando ainda por surgir a Sexta e a Sétima Raças enquanto a vaga de vida permanece neste Globo . Cada uma destas fases desenvolve-se e entra em atividade , cada uma realiza o seu trabalho , cada uma se mistura no devido curso com as suas predecessoras . Nas duas primeiras Raças , nos é dito , quase não havia sensibilidade alguma ; os centros de sensibilidade estavam em processo de formação . Na Terceira Raça havia resposta somente a impactos violentos . Na Quarta Raça , a Atlante , o sentido psíquico desenvolveu-se altamente e com ele o princípio astral do desejo e a mente emotiva . Agora estamos na Quinta , ou a Raça Mental , cujo avanço no lado corpóreo se demonstra pelo fato de esta Raça possuir uma organização nervosa superior à dos Atlantes .
As primeiras três Raças neste Globo foram uma espécie de recapitulação do que tinha sido conseguido nas três primeiras Rondas , semelhante à recapitulação , no desenvolvimento do feto humano , das formas primitivas de evolução . Temos que colher nossa informação sobre estes assuntos de fontes que damos crédito . Os princípios que foram desenvolvidos naquelas Rondas estavam , nas três primeiras Raças , mais firmemente estabelecidos , e foi durante esse período que o corpo físico do homem tornou-se o instrumento compacto e controlável que é agora . Nos estágios primitivos era inconsciente e insipiente como uma nuvem . O acontecimento de maior consequência na Terceira Raça foi a separação dos sexos , como já se falou antes . Também aprendemos que o número de sentidos chegará a sete , embora atualmente beneficiemo-nos com o uso de apenas cinco .
A diferença entre uma Raça e outra jaz não apenas na aparência , mas , também , na organização nervosa , incluindo o cérebro , e na constituição da parte etérica do corpo físico com os seus vários centros de força . Não sabemos muito a respeito da organização dos corpos astral e mental , mas podemos presumir que não podem ser menos maravilhosos quanto ao desenho e à inteligência do que o corpo físico . A evolução de todos estes corpos depende do fluxo de vida que passa através daqueles átomos permanentes aderidos a cada Ego , por meio dos quais ele se afasta da manifestação e volta de novo a se manifestar durante o ciclo de necessidade , ou seja , durante as suas encarnações necessárias .
A teoria dos átomos permanentes , um para cada plano , que cada entidade humana carrega consigo de vida para vida - realmente não é uma teoria , mas um fato - resolve muitos problemas e também oferece abertura para especulações ao longo de várias linhas .
Um ponto importante a lembrar em conexão com todo este processo , e já salientado , é que a força motivadora , a fonte principal de tudo , é a vontade do próprio indivíduo , que , naturalmente , é a vontade do Logos manifestada através do indivíduo . A Mônada , que constitui a individualidade e é o seu ápice ou ponto culminante , é auto-movida , não é movida por coisa alguma . 
O Eu espiritual tem três aspectos , como já foi afirmado , o Espírito , a Intuição Divina ou o Princípio de sabedoria e a Inteligência Criativa . É a inteligência Criativa , freqüentemente chamada de aspecto de Atividade porque a atividade é criação no reino espiritual , que é o primeiro a aperfeiçoar o seu organismo e demonstrar a sua capacidade . A Mente Criativa desenvolve-se primeiro , e depois que o desenvolvimento atingiu um ponto , o princípio de Sabedoria , o Cristo no homem , nasce e começa a crescer e , por último , a Vontade real ou o Divino Espírito no homem é capaz de tomar a liderança .
Texto : N. Sri Ram ( do livro O Homem sua Origem e Evolução págs. 45 a 57 )
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domingo, 1 de julho de 2012

" O MAL EM NOSSO TEMPO "

Os acontecimentos dos últimos decênios proporcionam , nada mais e nada menos , do que um comentário visível às mensagens que profetas inspirados como Jesus , Krishna e Buda tiveram o privilégio de transmitir . Os tempos sem precedentes que vivemos provam tão-só , com fatos terríveis , o que esses homens pregaram com palavras . Provam que a descrença religiosa e a tendência materialista de toda uma geração , o duro ceticismo que lhes degradou os valores e lhes pôs a nu os instintos , oferecem uma base demasiado insegura para a vida humana .
O materialismo - e com essa palavra pretendemos designar não só a doutrina abertamente confessada e grosseiramente óbvia que corre sob esse nome , mas também as suas formas inconscientes e disfarçadas - tem sido a desgraça do nosso tempo . A impressão total de todas as formas que ele assumiu - e elas podem ser encontradas nas esferas científicas , políticas , educacionais , literárias , artísticas , eclesiásticas e legais também - é horrível . O fim de tudo isso é a figura aterradora e a capacidade vulcânica de destruição da bomba atômica .
E a consequência natural da crença na supremacia final do pensamento intelectual levado aos seus extremos lógicos e não equilibrado pela intuição espiritual . Na guerra , o mal humano sempre aparece em sua pior forma e os seus efeitos em sua forma mais difundida . Com o descobrimento da bomba atômica , o caminho que conduz à completa autodestruição de uma grande parte da civilização está agora escancarado . Nada na história se compara a essa terrível situação .
Não basta compreender o trágico e , ao mesmo tempo , histórico significado desses acontecimentos que sacodem o mundo . Precisamos também compreender-lhes o significado religioso , metafísico e filosófico implícito . E , como já ficou dito , isto não pode ser feito adequadamente se não projetamos sobre eles a luz de doutrinas , como a da inevitabilidade da evolução espiritual e a da fatalidade  da lei da recompensa .
Pois sem elas é muito difícil explicar por que a sociedade está como está . A situação psicológica , criada pela crise e pela guerra e que se expressa na trágica situação física , só pode ser convenientemente compreendida à luz destas e outras verdades correlatas . Os iníquos pensamentos e emoções , as más paixões e ações da humanidade precisam quinhoar da responsabilidade . A sua civilização recebeu , sem dúvida , as recompensas de um egoísmo míope , pois viu tantas coisas materiais , que lutou por conseguir , bem como tantos ideais , que lutou por atingir , desmoronados em suas mãos .
A maioria das pessoas presume que só o bem tem o direito de mostrar-se ativo na terra . Portanto , a presença de tanto mal lhes desconcerta a mente . Parece que esse mal , abundante demais e continuo demais , não se ajusta adequadamente a um plano de inspiração divina . O crime e a violência dos últimos tempos , o horror e o choque da história recente levaram muita gente que antes a ignorava a meditar sobre a questão do mal . Uma geração que ouviu uma propaganda iníqua , que presenciou iníquas atrocidades e observou movimentos inescrupulosos tendentes à dominação do mundo , teria de ter o cérebro muito mole para não concluir que alguma influência maligna está operando nos assuntos humanos e que forças malignas estão manifestando , no meio dessa geração , as suas conturbadoras atividades . A existência - não menos que o poder - do mal patenteou-se tão abertamente , e tão selvagemente , e tão insistentemente aos seus olhos nos últimos tempos que aqueles que , influenciados por extravagantes teorias otimistas , outrora fechavam os olhos para ele , viram-se forçados a abri-los e a reconhecê-lo . Um ato assim , retardado e perplexo , é penoso .
A concepção materialista do mal considerava-o como um subproduto dos meios físicos e das circunstâncias temporárias , que seria corrigido pela simples correção dessas coisas físicas .
Mas o tipo de mal que tanto prevalece em nosso tempo , glorifica a brutalidade por amor da própria brutalidade , justifica a opressão por amor do opressor , exalta a cobiça , ridiculariza a religião e escarnece da consciência , tanto pelo prazer que lhe proporcionam tais atividades quanto pelas suas recompensas . Os homens que o praticam amam-no tão intensamente quanto os santos amam a Deus . Já não se pode sustentar sensatamente , como até aqui têm sustentado os materialista dialéticos e racionalistas , que as circunstâncias externas , sozinhas , são suficientes para explicar o caráter desagradável dessas criaturas perniciosas . Evidencia-se , pelo contrário , que a iniquidade da conduta humana se origina do fato de ser o mal um elemento real nos seres humanos , independente do meio e das circunstâncias humanas . É deplorável mas , infelizmente , é também exato que esse elemento se faz valer com maior facilidade e maior frequência do que o bem . A perversidade histórica da natureza humana , a sua constante inclinação para o mal , desalenta o filantropo .
A filosofia não encara o problema com indiferença , como alegou o colaborador do Times de Londres que fez a crítica de The Wisdom of the Overself ( A Sabedoria do Eu Supremo ) , senão com seriedade . Nada que se escreveu naquele livro levava a intenção de negar a horrível realidade do mal , a constante atividade do mal , a terrível devastação que ele provocou na história humana e a sua pavorosa realidade nas vidas humanas .
Que se permitisse à humanidade cair nas suas medonhas profundezas parece indicar uma falta de bondade na divina idéia do mundo . Os homens não devem ser censurados por contestar a bondade divina e duvidar da divina sabedoria .
Eles fazem , frequentemente , a seguinte pergunta a si mesmos : Por que há de o Poder Superior ( que eles chamam Deus e que , na realidade científica , é a Mente Universal ) , tão universalmente considerado como benéfico , permitir que esses males e esses horrores ameacem a humanidade ? Mas deveriam formular também a si mesmos a pergunta seguinte , a saber , se a Idéia Universal poderia ter realizado completamente o seu elevado propósito em relação à humanidade sem permitir tais experiências ? Se ela tenciona trazer toda entidade humana à plenitude da autoconsciência moral , intelectual e espiritual , a esfera de experiências , que a entidade deve poder percorrer com toda a liberdade , terá de ser suficientemente ampla e , portanto , suficientemente contrastante , para atingir a sua meta . Se se tivesse limitado essa esfera à ausência do mal , se se houvessem restringido as espécies de experiência apenas ao que nós conhecemos como o bem , teria sido impossível a plena consecução da autoconsciência humana . Afinal de contas , isto é uma questão não só de moral , mas também de conhecimento . Não há , com efeito , outro modo capaz de propiciar à humanidade todas as condições necessárias ao desenvolvimento de todas as suas faculdades . O simples fato de permitir a Mente Universal a existência do mal deveria mostrar que este tem um lugar temporário , inevitável , na economia das coisas .
Nenhum modo de vida consciente poderia ter sido inventado que proporcionasse a felicidade perfeita e a bondade sem mistura e ensejasse , ao mesmo tempo , as variadas experiências e os diversos estados necessários ao desenvolvimento dos conhecimentos , da inteligência , do caráter e da espiritualidade do ser humano .
Se bem que algumas facetas desse desenvolvimento pudessem ter sido obtidas por uma monotona experiência unilateral , propiciando apenas o aprazível desfrutar da vida , partes importantes da psique teriam ficado , necessáriamente , não tocadas por ela .
Somente ministrando um curso de experiências mutáveis , que palmilhassem um caminho mais amplo e mais variado e também incluíssem os opostos do sofrimento e do mal , poderia conseguir-se a plena e completa evolução do homem . A lembrança da treva passada de ignorância lhe acentua a apreciação da luz atual do conhecimento . O vívido contraste entre as duas condições torna-o muito mais consciente do significado e do valor da condição superior . Sem a experiência de ambas para se complementarem , ele não distinguira o bem do mal , a bem-aventurança do sofrimento , a realidade da aparência , a verdade da falsidade . Como se lhe poderia , por exemplo , lograr a ampliação espiritual da consciência sem as condições produtoras do sacrifício e da abnegação ? O bem só se torna significativo em contraste com o mal , que é , na realidade , a negação do bem . A consciência do som como som precisa estar sempre acompanhada da consciência do seu oposto e diferenciador , o silêncio . Não poderia existir manifestação alguma de um universo sem esse jogo de contrários . Assim que o Um se fez Dois , começou . Daí que o nascimento e a morte apareçam em toda parte no universo , o prazer e a dor no homem !
Heráclito de Éfeso comentou judiciosamente que Homero errara ao dizer : " Oxalá desaparecesse essa luta entre deuses e homens " , pois não vira que estava realmente desejando a destruição do universo e que , se a sua prece fosse atendida , todas as coisas teriam perecido . Todo biologista cujos estudos foram além da superfície das coisas conhecidas sabe o que todo metafísico deveria saber , isto é , que o processo do mundo , inevitávelmente , é uma atividade e uma luta entre forças criativas e forças destrutivas . O cosmo não poderia estar continuamente vivo se não estivesse também morrendo continuamente . A luta dessas forças opostas é um eterno movimento , que se reflete no nascimento de estrelas majestosas e na morte de minúsculas células . Somente um universo estático e imóvel teria podido evitá-lo . Para que o homem não fosse um robô mecânico , foi preciso que ele tivesse uma vontade livre , dentro dos limites impostos pela sua natureza e pelo propósito universal . Foi preciso que se lhe outorgasse o poder de escolha . E para que ele pudesse ter liberdade para escolher o bem , era mister que também tivesse liberdade para escolher o mal . Que ele agiria mal , que entraria em conflito com os seus semelhantes , e que chegaria a contrapor a sua insensatez à sabedoria de Deus , estava previsto desde o princípio : era , com efeito , uma decorrência inevitável do haver ele iniciado a sua vida consciente presa da ignorância e do desejo . Através da experiência , acabaria aprendendo a agir corretamente e essa fase escura da sua carreira desapareceria . Somente pela experiência com o mal é que o valor do bem poderia ser adequadamente compreendido .
Deus deu ao homem liberdade suficiente para elaborar o seu destino , e visto que existem , ao mesmo tempo , o bem e o mal misturados em sua natureza , quando o volume do mal assume proporções agigantadas e a sua força cresce , produz inevitavelmente consequências como as que hoje o ameaçam .
Entretanto , esta não pode ser a única e bastante explicação da sua situação atual . Uma vez que o seu livre arbítrio não pode operar no interior do vácuo , é preciso que haja outras forças em ação dentro do seu meio , modificando-o influenciando-o , e até , por fim , dirigindo-o . Há de haver um tipo qualquer de modelo grosseiro no universo , a que as suas próprias atividades , finalmente , se ajustarão . A menos que topemos com algum vislumbre desse modelo , não seremos capazes de compreender suficientemente por que tantos milhões de pessoas , aparentemente boas e decentes , devam estar expostas ao sofrimento e às afições resultantes das perversas atividades de outros homens .
Mais ainda , quando a própria civilização está tão sombriamente ameaçada por tais atividades .
Que o próprio livre arbítrio do homem foi o criador de tão grande parte dos males e das aflições do mundo , é óbvio .
Que com o seu aprimoramento moral essa deplorável situação se aprimoraria é igualmente óbvio . Mas a própria situação não poderia ter surgido senão pela permissão e dentro da concepção da Mente Universal . Onde haverá uma liberdade mais do que parcial para o homem quando , desde o começo , ele é obrigado a aceitar , sem possibilidade de escolher , certa raça , certo país , determinada família , determinado status econômico , um estado de saúde ou de doença e uma abundância ou uma falta de energia , de intelecto , de vontade e de intuição ?
Dessa maneira , grande parte do curso e uma parte do fim da sua vida são ditadas pela Natureza , pelo destino , por Deus .
Nenhuma entidade humana determinará o seu curso com inteira liberdade . Nenhuma entidade humana se desviará do plano cósmico com absoluta independência . A liberdade de todas as entidades humanas é limitada , como é dependente o seu poder . O homem nunca possuiu , não possui agora e nunca possuirá o livre arbítrio absoluto . Acima da sua própria vontade flutuante está a inexorável vontade cósmica . Todo o seu desenvolvimento individual é apenas parte do plano evolutivo para o próprio cosmo , e é controlado por esse plano . Não cabe ao seu capricho interno nem ao acaso externo a decisão acerca do resultado desse desenvolvimento .
Se todo o cosmo é uma emanação da Mente Divina , que , embora misteriosamente transcendente , também é significativamente imanente , não poderá haver força nem entidade dentro dele que não esteja fundamentalmente arraigada na beneficência , na sabedoria e na serenidade da divindade . Ela pode ter a sua origem obscurecida , pode parecer , pensar e agir iniquamente , mas só o fará com a permissão e o consentimento de Deus . Por conseguinte não é apenas o emprego ignorante e iníquo , feito pelo homem , do seu livre arbítrio que explica o mal humano e o sofrimento humano , mas também a própria Ideia cósmica . E isto é alguma coisa que lhe foge ao controle e está além da operação da sua vontade . Os males e a dor que lhe ensombram a existência foram sancionados e incluídos no método do seu desenvolvimento interior .
Este é o mundo de Deus ; não poderia ser de mais ninguém .
Há de ser , finalmente , uma expressão da sabedoria de Deus .
Por conseguinte , quando encontramos nele coisas e pessoas , acontecimentos e espetáculos que nos afrontam porque são mais diabólicos do que divinos , a reação de instintiva repugnância é bem humana , mas a deficiência está em nossa faculdade visual , o desprazer está na limitação do nosso entendimento e não pode estar em nenhum outro lugar . Em toda parte há sinais de que o poder divino trabalha em nosso meio . Mas é claro que olhos que não estejam espiritualmente abertos não poderão vê-los . Fora melhor que lastimássemos a presença da nossa cegueira do que a ausência da atividade de Deus . O que podemos ver no estado atual do mundo e na história passada depende do que somos dentro em nós mesmos . Se formos moralmente tortuosos , consideraremos tortuosas também quase todas as pessoas que conhecemos . Se não pudermos encontrar nenhum significado mais profundo em nossa natureza , nenhum propósito mais alto em nossas vidas , não veremos propósito nem significado no mundo que nos rodeia . O descobrimento de um eu divino em nosso coração será um dedo apontado para a presença de uma mente divina por detrás de todo o universo a que pertencemos .
À medida que a entidade humana evolui em conhecimento e em consciência , modifica a sua concepção do que é ou não é o mal , assim como modifica a sua concepção do que é ou não é desejável . À proporção que vai colocando as diversas peças do mosaico do padrão universal em seus lugares , de modo que o todo se torne cada vez mais significativo , à proporção que , a princípio , controla as emoções pessoas negativas e , mais tarde , delas se desfaz , à proporção que desenvolve uma vida interior calma e impessoal , a sua própria atitude para com os males da vida se modifica . À mudança se faz vagarosa e relutantemente mas , no fim , a entidade já não é capaz de resistir-lhe à feitura .
Pois na medida em que deserta a pequenez do ego e responde à direção do eu superior em outros assuntos , assim deve responder aqui . A sua modificação mais alta resulta do descobrimento do seu divino eu , quando a relatividade do mal se torna perfeitamente clara e a evanescência do ego no fundo de quadro da eternidade se torna perfeitamente visível .
Se , apenas do ponto vista alto possível , o mal é uma ilusão e o bem é o oposto do mal , haverá quem pergunte se o próprio bem , nesse caso , não será uma ilusão também .
A resposta é que existem dois " bens " . Existe um bem relativo , que , sendo o verdadeiro contrário do mal , é ilusório . Existe um bem absoluto , que é uma qualidade do Poder Vital Uno e Infinito ; esse é o verdadeiro bem . O mal , por si mesmo , não tem existência eternamente real . Em nossa vida humana comum encontramos contraditada essa afirmativa . Com a nossa mentalidade humana comum achamo-la incrível . Para torná-la aceitável faz-se mister uma vida de solidão quase tibetana .
O que temos de aprender , conquanto seja tão difícil de aceitar , é que o pensamento divino do universo não é apenas perfeito e bom em seu primeiro e em seu último estágios , mas o é também em seu estágio atual . Se vemos o mundo numa confusão de tragédias e sofrimentos , de caos e de pecado , a confusão , na realidade , está em nossa visão , em nossa maneira peculiar de encarar as coisas . Se for difícil compreender esse enunciado , será proveitoso chegar à compreensão pelo confronto da experiência da realidade do mal por que passa a humanidade com a experiência de um pesadelo por que passa o homem adormecido . As medonhas ou odiosas figuras que lhe surgem no pesadelo estão , indiscutivelmente , presentes diante dele , os tormentos e terrores que o acometem são , de fato , muito reais para ele . Entretanto , ao despertar , vê-os a todos como realmente são , reconhece-os como eram no próprio pesadelo - simples ideias . Do ponto de vista prático imediato não há dívida de que o mal é um fator real , difundido , poderoso , mas limitado , na existência humana . Sem embargo , do ponto de vista filosófico final , não é o que parece ser . Existe , por certo . Mas a existência é relativa ao corpo humano com o seu pensar finito . Não se pode negar-lhe a presença mas , ao mesmo tempo , existe um fator mais alto por detrás dele , como existe um fator mais alto por detrás do corpo humano .
Desde o princípio se atribuíram papéis tanto ao mal quanto ao sofrimento no desenvolvimento humano . Eles não apareceram por acaso nem em virtude de alguma " queda " inesperada .
Não foram introduzidos , contra a vontade divina , por algum poder satânico . O cair em pecado e o experimentar a dor fazem parte da Ideia cósmica . Não são acidentes cósmicos nem erros cósmicos . A sabedoria divina trabalha tanto neles quanto em tudo o mais . A falha está na percepção humana , na impaciência humana , na limitação humana . É a sua qualidade e o seu grau de consciência que fazem um homem perceber apenas o mal onde outro percebe o mal e o bem , e compreende que o mal humano é a consequência , ao mesmo tempo , do livre arbítrio humano e do custo da evolução humana .
É difícil defender as crueldades da Natureza . A destruição que ocorre no fervilhante reino animal , e que não desperta a atenção , sobrepuja a destruição que se verifica no reino humano durante uma guerra mundial , que desperta a atenção do mundo inteiro . Mas o nascimento de formas vivas em nosso plano tem de ser seguido pela morte deles naquele plano .
Esses dois pólos da Natureza , o positivo e o negativo , são o corolário inevitável da manifestação cósmica . Se o intelecto só pode justificar as crueldades da Natureza divorciando-se de todas as mais belas emoções , não nos esqueçamos de que ele só lida com o nível físico . A intuição , que opera em nível diferente , descobre que por detrás de todas as formas exteriores há o espírito interior da Natureza e que uma presença viva e amante se encontra além do pensamento do homem . Onde o intelecto encara com amargura a Natureza , a intuição permanece suave e serena . Conclui , e não pode deixar de fazê-lo , que , a existir tamanha bondade no coração oculto da Natureza , deve de haver algum bom propósito na superfície das coisas .
Todos os erros e todos os males aparentes tem um lugar racional na ordem cósmica , tanto os sofrimentos quanto as alegrias . A ordem não é menos divinamente controlada por causa da sua existência . Eles não são o resultado de um acidente no funcionamento universal , nem são a consequência de um equívoco no divino planejamento .
O cosmo é apreendido como totalidade única na consciência infinita da Mente Universal . Esta última , em seu infinito conhecimento , previu todos os cursos prováveis e todas as possíveis consequências da conduta humana . Mas também sabe que a corrupta humanidade de hoje será , num distante amanhã , a humanidade enobrecida . Estaríamos justificados em denunciar o pensamento divino como inteiramente perverso e absolutamente impiedoso se o fim da existência humana fosse como esta sua atual fase transitória , ou fosse um jogo incerto e arriscado . Mas o fim é glorioso , a sua consecução , uma certeza , o processo , meritório . Pois é um autêntico desdobramento , vindo de dentro , de atributos , capacidades e estados de consciência , que refletem algo do divino .
Se existe tão-só um único princípio supremo de Ser no cosmo , se todas as coisas e todas as criaturas emanaram dele , o que nas atividades desse cosmo denominamos mal , e o que denominamos sofrimento , devem também ter emanado dele .
Mas sendo esse Princípio Supremo o único que sempre existiu , disso se segue que o mal e o sofrimento em indivíduos são apenas aparências transitórias , destinadas a viver intermitentemente e , depois , a dissipar-se de todo . Não existe dor , nem mal , nem tribulação na própria essência eterna das coisas , na unidade absoluta da vida , como observou com justeza Mary Baker Eddy . Só quando aparecem os processos de manifestação do tempo e só quando se diferenciam seres inumeráveis , é que a existência deles se torna possível . Pois só então principia a dualidade dos contrários . Nada pode ser trazido à realidade sem trazer , necessariamente , a possibilidade do seu contrário . Só podemos formar ideia da luz formando , ao mesmo tempo ideia da escuridão . Se a luz possibilita a treva o amor possibilita o ódio , a alegria possibilita a dor e o bem possibilita o mal . Quando se permite aos seres manifestados que possuam desejos e exercitem a vontade - como é preciso que aconteça para que não sejam robôs - permite-se também , inevitavelmente , a luta potencial com finalidades egoístas . Sempre haverá o mal num ponto qualquer do cosmo manifestado , porque sempre haverá uma sombra na luz do sol . Não havendo sol , não há sombra ; não havendo bem , não há mal . Essas coisas são pressupostas e negativamente presentes em seus contrários . Não poderemos ter um cosmo manifestado se não tivermos também essa perpétua relação entre eles .
Mas porque a mudança está impressa na manifestação , nunca é o mesmo mal que vemos , senão uma nova ilustração dele . As suas velhas formas são convertidas em bem pelo tempo e pela evolução . Assim , malgrado seu , o mal aparente pode produzir uma mudança que redunde em bem real e o sofrimento temporário pode , finalmente , resultar em felicidade estável . O princípio obstrucionista , a força adversa , o peso morto da inércia , contra os quais precisam lutar todos os esforços do homem para elevar-se , lá estão porque a resistência a eles enseja a ocasião para desenvolver o bem . A luta para a qual o homem é convocado , contra os elementos que lhe resistem , por prolongada que seja , conduz ao seu progresso . Uma das tarefas atribuídas às chamadas forças do mal consiste em experimentar-lhe a tempera estorvando-lhe o crescimento , em pôr-lhe à prova o caráter espicaçando-lhe os desejos e em mostrá-lo como realmente é opondo-se aos seus esforços de autodesenvolvimento . Que é este poder oponente , essa força adversa , afinal de contas , senão o ego pessoal do homem , a parte inferior e mais baixa dele mesmo com correspondências no mundo externo mas invisível ? A sua presença na vida dele o instiga a vencer ou a capitular . No primeiro caso , levou-o a trabalhar pelo próprio aperfeiçoamento ; no segundo , levou-o a reconhecer a própria fraqueza . Mais cedo ou mais tarde , as consequências desagradáveis dessa fraqueza o induzirão a atracar-se com ele e a desenvolver o seu poder de vontade . Esta é uma parte da missão do mal , incitar o homem à própria destruição ou constrangê-lo ao próprio aperfeiçoamento . Imediata e diretamente , poderá fortalecê-lo ou debilitá-lo . Finalmente , só poderá robustecê-lo .
Até onde nos referimos ao mal humano , é inútil falar na onipotência do Poder Supremo e , portanto , na sua capacidade de abolir de golpe esse mal . Não se poderia ter concedido ao homem alguma liberdade de opção sem lhe conceder , ao mesmo tempo , alguma liberdade para proceder iniquamente , se se determinasse a fazê-lo . Toda a ideia da evolução humana teria sido inútil se ele não devesse ser outra coisa senão um autômato escravizado , totalmente despojado da capacidade de autodeterminação . Na medida em que ele goza de liberdade , na medida em que o Poder Supremo renunciou à própria onipotência no indivíduo , mas não no cosmo , limitou necessariamente a própria vontade em aparência , mas não em realidade .
A noção teológica de que existe uma dualidade fundamental do bem e do mal correndo à volta do tortuoso padrão do universo e através da emaranhada narrativa da História , não é certa nem errada ; precisa ser interpretada corretamente .
A filosofia oferece tal interpretação . Não sustenta a existência de um poder satânico co-igual ao poder divino . Sustenta que Deus não tem nenhum rival independente e igual . A noção paralela é que o mundo caiu afitiva confusão , que a obra de Deus tem sido perigosamente sabotada por Satanás , e que a confusão só pode ser endireitada e o perigo sobrepujado se o homem acudir em auxilio de Deus . A Sabedoria Infinita e o Poder Infinito caíram , efetivamente , muito baixo se de fato estiverem premiados por essa necessidade . A presunção humana atinge o nível da fantasia absoluta ou de coisa ainda pior tonando-se espiritualmente arrogante ao julgar-se chamada a acorrer " em auxilio de Deus " . A Infinita Inteligência é também o Infinito Poder . Não estaria à altura de si mesma se precisasse da assistência de uma criatura finita como o mofino homem em sua obra cósmica ! A única coisa que o homem pode oferecer é a harmonia do seu propósito com o propósito universal . Mas isto seria em seu próprio benefício , não em benefício de Deus , como será em sua própria perda , se não o oferecer .
Não será mais sensato acreditar que a Mente Universal continua a ser o que sempre foi e que a história do planeta assumiria uma aparência muito diversa se a pudéssemos ver sem as limitações das nossas finitas percepções e dos nossos finitos entendimentos ? É humano desejar que certas coisas aconteçam e que certos objetivos se realizem . Deus , entretanto , não é humano . O Ser Infinito não tem desejos , não tem necessidades e não tem propósitos . Quando estes parecem existir existem , de fato , para outros . Não atribuamos as nossas concepções finitas ao Ser Infinito nem as nossas qualidades humanas ao Poder Absoluto .
O conceito filosófico do mal , muitas vezes , é rejeitado com excessiva precipitação porque é estudado com pressa excessiva . Ele não será convenientemente compreendido enquanto não se compreender o seu caráter duplo . Admite prontamente uma atividade real , disfarçada e difundida , de forças malignas na história humana . Reconhece-lhes a oposição à evolução espiritual da humanidade . Mas assevera também que essa atividade é limitada e que ainda deixa sem explicação a natureza final do mal . Diz que todo mal será , no fim , obrigado a servir aos propósitos do bem . O primeiro tem apenas uma vida efêmera ; o segundo , uma vida eterna . Se pudermos altear-nos ao nível do Real , já não seremos capazes de perceber , por si mesmo , o mal transitório . Percebemo-lo , então , contra um fundo de quadro bem final . Porque temos alguma coisa da Mente Universal no mais profundo de nós mesmos , uma visão adequada do problema terá de incluir ambos os pontos de vista . Existe um bem relativo e existe um mal relativo , sendo eles contrários necessários . Não existe , porém , o mal final ; só existe o bem final .
Texto : Paul Brunton ( do livro a crise espiritual do homem pag. 115 a 125 )
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